Congresso aprova diretrizes do Orçamento de 2021 e aumenta poder de parlamentares em emendas
Proposta fixa a meta fiscal de resultado primário e prevê rombo de até R$ 247 bilhões no ano que vem; texto vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro
Daniel Weterman e Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Após meses de apreensão, o Congresso Nacional afastou o risco de apagão do governo ao aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2021, mas usou a votação para ampliar o poder do relator do Orçamento na destinação de recursos. O texto final também busca retirar barreiras à execução de obras no ano que vem e blinda 59 programas diferentes de qualquer tipo de bloqueio em caso de frustração de receitas, o que pode dificultar a tarefa da equipe econômica na gestão dos gastos.
Medida foi aprovada nesta quarta-feira pelo Congresso Nacional e agora segue para sanção presidencial. Foto: Arquivo/Agência Brasil
A LDO precisava ser votada ainda este ano para evitar que o governo ficasse sem base legal para executar todo tipo de gasto, inclusive pagamento de aposentadorias, benefícios sociais e salários de servidores. É ela que permite que a Economia execute o equivalente a 1/12 das despesas ao mês até que o Orçamento seja aprovado – o que só deve ocorrer em 2021. Além das despesas inadiáveis, o Legislativo liberou o governo para executar despesas apontadas como prioridades e livres de bloqueios em 2021 antes da aprovação do Orçamento.
A LDO aprovada fixa a meta de resultado primário (ou seja, receitas com arrecadação menos despesas antes do pagamento de juros) autorizando rombo de até R$ 247 bilhões em 2021. Inicialmente, o governo mandou o texto com uma meta flexível, que variava conforme a arrecadação, sob a justificativa de incerteza diante dos efeitos do novo coronavírus na economia. No entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou que a meta precisaria ser fixa para não ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O rombo previsto para o ano que vem já inclui o gasto previsto com a campanha de imunização da covid-19.
A meta flexível teria a vantagem de livrar a equipe econômica da obrigação de fazer bloqueios no Orçamento para assegurar seu cumprimento. Agora, com a meta fixa, essa missão volta ao script da atuação da Economia em 2021.
O espaço para contingenciamentos, no entanto, está bastante restrito. A LDO prevê para o ano que vem R$ 83,9 bilhões em despesas discricionárias, que incluem custeio e investimentos e podem ser alvo da tesourada. Por causa do aumento na inflação, o governo elevou para R$ 1.088 a projeção de reajuste do salário mínimo no próximo ano, o que também tende a pressionar as contas porque o piso é referência para pagamento de benefícios sociais.
Além disso, o relator da LDO, senador Irajá Abreu (PSD-TO), blindou 59 programas de bloqueios, atendendo a um pedido de líderes partidários da Câmara e do Senado. Os dispositivos podem ser vetados pelo presidente Jair Bolsonaro – como ocorreu no ano passado, quando houve a mesma tentativa para os gastos de 2020. Os vetos foram, depois, derrubados pelo Legislativo, mas a pandemia e o orçamento de guerra acabaram mudando completamente o cenário e as obrigações fiscais do governo.
Entre as ações livres de cortes no próximo ano acrescentadas pelo relator estão o programa habitacional Casa Verde Amarela, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o orçamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O projeto encaminhado pelo Executivo também prevê algumas despesas que não serão alvo de limitação, a maioria delas ligadas à área de defesa.
Em outra medida que dá poder ao Congresso, a LDO prevê que o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), poderá indicar a destinação específica de uma fatia ainda a ser definida das despesas. Na prática, ele pode cortar de um lugar e destinar para onde desejar. O expediente já foi usado neste ano, quando o relator do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), ficou responsável por definir o destino de R$ 30 bilhões, volume maior que muitos ministérios.
O texto aprovado nesta quarta-feira, 16, permite que o relator e as comissões do Congresso repassem recursos para programas e obras que não necessariamente são a prioridade para o governo. Bittar é aliado do governo e também relator de outras propostas de interesse do Palácio do Planalto e da equipe econômica, como a PEC emergencial, que prevê gatilhos de contenção de gastos obrigatórios, e o programa Casa Verde Amarela, que substitui o Minha Casa Minha Vida. Nos bastidores, há a avaliação de que as emendas podem se tornar poder de barganha em votações consideradas delicadas para o governo.
‘Emendas sem carimbo’
O texto aprovado ainda autoriza as bancadas estaduais a apresentarem emendas ao Orçamento para repasses diretos a prefeitos e governadores, possibilidade atualmente prevista apenas para indicações individuais de deputados e senadores.
Batizada de “emenda sem carimbo”, a transferência especial foi criada pelo Congresso no ano passado. Somente em 2020, ano de eleições municipais, o governo repassou um total de R$ 592,2 milhões em recursos diretos para prefeitos e governadores. Esse tipo de transferência pode ser aplicado em qualquer área e não há exigência legal de prestação de contas ao governo federal, o que levanta críticas entre órgãos de controle. Até agora, por exemplo, não houve um pente-fino sobre a aplicação desses valores. Com a alteração na LDO, o volume deve aumentar ainda mais em 2021.
De acordo com o relator, senador Irajá Abreu (PSD-TO), o primeiro ano de transferências especiais foi um “grande teste” e trouxe resultados positivos para o País. A extensão do modelo para as emendas de bancada, indicadas pelo conjunto de parlamentares de um mesmo Estado, vai beneficiar ainda mais os redutos eleitorais, justificou. “Acho que assim nós iremos contemplar todos os municípios, evitando que uma emenda de bancada, quando alocada no orçamento da União e destinada a um Estado ou a vários mínimos, leve dois anos para ser executada. O País e a população não podem esperar por tanto tempo.”
Além das emendas de relator e comissões e das transferências sem carimbo, o parecer da LDO no Congresso também mexeu em outros dispositivos do projeto para dar maior poder aos parlamentares na definição do Orçamento. O prazo para o governo apresentar um cronograma de pagamento das emendas, o que sinaliza quando o dinheiro chegará a Estados e municípios, foi reduzido de 90 para 45 dias. As alterações ainda passarão pelo crivo do presidente Jair Bolsonaro. Se houver veto, os dispositivos poderão ser recuperados pelo Legislativo no futuro.