Fim da novela
Decisão do colégio eleitoral é pá de cal na tentativa de Trump de invalidar resultado das urnas
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Em condições normais, a reunião do colégio eleitoral americano para escolher o presidente dos Estados Unidos a cada quatro anos não passa de uma formalidade à qual os americanos não dão muita atenção. Tradicionalmente, os delegados estaduais que formam o colegiado apenas reiteram o que a maioria dos eleitores escolheu na votação popular algumas semanas antes. Em quase todos os Estados, há leis que simplesmente proíbem os delegados de contrariar a vontade dos cidadãos manifestada nas urnas. Mas “normal” é uma palavra que pouco pode ser empregada para descrever a trajetória de Donald Trump na Casa Branca. Daí a importância do ato realizado no dia 14 passado.
Com os votos de 306 dos 538 delegados, Joseph R. Biden Jr. – Joe Biden – foi oficialmente eleito o 46.º presidente dos Estados Unidos. De forma inédita e um tanto constrangedora, Donald Trump se recusa a aceitar o resultado do pleito desde o dia 7 de novembro, quando ficou claro que seu oponente tinha vencido a eleição sem qualquer margem de dúvida. De lá para cá, Trump se lançou em uma cruzada jurídica para invalidar o resultado das urnas aludindo a uma suposta “fraude”, sem apresentar uma só prova de suas alegações.
Um após o outro, tribunais de vários Estados negaram provimento às ações propostas pela equipe de Trump. Nos Estados em que houve recontagem de votos a pedido do republicano, Trump teve de passar pelo dissabor de ver o número de votos dados a seu oponente aumentar, tornando o falatório do presidente americano cada vez mais patético. O retrato fiel de um mau perdedor.
A eleição do democrata Joe Biden no colégio eleitoral, portanto, foi uma pá de cal na tola tentativa de Trump de deslegitimar o que há mais de um mês já era de conhecimento universal: Trump é um presidente de um único mandato, juntando-se a Herbert Hoover (1929-1933), Jimmy Carter (1977-1981) e George H. W. Bush (1989-1993), ex-presidentes que, nos últimos cem anos, também não conseguiram se reeleger.
Após a confirmação de sua eleição pelo colégio eleitoral, Biden se dirigiu aos americanos para afirmar que “a democracia prevaleceu”, que princípios fundadores do país foram “pressionados, testados e ameaçados”, mas, ao final, mostraram-se hígidos como sempre. “Se alguém não sabia disso antes, nós sabemos agora. O que bate no fundo do coração do povo americano é isso: democracia. O direito de ser ouvido, de ter seu voto contado, de escolher os líderes desta nação, de governar a nós mesmos”, disse o presidente eleito. Particularmente importante é a disposição de Biden de ser “o presidente de todos os americanos”, expressão que reitera a cada discurso e seguramente ajuda a cicatrizar as feridas de uma das eleições mais polarizadas da história americana.
Trump, por sua vez, continua a alegar “fraude” e a não reconhecer a derrota, mas isso já não faz diferença alguma. O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, veio a público para afirmar que “o colégio eleitoral se pronunciou”, reconhecendo a vitória de Biden e dando a entender que é hora de seu partido virar a página. A transição de governo já está em andamento. No dia 20 de janeiro, o democrata prestará juramento e será empossado presidente, quer Trump queira ou não.
A decisão do colégio eleitoral também levou o presidente Jair Bolsonaro a romper o silêncio e a cumprimentar Biden. Bolsonaro afirmou estar “pronto para trabalhar com o novo governo e dar continuidade à construção de uma aliança Brasil-EUA, na defesa da soberania, da democracia e da liberdade em todo o mundo, assim como na integração econômico-comercial em benefício dos nossos povos”.
Melhor assim. Em que pesem as diferenças entre ambos os presidentes, no que é essencial a relação entre o Brasil e os Estados Unidos não deve mudar. Há muitos interesses comuns às duas maiores democracias das Américas.