Emprego na Amazônia Legal depende mais do governo
Mercado de trabalho local está mais ancorado no poder público de que no restante do País
Giovanna Girardi, O Estado de S. Paulo
Em um momento em que se discutem formas de promover o desenvolvimento da Amazônia Legal dentro de um contexto de retomada verde – de modo a reduzir o desmatamento e a ilegalidade na região –, uma análise sobre o mercado de trabalho local revela o tamanho dos desafios a serem enfrentados.
O diagnóstico, feito por um grupo de pesquisadores do projeto Amazônia 2030, aponta que a região tem uma dependência de auxílios governamentais, como Bolsa Família, e de empregos públicos bem acima da média do resto do País. Da mesma forma, é bem maior o porcentual de pessoas, especialmente nas classes mais pobres, com trabalhos informais.
Estudo mostra que, na Amazônia Legal, trabalho informal é maior que o registrado nas outras regiões do País Foto: Gabriela Biló/Estadão
Com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2012 a 2020, o economista Gustavo Gonzaga, da PUC-Rio, e equipe observaram que a renda dos domicílios 20% mais pobres era garantida, em sua maioria, por trabalho informal (46% de participação dessa fonte de recursos, ante 36% no restante do Brasil) e por programas sociais e auxílios governamentais (35%, ante 15% no resto do País) no ano passado.
Apenas 7% da população mais pobre está empregada no setor privado formal. No restante do País, 28% dos mais pobres estão empregados no setor privado formal. Na pior situação, 6% dos domicílios mais pobres não tiveram renda nenhuma em 2019 – 4% estavam nessa situação no resto do País. Na outra ponta, entre os 20% de domicílios mais ricos da Amazônia Legal, o rendimento principal vem de funcionários públicos e militares (35%). No resto do País, a renda proveniente dessas fontes entre os mais ricos é de apenas 23%.
Plano
O Amazônia 2030, que envolve organizações como Imazon, Centro de Empreendedorismo da Amazônia – ambos situados em Belém –, a Climate Policy Initiative (CPI) e o Departamento de Economia da PUC-Rio, tem como objetivo estabelecer um plano de ações da Amazônia para ser entregue aos candidatos à Presidência da República em 2022.
A ideia é oferecer um programa abrangente para ser desenvolvido na Amazônia até 2030, com base em dezenas de diagnósticos que vamos fazer para entender a dinâmica da região e com proposições”, explica Juliano Assunção, diretor da Climate Policy Initiative no Brasil. O primeiro diagnóstico, com foco no mercado de trabalho, será lançado nesta terça-feira. Uma parte dos resultados foi antecipada com exclusividade ao Estadão.
“O que percebemos é que todo mundo é muito dependente do Estado na Amazônia Legal. Apesar de todo o desmatamento e degradação, não se criou um ambiente dinâmico de atividades privadas”, diz Assunção.
“É como se o setor privado formal não conseguisse gerar dinamismo, oportunidades atraentes para as pessoas e elas acabam sendo dependentes de empregos informais e de auxílios”, complementa Gonzaga. “A informalidade é uma questão no Brasil, mas é pior na Amazônia Legal. Se somarmos, 81% estão na informalidade ou dependem de auxilios”, diz. A Pnad considera “informal” quem não tem carteira assinada e não contribui para a Previdência Social. Nesse critério pode entrar desde alguém que trabalha por conta própria a alguém na ilegalidade, como um desmatador ou um garimpeiro, mas esta qualificação ainda não foi detalhada.
O levantamento aponta ainda que os ganhos de trabalho como um todo são inferiores na região. No ano passado, o rendimento médio entre todos os ocupados na Amazônia Legal foi de R$ 1.693, um valor 29% inferior à média do resto do País – R$ 2.399.
Entre os trabalhadores formais a diferença é um pouco menor, de apenas 12% – R$ 2.418 na Amazônia Legal e R$ 2.753 no resto do País. Entre os informais, a diferença foi de 24% (R$ 1.001 e R$ 1.330).
Ocupação
“Neste primeiro trabalho fizemos um diagnóstico da situação, mas ainda não dá para estabelecer as causas desse problema somente com esses dados. O que sabemos é que a ocupação histórica da Amazônia foi muito ‘artificial’, com subsídios, incentivos para que as pessoas fossem para lá. Essa dependência do setor público até hoje pode ser um reflexo desse processo”, afirma Assunção.
“A ocupação não teve como base a vantagem comparativa da Amazônia em produção de bens e serviços. Quando se ocupa uma região porque ela tem algo diferencial a oferecer, o setor privado se estabelece de maneira dinâmica, como ocorreu no Cerrado, que gerou muito emprego formal. A dinâmica se estabelece de maneira natural, o setor privado se desenvolve”, explica.
Para os pesquisadores, esses pontos precisam ser levados em conta neste momento em que se discutem iniciativas para levar desenvolvimento para a região. “Há muita especulação de setores que podem crescer. Esse estudo estabelece o ponto de partida para qualquer iniciativa que se pense para lá. Esta é a estrutura de emprego, de renda. O fato de o Estado brasileiro ser fonte de renda tão importante coloca um desafio para o desenvolvimento de um setor privado mais dinâmico. Essas pessoas teriam de operar de maneira muito distinta do que operam hoje”, complementa Assunção.