Todo dia é um dia infinito v.1
Num dia como hoje, em 1905, a Pinacoteca de São Paulo abria suas portas como uma boca abre um sorriso em forma de quadros
João Wady Cury, O Estado de S. Paulo
Todo dia é um dia infinito. Como uma célula de vida, dias guardam na memória fatos, nascimentos e mortes de toda a história, amores perdidos e outros nascidos doce ou abruptamente, guerras e revoluções e astronautas orbitando pela primeira vez no espaço. E a arte, claro, sempre a arte.
Em um 24 de dezembro como hoje, em 1871, o compositor Guiseppe Verdi viu sua ópera Aida estrear no Khedivial Opera House, no Cairo, para contar a história de amor e escravidão da princesa etíope, aprisionada pelos egípcios, e do amor pelo comandante inimigo Radamés. Coisa de deixar múmias de faraós de queixos caídos, ainda que enfaixados, e o olhar lânguido de Nefertite, incandescente de inveja.
Num dia como hoje, em 1905, a Pinacoteca de São Paulo abria suas portas como uma boca abre um sorriso em forma de quadros e um arco-íris de tintas coloridas a nos mirar. Ávida de obras, ainda magrinha, coitada, nasceu com o lote inicial de 26 quadros do Museu Paulista; óleos de Benedito Calixto, Antonio Parreiras, Almeida Junior.
Mas nossa história ficou mais pobre também em um dia como hoje, em 1851. Um incêndio que se iniciou na coleção Thomas Jefferson, da Biblioteca do Congresso, consumiu dois terços do acervo de 50 mil livros. Eis a crueldade do mundo: Jefferson havia doado sua própria biblioteca particular justamente para cobrir a devastação provocada por um outro incêndio, ocorrido em 1814, durante um ataque dos ingleses na Guerra Anglo-Americana de 1812.
Também em um dia como o de hoje, mas no mundo do celuloide, a família Ekdahl festejava a chegada do Natal quando a morte de um dos homens da família, Oskar, jogou sua mulher e filhos em um torvelinho de emoções e angústias. O filme é Fanny e Alexander e Ingmar Bergman usa o olhar de um menino de dez anos para contar a história de uma família sueca nas festas de fim de ano e tudo o que vem com ela.
Dias são infinitos nas chegadas. Num 24 de dezembro chegou o diretor Michael Curtiz, nascido Kertész, na Hungria. Dirigiu o filme que nascera de uma peça escrita para a Broadway, mas que nunca seria encenada. Chamava-se Everybody Comes to Rick’s. No cinema, virou Casablanca, arrebatando corações e mentes dos incautos. O texto foi comprado por inacreditáveis 20 mil dólares pela Warner, que hoje corresponderia a algo próximo de 370 mil dólares.
Mas fica um viva para uma chegada ocorrida em 1876 e que nos diz respeito hoje mais do que nunca: a do empresário e filantropo Johns Hopkins. Com suas doações, criou uma das instituições mais importantes do planeta em pesquisas científicas, a Johns Hopkins University. Hoje, graças a Hopkins, é ela que mapeia e quantifica os caminhos do vírus desta pandeca demoníaca que nos assola, o da covid-19.
É JORNALISTA E ESCRITOR, AUTOR DO INFANTIL ‘ZIIIM’ E DE ‘ENQUANTO ELES CHORAM, EU VENDO LENÇOS’