Questão de ordem

Bolsonaro trabalha duro na eleição de prepostos na Câmara e no Senado

Rosângela Bittar, O Estado de S.Paulo

O capitão presidente Jair Bolsonaro e sua soldadesca parlamentar do Centrão trabalham duro na eleição de prepostos para substituir os atuais presidentes da Câmara e do Senado. De tal forma que, nos dois anos que lhe restam de mandato, possa assegurar o comando de dois poderes nas batalhas da sua campanha à reeleição. Embora pareça absurdo, é real. O presidente, que tem uma performance em tudo insatisfatória, quer ampliá-la.

Se assim for, seus concorrentes em 22 ficarão imprensados contra um Executivo e um Legislativo postos a serviço do candidato que controla cargos e verbas. A não ser que resistam à tomada de mais esta cidadela.

É o que buscam com a tentativa de reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado, na mesma legislatura, superando a proibição legal. À falta de instrumentos para conter Bolsonaro, a maioria quer manter os atuais dirigentes, confiante na autonomia relativa que demonstraram até aqui.

A consulta ao Supremo Tribunal Federal sobre a reeleição no Congresso não teria sido feita exatamente com este objetivo, mas é o mais provável.

Aberta a sessão legislativa de 2021, em fevereiro, uma voz levantará uma “questão de ordem”. Pedirá que se inicie o processo de eleição dos membros da Mesa, facultada a reeleição dos atuais titulares. Estarão cumprindo um rito traçado a partir de decisão do STF. Em julgamento virtual, que se inicia nesta sexta-feira, e deve seguir até o dia 11, o Supremo reconhecerá, segundo informações preliminares, que esta é uma questão interna do Congresso e cabe a ele decidir.

Há divergência de interpretação sobre os efeitos deste veredicto. Alguns argumentam que, ao não deliberar, o STF estará, na prática, impedindo a reeleição, pois o Legislativo teria dificuldades de exercitar sozinho esta prerrogativa. Outros, porém, têm opinião oposta. Afirmam que, se o STF decidir que a reeleição é um assunto “interna corporis”, será automático o lançamento das candidaturas dos presidentes atuais. Decisão embasada nos critérios de isonomia, de igualdade de oportunidades e de limites idênticos para todos, em um sistema de contradições e caos regulatório em todos os níveis.

O ministro Gilmar Mendes, o relator do processo, preparava-se para fazer um relato histórico da reeleição e da flexibilidade que o STF vem adotando na análise dos casos. A reeleição passou a ser admitida para o Executivo – presidente, governadores e prefeitos; é permitida também em Assembleias e Câmaras, nos Estados e municípios, sendo que, nestas, sem qualquer restrição quanto ao número de vezes e à legislatura; e é autorizada para o Congresso se for disputada em diferentes legislaturas.

A proibição se dá apenas para a reeleição na mesma legislatura. Por qual razão? Não se sabe. Eis o que se comenta: teria sido uma tentativa de limitar, através de ato institucional, o poder do Congresso. Impedir, com esta providência, o estabelecimento de lideranças fortes e estáveis. Não existem explicações, porém, para que se tenha deixado a situação chegar onde se encontra, atolada em um cipoal disforme de regras que aprofundam cada vez mais os equívocos deste instituto.

Se é assim, que o seja para todos até a bagunça normativa sofrer revisão. É este o pensamento dominante que pode ter inspirado a tendência da qual o Supremo emite sinais.

Mesmo para quem admite tal solução, restam duas questões a serem enfrentadas. A primeira é acompanhar o que juristas entenderão como “interna corporis”, qual o instrumento que deve ser usado na decisão. A questão de ordem não terá uma resposta pacífica. Outra voz pode enfrentá-la com recursos. A segunda é a necessidade de encontrar-se um líder destemido que possa propor a revisão da reeleição no Brasil, da Presidência da República aos clubes de futebol.

*COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS

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