Brasil-China: estratégias de longo prazo
Estudo aponta caminhos para corrigir assimetria estratégica entre os dois países
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
“A China tem uma estratégia para o Brasil, mas o Brasil não tem uma estratégia para a China.” Este lugar comum no ambiente das relações sino-brasileiras reflete, por um lado, um contraste estrutural entre o modelo centralizado e dirigista chinês e uma república federativa e democrática, como o Brasil, e, por outro, certo comodismo e individualismo conjunturais dos brasileiros: a ascensão econômica da China coincidiu com o boom das commodities, e os setores produtivos brasileiros se concentraram em maximizar ganhos no comércio e investimentos.
Mas a China tem expandido sua influência muito além do comércio e investimento. Cada vez mais ela participa ativamente das instituições globais, e seu impacto potencial sobre os grandes vetores de crescimento do século 21, a integração dos serviços à indústria e a economia digital, é imenso.
Visando a corrigir a assimetria estratégica entre Brasil e China, o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) encomendou à economista Tatiana Rosito, profunda conhecedora da China, onde representou o Brasil como diplomata, um estudo sobre uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China.
Qualquer estratégia ante um “capitalismo de Estado” – e um Estado ditatorial – deve ser capaz de distinguir, sem separar, e unir, sem confundir, interesses econômicos comuns e afinidades ou divergências políticas. “A crescente e emblemática inter-relação entre economia e segurança nacional oferece contornos institucionais à disputa China-EUA e ajuda a disseminá-la para o resto do mundo”, diagnostica Rosito. “É muito possível que se conviva com um decoupling em setores relacionados à segurança nacional ou tecnologias duais, em paralelo a uma continuada integração comercial e financeira da China com o mundo, especialmente na área de serviços.”
Como notou o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, a relação sino-americana, excetuada a disputa por hegemonia tecnológica, permanece positiva na maioria dos campos, sobretudo o econômico, comercial e financeiro. Assim, em contraste com o jogo de “soma zero” da guerra fria, no mundo contemporâneo globalizado e multipolarizado, em que interesses diversos se entrelaçam, “não se trata de alinhar-se a um ou outro lado”, mas de “identificar o interesse nacional e definir os objetivos estratégicos com vistas à sua consecução”.
No caso da relação sino-brasileira, dadas as suas complementaridades e assimetrias, Rosito entende que “a China desponta cada vez menos como competidora e ameaça e cada vez mais como referência e oportunidade”. Fortalecer a base dessa relação, o comércio agrícola, garantindo a devida centralidade e previsibilidade a seus aspectos comerciais, de sustentabilidade e segurança alimentar, é fundamental. Mas o Brasil não tem logrado implementar diversificação e agregação de valor à pauta das exportações.
O estudo aponta três caminhos: intensificar as relações com o mercado chinês (inclusive mediante o e-commerce) e a descoberta de novos nichos; adoção de tecnologias ou de partes das cadeias de produção que deixarão a China; e combinar importação de commodities industriais chinesas com agregação de valor para a exportação ou o consumo no Brasil. Uma agenda na área de infraestrutura, por sua vez, demandará soluções a desafios como a mitigação de assimetrias de informação, aproximação da matriz de riscos e criação de ambiente favorável.
Em meio a crescentes incertezas internacionais, a fluidez do diálogo político e as sinalizações claras aos investidores são desafios que não podem se restringir ao setor público, mas devem ser compartilhados pelo empresariado, universidades e terceiro setor. Se vencê-los se mostra um objetivo quase quimérico ante o governo de turno, as instituições da República e a sociedade civil estão aí para exercer seus freios e contrapesos. Ademais, esse governo passará: a relação entre as duas nações tem raízes profundas demais no passado, e perspectivas amplas demais de frutos no futuro, para que as políticas de Estado e estratégias de longo prazo sejam condicionadas por ele.