Tributar investimento em startups é um tiro no pé

Se por um lado, dar incentivo fiscal para investidores não parece o mais lógico – ou socialmente justo a se fazer -, a realidade nos revela o contrário

Por Felipe Matos* – O Estado de S. Paulo

 

Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei do Marco Legal das Startups, que há muito vem sendo demandado pelo setor. Um dos pontos mais esperados era um melhor tratamento fiscal ao investimento anjo em startups, mas o tópico acabou não incluído no texto original e teve um destaque relacionado rejeitado.

Se por um lado, dar incentivo fiscal para investidores não parece o mais lógico – ou socialmente justo a se fazer – , a realidade nos revela o contrário. O investimento em startups é considerado de alto risco, já que a maior parte das empresas falha. Porém, é altamente produtivo para a sociedade. Os valores investidos na startup são aplicados diretamente no sistema produtivo. Servem para empregar funcionários, comprar equipamentos e contratar serviços. Um estudo da consultoria Grant Thornton, projetando diferentes cenários de sucesso dos investimentos, mostra que após 5 anos, cada real investido em startups injeta outros R$ 5,84 na economia – o que representa uma arrecadação previdenciária e de impostos federais muito maior que aquela sobre o futuro ganho de capital do investidor. Ou seja: ampliar o investimento anjo é um ótimo negócio para a Receita Federal.

Porém, investimentos de risco bem menor e com efeito muito menos estimulante na economia recebem tratamento tributário mais vantajoso, com casos em que o imposto pode chegar a zero. Um deles é o investimento em bolsa de valores. Na bolsa, via de regra, a propriedade de ações só troca de mãos, gerando perdas e ganhos apenas aos envolvidos, sem maiores benefícios sociais – exceto quando as empresas emitem ações próprias para novas captações. Mas dependendo do tempo em que o capital ficar investido, o investidor da bolsa não pagará imposto de renda sobre seus ganhos.

Na prática, ao tributar de forma desproporcional o investimento anjo, o governo incentiva outros investimentos de menor risco e menor ganho social. É um tiro no próprio pé. Vale dizer também que não há renúncia fiscal nesse caso: o imposto sobre ganho de capital só seria arrecadado cinco anos depois, quando uma arrecadação muito maior já teria sido gerada em decorrência daquele investimento.

Países como França, Itália e Reino Unido já entenderam essa conta e oferecem tributação especial. Alguns estimulam ainda mais esse investimento, oferecendo créditos fiscais em caso de perdas – na prática, uma espécie de ‘imposto negativo’ – ou até mesmo aportes de capital adicional na startup investida, vindo de fundos públicos.

Um dos pontos mais esperados do Marco Legal das Startups era um melhor tratamento fiscal ao investimento anjo

Enquanto isso, o investimento anjo no Brasil, cresce lentamente. O volume de startups mais que dobrou nos últimos dois anos, segundo dados da ABStartups. Já o volume de investimento anjos cresceu menos de 5% ao ano, de acordo com a Anjos do Brasil. É muito pouco em termos mundiais. Em 2019, movimentamos aqui 0,85% do que foi investido nos EUA. Estamos atrás de países como Malásia, Chile e México.

O Marco Legal das Startups trazia uma grande oportunidade de mudança, que não aconteceu. Por isso, é importante corrigir essa falha enquanto há tempo, já que o PL ainda pode ser modificado no Senado. Mais do que isso, é precisa buscar também a sensibilização da Receita Federal. Esse é um momento em que a economia precisa de estímulo para voltar a crescer – e o estímulo ao investimento em startups é um dos melhores caminhos.

*ESPECIALISTA EM EMPREENDIMENTO E TECNOLOGIA. JÁ APOIOU MAIS DE 10 MIL STARTUPS NO BRASIL E É SÓCIO DA 10K DIGITAL

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