Como conquistar credibilidade
Nenhum investidor colocará dinheiro no Brasil enquanto não houver estabilidade fiscal e condições para o desenvolvimento sustentado.
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse que “o ponto-chave da parte macroeconômica no Brasil hoje” talvez seja “recuperar a credibilidade, conquistar credibilidade com a continuação das reformas e conquistar credibilidade com um plano que dê uma clara percepção aos investidores de que o País está preocupado com a trajetória da dívida”.
A repetição da palavra “credibilidade” no discurso da autoridade monetária não parece gratuita. A cobrança de um plano crível para o enfrentamento da degradação fiscal do País vem no momento em que o governo parece perdido aos olhos dos investidores, o que se reflete em alta dos juros futuros – indicador que, nas palavras de Roberto Campos Neto, demonstra “incerteza em relação ao que vai ser o fiscal à frente”.
Natural e até previsível em momentos de grave crise como o atual, a incerteza se agrava diante das muitas indefinições do governo sobre o futuro. No curto prazo, por exemplo, não sabe o que fazer em relação aos milhões de brasileiros que ficarão sem o auxílio emergencial que receberam durante a pandemia. O secretário do Tesouro, Bruno Funchal, já avisou que o espaço fiscal para uma eventual prorrogação do auxílio “é muito reduzido, se não zero”.
Quanto a medidas de longo prazo, não há consenso no governo a respeito das reformas nem das privatizações, essenciais para alterar a estrutura perdulária do Estado e recuperar a capacidade de investimento público.
De nada adianta o ministro da Economia, Paulo Guedes, manifestar irritação com as cobranças, como fez a propósito das declarações do presidente do BC. “O presidente Campos Neto sabe qual é o plano. Se ele tiver um plano melhor, peça a ele qual é o plano dele. Pergunte a ele qual é o plano dele que vai recuperar a credibilidade. Porque o plano nós sabemos qual é. O plano nós já temos”, declarou o ministro Guedes.
Credibilidade não se conquista no grito. É fruto de atitudes concretas para a resolução dos problemas, com transparência e boa comunicação. Nenhum investidor de bom senso colocará dinheiro no Brasil, a não ser em troca de prêmios cada vez mais altos e por prazos cada vez mais curtos, enquanto a promessa do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes de providenciar estabilidade fiscal e criar condições para o desenvolvimento sustentado não se traduzir em medidas efetivas para atingir esse fim.
E que não se use a crise como desculpa para a inação. Hoje, a despeito da aflição causada pela pandemia, não há inflação anual de quase 5.000%, nem calote da dívida externa, nem um Congresso engolfado em um escândalo de corrupção que cassou seis parlamentares, nem uma oposição lulopetista feroz, que era o cenário dos anos e meses imediatamente anteriores à implantação do Plano Real. E, no entanto, a despeito de tudo isso, o plano de estabilização implementado em 1994 durante o governo de Itamar Franco foi extremamente bem-sucedido.
O sucesso do Plano Real dependeu, em larga medida, de credibilidade, coisa que o País não tinha mais depois de tantas barbeiragens econômicas. A construção dessa confiança foi uma obra coletiva de uma equipe que sabia aonde queria chegar, sem o atalho do congelamento de preços, como no Plano Cruzado, nem a truculência do confisco da poupança, como no Plano Collor.
Com isso, os cidadãos se sentiram como parte do processo de estabilização, e não como espectadores passivos de mais um pacote econômico imposto de cima para baixo. Uma comunicação eficiente do governo e o árduo trabalho de renegociação da dívida externa e das dívidas estaduais fizeram o resto, restabelecendo a confiança no País e estabilizando os preços.
Sem sustos nem truques, o que parecia impossível aconteceu: a inflação média de 16% ao mês verificada entre 1980 e 1994 caiu para 30% anuais logo no primeiro ano do Real e se sustentou em patamares civilizados daí em diante. Esse é o resultado de um plano amparado por racionalidade econômica e por objetivos claros, e não por bravatas e irascibilidade. É assim que se conquista credibilidade.