Joe Biden fala em ‘tempo de cura’ e acena a rivais em discurso da vitória
Em primeiro discurso, democrata insiste que governará para todos os americanos: ‘Prometo ser um presidente que irá unir e não dividir. Que não verá Estados vermelhos nem azuis, mas os Estados Unidos’
Beatriz Bulla / ENVIADA ESPECIAL, O Estado de S.Paulo
07 de novembro de 2020 | 23h03
WILMINGTON, EUA – Milhares aguardavam Joe Biden quando ele subiu ao palco em Wilmington para discursar na noite de sábado, 7. Durante todo o dia, o sentimento nas ruas da cidade era de esperança em um país mais unido a partir dos próximos quatro anos, algo que o democrata prometeu na primeira fala como presidente eleito dos Estados Unidos.
Além de prever o fim de uma era de demonização nos EUA, Biden prometeu trabalhar pela união de um país dividido. “É tempo de cura”, afirmou, acrescentando que, naquele momento, o país era “um farol” para o restante do mundo. “Nós lideramos pelo poder do nosso exemplo”, disse.
“Para vocês que votaram no presidente Trump, eu entendo sua frustração nesta noite”, disse, aos 70 milhões de apoiadores do republicano derrotado pela chapa democrata. “Eu já perdi algumas eleições. Mas agora vamos dar uns aos outros uma chance. É tempo de colocar a retórica dura de lado, de baixar a temperatura, de ver uns aos outros de novo, de ouvir uns aos outros de novo”, disse. “Nós não somos inimigos, nós somos americanos.”
Democrata discursou neste sábado, 7, após confirmação de vitória nas eleições presidenciais Foto: Andrew Harnik/AP
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“Concorri a este cargo para restaurar a alma da América. Para reconstruir a espinha dorsal da nação, a classe média. Para tornar os EUA respeitados em todo o mundo novamente e nos unir internamente. É a honra da minha vida que tantos milhões de americanos tenham votado por essa visão”, disse.
Biden prometeu anunciar na segunda-feira o time de especialistas e cientistas que irá compor uma força-tarefa de combate à pandemia de coronavírus durante o período de transição.
“Não podemos consertar a economia, restaurar nossa vitalidade ou desfrutar dos momentos mais preciosos da vida – abraçar um neto, aniversários, casamentos, formaturas, todos os momentos que mais importam para nós – até que tenhamos esse vírus sob controle”, disse o democrata, que mostrou solidariedade com as famílias de vítimas da covid.
Em praticamente toda a campanha, os eventos de Biden tiveram público extremamente limitado em razão da pandemia. Os poucos comícios foram em estilo drive-in, com cada eleitor dentro de seu carro olhando para o palco de onde Biden discursava, assim como a noite de ontem.
Milhares de pessoas, no entanto, assistiam ao discurso por telões do lado de fora. As menções de Biden à comunidade negra foram momentos de maior aplauso entre os presentes, assim como quando o presidente eleito falou em enfrentar o racismo estrutural no país. “Estou orgulhoso da coalizão que formamos, a mais ampla e diversa da história”, disse Biden.
Os Estados que decidem a eleição americana
“E especialmente naqueles momentos em que a campanha esteve em seu ponto mais baixo, a comunidade negra se levantou por mim. Eles sempre terão meu respaldo e eu terei o deles”, disse Biden, que se consagrou o nomeado democrata à disputa contra Trump graças ao apoio da comunidade negra. Em mais um compromisso com a busca por um time diverso, Biden disse que montará um governo que “represente a América”.
O fim do discurso teve queima de fogos que desenharam no céu o nome de Biden, seguido de “presidente eleito”, além do sobrenome de Kamala Harris e do mapa dos EUA. A música que tocava, Sky Full of Stars, da banda Coldplay, era uma das preferidas de Beau, o filho de Biden, que morreu de câncer em 2015.
Expectativa pelo discurso de Biden
A cidade de 72 mil pessoas acordou em festa na manhã de ontem com a notícia de que o morador mais ilustre foi eleito presidente. “Sim, nós conseguimos”, dizia um policial com largo sorriso no rosto aos que chegavam ao entorno do centro de convenções de Wilmington, onde apoiadores de Biden se reuniam em um estacionamento próximo ao local de discurso do democrata.
“É um dia glorioso, o país está aliviado”, disse a fisioterapeuta Robin Reynolds, de 50 anos, entre centenas de pessoas que cantavam e dançavam celebrando a eleição de Biden em Wilmington. Ela chamava a atenção por puxar um grito com as iniciais dos EUA. “U-S-A, U-S-A”, gritava, junto de amigas.
Esse tipo de manifestação é comum nos comícios de Trump, onde sinais explícitos de nacionalismo são parte da programação, mas novidade nas celebrações democratas. Robin reivindica o nome do país “de volta”.
“Quando eles (eleitores de Trump) gritam ‘USA’ é ridículo. Essas letras significam Estados Unidos da América”, diz, com ênfase em “unidos”. “Eles só trabalharam por divisão, não faz sentido gritarem isso. Hoje, estamos aqui mostrando que essa é a América real. Não somos um país que rejeita pessoas, somos um país que rejeita o ódio”, disse Robin, que comemorava também a chegada de Kamala à vice-presidência.
A festa de Wilmington teve crianças, latinos e muitos negros. É um contraste nítido com os comícios de Trump, onde o público é predominantemente branco. “Essa eleição mostrou que não queremos a opressão de Trump, que queremos um país decente, que queremos ir para frente e trabalhar com outros países para superar essa pandemia”, afirma Heather Farber, publicitária de 47 anos, que mora na Pensilvânia, Estado que deu a vitória a Biden.
O enfermeiro Chuck Foy, de 33 anos, não se importou em ter de ficar distante do palco de Biden. “Eu só votei duas vezes em democratas: em 2016, em Hillary Clinton, e agora, em Biden. Esperei quatro anos para tirar Trump, estou muito feliz, precisava vir aqui”, afirma.
Foy comprou cadeiras de acampamento para ele, mulher e filha, que posicionou o mais perto que conseguiu chegar do local onde Biden discursou. Na noite anterior, a família esperou por 10 horas pelo democrata. “Vamos viver em um país com integridade, respeito, vamos voltar ao palco global, vamos combater a pandemia”, diz Foy, que é registrado como republicano, mas nunca apoiou Trump.
O melhor caminho para voltar a dialogar com apoiadores de Trump, segundo ele, é deixar Biden começar o trabalho. “Muitos dos trumpistas estavam desiludidos com o sistema político e ele se apresentou como um nome novo. Mas quando perceberem como é ser governado por uma pessoa de verdade, eles irão mudar.”
A seguir, leia o discurso de Joe Biden na íntegra:
“Uma nação unida. Uma nação fortalecida. Uma nação curada. Os Estados Unidos da América. Meus companheiros americanos, o povo desta nação falou. Eles nos deram uma vitória clara. Uma vitória convincente. Uma vitória para “Nós, o Povo”.
Ganhamos com o maior número de votos já concedidos para uma chapa presidencial na história desta nação – 74 milhões.
Sinto-me humilde pela confiança e segurança que vocês depositaram em mim. Prometo ser um presidente que não busca dividir, mas unificar.
Quem não vê os estados Vermelho e Azul, mas sim Estados Unidos. E que trabalhará de todo o coração para conquistar a confiança de todo o povo.
Pois é disso que se tratam os Estados Unidos: o povo. E é disso que se tratará a nossa Administração. Procurei este cargo para restaurar a alma dos Estados Unidos. Para reconstruir a espinha dorsal da nação – a classe média.Para tornar os Estados Unidos respeitado em todo o mundo novamente e nos unir aqui em casa.
É a honra de minha vida que tantos milhões de americanos tenham votado por esta visão. E agora o trabalho de tornar essa visão real é a tarefa de nosso tempo.
Como já disse várias vezes, sou o marido de Jill. Eu não estaria aqui sem o amor e o apoio incansável de Jill, Hunter, Ashley, todos os nossos netos e seus cônjuges, e toda a nossa família.
Eles são meu coração. Jill é uma mãe – uma mãe militar – e uma educadora. Ela dedicou sua vida à educação, mas ensinar não é apenas o que ela faz – é quem ela é. Para os educadores da América, este é um grande dia: vocês terão um na Casa Branca e Jill será uma excelente primeira-dama.
E terei a honra de servir com uma vice-presidente fantástica – Kamala Harris – que fará história como a primeira mulher, a primeira mulher negra, a primeira mulher descendente do sul da Ásia e a primeira filha de imigrantes a ser eleita para um cargo nacional neste país .
Joe Biden faz seu primeiro discurso como presidente eleito para apoiadores em Delaware Foto: TASOS KATOPODIS / AFP
Já passou muito tempo e lembramos esta noite de todos aqueles que lutaram tanto por tantos anos para fazer isso acontecer. Mas, mais uma vez, os Estados Unidos dobraram o arco do universo moral em direção à justiça.
Kamala, Doug – goste ou não – vocês são família. Vocês se tornaram Bidens honorário e não há saída. A todos aqueles que se voluntariaram, trabalharam nas urnas no meio desta pandemia, funcionários eleitorais locais – vocês merecem um agradecimento especial desta nação.
À minha equipe de campanha, e a todos os voluntários, a todos aqueles que tanto se deram para tornar este momento possível, devo tudo a vocês.
E para todos aqueles que nos apoiaram: Estou orgulhoso da campanha que construímos e realizamos. Estou orgulhoso da coalizão que formamos, a mais ampla e diversa da história.
Democratas, republicanos e independentes. Progressistas, moderados e conservadores. Jovem e velho. Urbano, suburbano e rural. Gay, hetero, transgênero. Branco. Latino. Asiático. Americano nativo.
E especialmente para aqueles momentos em que esta campanha estava em seu ponto mais baixo – a comunidade afro-americana se levantou novamente por mim. Eles sempre estão atrás de mim e eu vou protegê-los.
Eu disse desde o início que queria uma campanha que representasse os Estados Unidos da América, e acho que fizemos isso. É assim que eu quero que o governo se pareça. E para aqueles que votaram no presidente Trump, entendo sua decepção esta noite.
Eu mesmo perdi algumas eleições. Mas agora, vamos dar uma chance um ao outro. É hora de colocar de lado a retórica dura.
Para baixar a temperatura. Para se ver novamente. Para ouvir um ao outro novamente. Para progredir, devemos parar de tratar nossos oponentes como nossos inimigos. Não somos inimigos. Nós somos americanos.
A Bíblia nos diz que para tudo há um tempo – um tempo para construir, um tempo para colher, um tempo para semear. E um tempo para curar. Esta é a hora de curar.
Agora que a campanha acabou – qual é a vontade do povo? Qual é o nosso mandato?
Acredito que seja o seguinte: os americanos nos convocaram para organizar as forças da decência e as forças da justiça. Para comandar as forças da ciência e as forças da esperança nas grandes batalhas de nosso tempo.
A batalha para controlar o vírus. A batalha para construir prosperidade. A batalha para garantir os cuidados de saúde da sua família. A batalha para alcançar a justiça racial e erradicar o racismo sistêmico neste país. A batalha para salvar o clima.
A batalha para restaurar a decência, defender a democracia e dar a todos neste país uma chance justa. Nosso trabalho começa com o controle da Covid.
Não podemos consertar a economia, restaurar nossa vitalidade ou saborear os momentos mais preciosos da vida – abraçar um neto, aniversários, casamentos, formaturas, todos os momentos que mais importam para nós – até que tenhamos esse vírus sob controle.
Na segunda-feira, nomearei um grupo de cientistas e especialistas líderes como Conselheiros de Transição para ajudar a pegar o plano Biden-Harris para a Covid e convertê-lo em um plano de ação que começa em 20 de janeiro de 2021.
Esse plano será construído sobre os alicerces da ciência. Será construído com compaixão, empatia e preocupação. Não pouparei esforços – ou comprometimento – para reverter essa pandemia.
Concorri como um democrata orgulhoso. Agora serei um presidente americano. Eu vou trabalhar tão duro para aqueles que não votaram em mim – quanto para aqueles que votaram.
Que esta era sombria de demonização nos Estados Unidos comece a terminar – aqui e agora. A recusa de democratas e republicanos em cooperar uns com os outros não se deve a alguma força misteriosa fora de nosso controle.
É uma decisão. É uma escolha que fazemos. E se pudermos decidir não cooperar, então podemos decidir cooperar. E acredito que isso faz parte do mandato do povo americano. Eles querem que cooperemos.
Essa é a escolha que farei. E peço ao Congresso – tanto democratas quanto republicanos – que faça essa escolha comigo. A história americana é sobre a lenta, mas constante expansão das oportunidades.
Não se engane: muitos sonhos foram adiados por muito tempo. Devemos tornar a promessa do país real para todos – não importa sua raça, sua etnia, sua fé, sua identidade ou sua deficiência.
Os Estados Unidos sempre foram moldados por pontos de inflexão – por momentos em que tomamos decisões difíceis sobre quem somos e o que queremos ser.
Lincoln em 1860 – vindo para salvar a União. FDR [Franklin Delano Roosevelt] em 1932 – prometendo a um país sitiado um New Deal. JFK em 1960 – prometendo uma Nova Fronteira. E há doze anos – quando Barack Obama fez história – e nos disse: “Sim, nós podemos.”
Estamos novamente em um ponto de inflexão. Temos a oportunidade de derrotar o desespero e construir uma nação de prosperidade e propósito.
Nós podemos fazer isso. Eu sei que podemos. Há muito tempo falo sobre a batalha pela alma desta nação. Devemos restaurar a alma dos Estados Unidos.
Nossa nação é moldada pela batalha constante entre nossos melhores anjos e nossos impulsos mais sombrios. É hora de nossos melhores anjos prevalecerem. Esta noite, o mundo inteiro está assistindo. Acredito que, no nosso melhor, os Estados Unidos são um farol para o mundo.
E não lideramos pelo exemplo do nosso poder, mas pelo poder do nosso exemplo. Sempre acreditei que podemos definir os EUA em uma palavra: possibilidades.
Que nos Estados Unidos todos devem ter a oportunidade de ir tão longe quanto seus sonhos e habilidades dadas por Deus os levarem. Você vê, eu acredito na possibilidade deste país.
Estamos sempre olhando para frente. Rumo a uma país mais livre e justo. Rumo a um país que cria empregos com dignidade e respeito. Rumo a um país que cura doenças – como câncer e Alzheimer.
À frente de um Estados Unidos que nunca deixa ninguém para trás. Que nunca desiste, nunca desiste.
Esta é uma grande nação. E nós somos boas pessoas. Estes são os Estados Unidos da América.
E nunca houve nada que não pudéssemos fazer quando o fizemos juntos. Nos últimos dias de campanha, tenho pensado em um hino que significa muito para mim e para minha família, principalmente meu falecido filho Beau. Ele captura a fé que me sustenta e que acredito sustentar os Estados Unidos.
E espero que possa fornecer algum conforto e consolo às mais de 230.000 famílias que perderam um ente querido devido a este terrível vírus este ano. Meu coração está com cada um de vocês. Espero que este hino também lhe dê consolo.
“E Ele vai te levantar nas asas da águia,
Suporta o sopro do amanhecer,
Faça você brilhar como o sol,
E segure você na palma da Sua Mão. “
E agora, juntos – nas asas da águia – embarcamos na obra que Deus e a história nos chamaram a fazer.
De coração cheio e mãos firmes, com fé na América e uns nos outros, com amor ao país – e sede de justiça – sejamos a nação que sabemos que podemos ser.
Uma nação unida. Uma nação fortalecida. Uma nação curada. Os Estados Unidos da América.
Deus te abençoe. E que Deus proteja nossas tropas.”