Mais falcatruas: o correto é apurar e punir os autores
Manoel Hygino
As roupas íntimas dos membros da Casa Alta do Congresso Nacional incomodam além do ministro Luis Roberto Barroso, que decidiu mandar suspender por 180 dias a atividade do parlamentar. Fui conferir. Segundo a enciclopédia portuguesa, cueca é uma espécie de ceroula curta, sendo a palavra usada mais no plural (pelo menos na terrinha ibérica), como o ez Camilo Castelo Branco em “As aventuras de Basílio Fernandes Enxertado”. Pode o vocábulo ser também empregado para calcinha de mulher.
Pesquiso mais: Ceroulas, em Portugal, também usado no plural, é a peça do vestuário, atualmente utilizada só pelos homens, de tecido liso, de linho ou algodão e que cobre as pernas ou pelo menos as coxas e o ventre, e se transpõe abaixo das calças. Na Idade Média, ambos os sexos as usavam, mulheres com a peça esbanjando cuidados, pois inclusive continham bordados.
Quando surgiram os botões, houve estrepitosa repulsa, segundo Ivan Lins, ex da AML e da Brasileira. Até o século XII e a primeira metade do XIII, as roupas eram costuradas no corpo ou presas com laços, nunca abotoadas, pois botões inexistiam. Cada vez que um homem ou uma mulher precisava despir-se, a roupa tinha de ser descosida, e novamente costurada ao vestir-se outra vez.
Nas caçadas e excursões campestres, as senhoras levavam consigo os apetrechos de costura, a fim de se descoserem e coserem novamente as partes de seu vestuário. Prestavam ainda o mesmo serviço aos cidadãos graves, que não se submetiam à falta de compostura do andar com roupas providas de botões.
A questão reside em que, na época, julgava-se incômodo tirar as calças e vesti-las de novo, e com que intenção, os botões. Ernst Robert Curtius comentava que “nas controvérsias do século XII, representam as calças um papel penoso”. São Bento declarou supérflua essa peça e só a permitia em viagem. Parece que em Cluny, na segunda metade do século X, já se abandonara essa regra, o que, já no século XI, se prestava a remoques fradescos.
Desde o século XII, surge assunto na polêmica entre cistercienses e cluniacenses. Estes acusavam aqueles de não usarem calças, para mais facilmente se entregarem à impudicícia: é o que se vê num duelo poético de dois frades patuscos, que acabaram brigando. O tema foi versado com frequência e leva a um capítulo importante e vasto da literatura medieval, a crítica da cúria, do clero e do monarquismo, que tão grande espaço ocupa na poesia dos séculos XII e XIII.
Mudando para nossa era, vemos que a situação não é meramente religiosa. A cueca poderia servir para transportar disfarçadamente dinheiro público. É o que se vislumbra com o episódio de Boa Vista.
O assunto não está encerrado. O processo de transportar importâncias altas, de propriedade do poder público, por vias tão extravagantes, não é novidade. Um outro parlamentar, irmão de prestigioso líder de esquerda, já o fizera. O correto é apurar e punir os autores das falcatruas.