Como Trump quer reverter o resultado das urnas e a qual a resposta de Biden
Mais de uma semana depois das eleições dos Estados Unidos, democratas e republicanos parecem viver em realidades paralelas.
Com vitória projetada a partir dos resultados das urnas, o democrata Joe Biden atua desde sábado (7) como presidente eleito e avança seus preparativos para assumir a Presidência do país em 20 de janeiro.
Em aparições na mídia americana nesta semana, Biden falou sobre seus planos para lidar com a crise do coronavírus, seus telefonemas com mandatários de outros países e a legislação de saúde coletiva Affordable Care Act, conhecido como Obamacare, que tramita na Suprema Corte, mas que ele não quer ver revogada.
Por outro lado, o atual presidente, Donald Trump, tem limitado suas aparições públicas, mas ainda se mostra bastante presente nas redes sociais, especialmente no Twitter, onde insiste ser o verdadeiro vencedor das eleições e acusa, sem apresentar provas, que os democratas estão tentando fraudá-la.
Mas de que forma Trump está tentando reverter o resultado da eleição?
Batalhas em tribunais, recontagens de votos e campanhas de mídia.
Vale lembrar que o ponto comum entre as ações judiciais que já foram rejeitadas por diversos juízes ao redor dos EUA é que os advogados de Trump acabam, por falta de evidências dessas supostas fraudes, apresentando no tribunal uma versão bem mais branda das acusações que o presidente faz em público.
Ações judiciais
Pensilvânia
O advogado de Trump, Rudy Giuliani, afirmou que ações judiciais serão impetradas contra uma suposta falta de acesso de observadores da apuração dos votos no Estado.
Observadores eleitorais são pessoas que acompanham a contagem dos votos, com o objetivo de garantir a transparência do processo. Eles são permitidos na maioria dos Estados, caso tenham se registrado antes do dia da eleição.
Neste ano, algumas localidades adotaram algumas restrições para isso antes do dia da eleição por causa da pandemia de covid-19. Houve também limites ao número de observadores para evitar intimidação.
© Reuters Giuliani fala a jornalistas na Filadélfia
A Filadélfia havia determinado um perímetro de seis metros de distância em sua estrutura de contagem dos votos, mas isso foi contestado na Justiça e acabou reduzido para quase 2 metros (exigindo-se que os observadores seguissem rigidamente os protocolos contra covid-19).
A campanha de Trump apresentou uma ação na Justiça Federal acusando as autoridades eleitorais de violarem a ordem judicial.
“Mesmo quando uma ordem judicial foi obtida para permitir que os observadores republicanos se aproximassem a dois metros, eles (as autoridades) afastaram as pessoas que estavam contando as cédulas para além de dois metros adicionais”, disse Giuliani.
As autoridades eleitorais, no entanto, afirmam ter seguido corretamente a determinação judicial.
Em 5 de novembro, a secretária de Estado da Pensilvânia, Kathy Boockvar, afirmou: “Cada candidato e cada partido político pode ter um representante autorizado na sala para observar o processo. Algumas jurisdições, incluindo a Filadélfia, também estão transmitindo ao vivo, então você pode literalmente assistir ao processo de contagem.”
A contestação legal na Pensilvânia também se concentra na decisão do Estado de contar as cédulas que são enviadas pelo correio no dia da eleição, mas chegam até três dias depois. Os republicanos questionam isso na Justiça.
© Getty Images Observadora acompanha contagem de votos na Pensilvânia
Matthew Weil, diretor do projeto eleitoral do Policy Research Center, diz estar mais preocupado com essa disputa, já que a Suprema Corte dos Estados Unidos esteve dividida sobre isso antes da eleição. Isso foi antes de a juíza Amy Coney Barrett, indicada pelo presidente Trump, ser confirmada para a corte.
“Eu acho que há o risco de que sejam descartadas algumas dessas cédulas [de votos] que foram enviadas no dia das eleições e não recebidas até sexta-feira”, afirma.
Mas Weil acrescenta: “Meu palpite é que não haverá um grande número de cédulas passíveis de serem rejeitadas”, então a eleição teria que ser “muito, muito apertada para que isso importe”.
Até a manhã desta quinta-feira (11/11), Biden tinha uma dianteira de mais de 53 mil votos em relação a Trump.
Michigan
Em 2016, Trump venceu no Estado por uma margem bastante estreita, apenas 10.700 votos. Mas quatro anos depois Biden foi projetado vencedor ali.
Em 4 de novembro, dia seguinte à eleição, a campanha de Trump impetrou uma ação judicial para suspender a contagem de votos em Michigan sob o argumento de que os observadores republicanos estavam sem acesso adequado para acompanhar a apuração.
© Getty Images Autoridades eleitorais contam votos enviados por eleitores
Um juiz rejeitou a ação, afirmando que não havia evidências para dar prosseguimento a ela. A campanha deve recorrer.
Até a manhã desta quinta-feira (12/11), Biden tinha uma dianteira de 148 mil votos em Michigan relação a Trump.
Wisconsin
A campanha do presidente Trump disse que pedirá uma recontagem dos votos em Wisconsin “com base nas anormalidades vistas” no dia da eleição, embora uma recontagem no Estado não demande suspeitas de irregularidades, mas sim uma margem estreita de votos, como foi o caso.
Não está claro quando essa recontagem deve ocorrer, uma vez que normalmente isso não acontece até que os funcionários responsáveis por esse processo terminem de analisar os votos.
O prazo final do Estado para essa parte da apuração é 17 de novembro.
Segundo o professor da Faculdade de Direito da Universidade Columbia, Richard Briffault, também houve uma recontagem em Wisconsin em 2016, e ela “mudou cerca de cem votos”.
Até a manhã desta quinta, Biden liderava em Wisconsin por uma diferença de 20 mil votos.
Nevada
O Partido Republicano de Nevada escreveu no Twitter afirmando: “Foram identificadas milhares de pessoas que parecem ter violado a lei votando depois que se mudaram de Nevada.”
A equipe jurídica do presidente levantou uma lista de pessoas que acusa terem se mudado do Estado, mas continuado a votar ali.
Mas, como apontado pelo Politifact, a lista por si só não prova uma violação da lei.
Pessoas que deixam o Estado 30 dias antes de uma eleição ainda podem votar em Nevada. Estudantes do Estado, que frequentam aulas em outro lugar do país, também podem votar.
A ação judicial está focada nos eleitores do condado de Clark, onde Biden venceu, mas o cartório do condado afirmou: “Não temos conhecimento de nenhuma cédula imprópria que esteja sendo processada.”
Em outro caso judicial, um magistrado federal bloqueou as tentativas dos republicanos de interromper o uso de uma máquina de verificação de assinaturas, rejeitando as alegações de que não era possível verificar corretamente as assinaturas.
Até a manhã desta quinta, Biden liderava em Nevada por uma diferença de 36 mil votos.
Geórgia
Uma ação judicial foi aberta no condado de Chatham, na Geórgia, para interromper a contagem, alegando problemas com o processamento das cédulas.
O presidente do Partido Republicano na Geórgia, David Shafer, tuitou que os observadores da sigla viram uma mulher “misturar mais de 50 cédulas na pilha de cédulas de eleitores em trânsito que não deveriam ser contadas”.
Em 5 de novembro, um juiz rejeitou a ação, dizendo que “não havia evidência” de mistura imprópria de cédulas de votação.
Até a manhã desta quinta, Biden liderava na Geórgia por uma diferença de 14 mil votos.
Arizona
A campanha de Trump impetrou uma ação judicial no Arizona no sábado, alegando que alguns votos legais haviam sido rejeitados de maneira irregular.
A peça jurídica cita declarações de alguns observadores eleitorais e de dois eleitores que afirmam ter tido problemas com as urnas eletrônicas.
© Getty Images Manifestantes contestam processo eleitoral em Phoenix, no Arizona
O processo está sendo analisado, mas o secretário de Estado do Arizona disse que a ação está “tentando se agarrar a detalhes”.
Até a manhã desta quinta, Biden liderava no Arizona por uma diferença de 11 mil votos.
2. Recontagem dos votos
Uma frente distinta da campanha de Trump passa pela recontagem de votos, algo que ocorre automaticamente em alguns Estados com leis que determinam a revisão do resultado caso a diferença entre os candidatos seja muito apertada.
A depender da regra de cada Estado, um candidato também tem a prerrogativa de pedir a recontagem dos votos.
A campanha de Trump anunciou que fará essa solicitação no Estado de Wisconsin, e o secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, informou que seu Estado fará uma recontagem manual e completa dos votos em todos os condados.
“Contaremos cada cédula, cada cédula emitida legalmente”, disse ele a jornalistas. Advogados do republicano tinham solicitado justamente isso.
No caso da recontagem manual da Geórgia, alguns especialistas afirmam que esse processo é menos preciso que aquele feito por máquinas e mais custoso.
© Getty Images Funcionária da autoridade eleitoral analisa votos no Estado da Carolina do Norte
A data limite para que a Geórgia certifique os resultados eleitorais é 20 de novembro.
É importante deixar claro que, pela matemática envolvida no sistema eleitoral americano, mesmo que o resultado seja revertido na Geórgia, Biden ainda terá votos suficientes para se eleger presidente.
Quanto a outros Estados em disputa, a Pensilvânia permite que se peça uma recontagem qualquer que seja a margem entre os candidatos, mas ela é obrigatória se a diferença for menor de 0,5 ponto percentual. Até a manhã de 12/11, Biden tinha 49,76% dos votos e Trump, 48,97%. Ou seja, margem de 0,78.
No Arizona, a recontagem só ocorre quando a margem entre os candidatos é menor ou igual a 0,1 ponto percentual. Até a manhã de 12/11, Biden tinha 49,41% e Trump, 49,06%. Ou seja, diferença de 0,35.
De toda forma, especialistas apontam que recontagens raramente levam a uma mudança dos resultados iniciais.
O histórico de eleições e recontagens nos Estados Unidos entre 2000 e 2015 corroboram isso. Dos 4687 pleitos ocorridos no período, 27 tiveram recontagem. Desses, em apenas três houve uma reversão de resultados.
Em nenhum desses três casos, no entanto, houve uma diferença maior do que 450 votos em relação à primeira apuração.
3. Campanhas de mídia
O presidente Trump e seus aliados insistem por diferentes meios, a exemplo do Twitter, de entrevistas e de comunicados, que todas essas investigações em torno das urnas levarão à reversão do resultado das eleições.
No dia seguinte à eleição, após falar em fraude eleitoral sem provas, Trump anunciou: “Iremos ao Supremo Tribunal Federal”.
Mas para que isso aconteça, várias etapas anteriores devem ser superadas.
As equipes jurídicas precisam primeiro contestar o resultado nos tribunais estaduais, ainda que o procurador-geral do país também tenha aprovado “investigações preliminares” por procuradores federais, uma medida bastante incomum nos EUA.
Os juízes estaduais teriam então que decidir a favor da disputa e ordenar uma recontagem.
© EPA Estado da Geórgia decidiu recontar todos os votos manualmente, sem auxílio de máquinas especializadas
É aí que a Suprema Corte poderia ser solicitada a intervir.
Mas, por mais que a campanha de desinformação em torno de Trump diga o contrário, nenhum dos casos acima mencionados parece ter qualquer perspectiva de sucesso.
O ponto comum entre todas essas ações judiciais que já foram indeferidas por juízes ao redor do país é que os advogados de Trump acabam, por falta de provas, apresentando no tribunal uma versão bem mais branda das acusações que o presidente faz em público.
Enquanto o presidente fala sem provas no Twitter em “fraude desenfreada”, os advogados, ao contrário de Trump, têm de fundamentar suas alegações perante o juiz. E como se viu nas peças jurídicas trocadas entre juízes e advogados, essa missão se torna bastante difícil.
Resposta de Biden
Para o presidente eleito, a atitude de Trump tem sido “uma vergonha” desde a eleição. Mas Biden disse que sua equipe está realizando a transição de qualquer maneira.
Ele não quis entrar em conflito direto e esclareceu os rumores de que sua equipe está preparando, por sua vez, uma ação judicial contra o governo por não facilitar as tarefas para a referida transição.
“Temos tudo de que precisamos”, disse Biden, que centrou seu discurso na luta contra o coronavírus e insistiu em sua mensagem de união e recuperação “da alma dos EUA”.
Na quarta-feira (11/11), o Dia dos Veteranos foi comemorado no país e tanto Biden quanto Trump apareceram em eventos separados em homenagem aos mortos em combate.
Nem o presidente eleito nem aquela que será sua vice-presidente, Kamala Harris, fizeram comentários sobre as disputas legais que pairam sobre as eleições presidenciais.