Queda de braço dos liberais
Aos 51 anos, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, é hoje o perfil do liberal conceituado que o ministro da Economia, Paulo Guedes, no auge dos seus 71 anos, gostaria de ter. De família de pensadores do ramo econômico, Campos Neto fez a lição de casa para ser amado pelo mercado. Atuou na iniciativa privada por anos, e se tornou uma voz razoável no meio das parvoíces do governo Jair Bolsonaro e seus ministros. Comandante da política monetária brasileira, o presidente do BC tem opiniões sobre os rumos do País, e nunca fez questão de escondê-las. Até que Paulo Guedes, deixado de lado pelo mercado e em baixa no governo, reagiu. Em público, incitou que se o presidente do Banco Central tem tantas soluções para o País que as apresentassem. A espetada foi direta e o mercado entendeu o recado: a falta de alinhamento entre os dois últimos liberais de peso que rodeiam Jair Bolsonaro ficou evidente, e na rusga entre eles, quem sai perdendo é o País.
Na avaliação de Campos Neto, o Brasil precisa ganhar credibilidade a partir de reformas e de um plano que mostre que o País está preocupado com a dívida pública. E isso bastou para que a resposta de Guedes chegasse. “O presidente Campos Neto sabe qual é o plano. Se ele tiver um plano melhor, pergunte a ele qual o plano dele, qual o plano que vai recuperar a credibilidade.” A crítica do presidente do Banco Central é compartilhada por parte dos economistas de doutrina mais liberal, em que uma economia que força recursos para estímulos imediatos da atividade pode criar distorções posteriores. Campos Neto afirmou que é importante ver qual é o ganho que se tem com essas medidas de enfrentamento à pandemia. “Chega a um ponto em que a situação fiscal está tão fragilizada que pode gerar crescimento no curto prazo, mas a falta de credibilidade pode afetar isso lá na frente. Gerar um efeito contracionista em vez de expansionista”, disse.
O compromisso que o presidente do Banco Central cobra do governo federal é a mesma que as agências de risco, bancos privados e instituições financeiras têm cobrado de Guedes: demonstrações mais evidentes de comprometimento com a redução da curva da dívida para atrair capital privado. Perguntado sobre qual é o plano do governo para reverter essa situação, Guedes disse apenas que “todos sabem qual é”. Visivelmente incomodado com o questionamento, ele completou: “Quem estiver sentindo falta de um plano quinquenal, dá um pulo na Argentina, na Venezuela”, disse. “O dia que a bolsa cair 50%, o dólar explodindo, aí vou dizer que falta credibilidade.”
A fala de Guedes foi endereçada. Chateado por ter perdido apoio de parte dos liberais que elegeram Bolsonaro, a figura realizadora de Campos Neto torna-se ainda mais incômoda para o ministro. E ele não está errado, já que Bolsonaro cogitou o nome do presidente do BC para seu lugar. Amarrado pelo Congresso, que não aprova as medidas econômicas e nas mãos de um presidente instável, o cinto aperta e Guedes reage com canelada. Em Brasília, fontes próximas ao ministro afirmaram que a tensão com Campos Neto não é de hoje. “O ministro já havia mostrado insatisfação com o fato de ele participar de eventos de macroeconomia”, disse pessoa do ministério.
Para tentar contornar a tensão, um telefonema reuniu os dois. Segundo interlocutores de Guedes, a situação foi normalizada após o ministro ouvir de Campos Neto que sua fala tinha era um alerta sobre a importância de o País voltar ao trilho das reformas, “papel que cabe ao mandatário do Banco Central”. Por sua vez, Guedes afirmou que não foi a primeira vez que pessoas tentam criar “falsas narrativas” contra ele. “O ministro tenta rechaçar a pecha de desacreditado que parte do mercado tem atribuído a ele – e isso não teria relação com Campos Neto”, disse o interlocutor à DINHEIRO. Procurados, o BC e o Ministério da Economia não se manifestaram.
AUTONOMIA Se a situação está complicada nesse momento, um projeto defendido por Guedes desde a campanha eleitoral pode dar ainda mais poder para Campos Neto,a autonomia do Banco Central, que já foi aprovada no Senado e segue para apreciação na Câmara. Caso passe, o BC estaria blindado de intervenções políticas, deixando a política monetária ser guiada exclusivamente pelas tendências domésticas e internacionais. Como acontece com os BCs pelo mundo desenvolvido. Campos Neto diz que o BC é secundário no controle da dívida pública, e que o protagonista tem que ser o governo como um todo. Ao assumir essa postura publicamente, o presidente do Banco Central mostra que ele até pode ter ideias sobre como reverter a situação econômica do País, mas não as apresentará enquanto estiver ocupando a presidência do BC.