Privatização mesmo só veremos nos governos estaduais
Ao contrário da promessa feito durante a campanha eleitoral, governo Bolsonaro criou nova estatal em vez de privatizar as existentes
Elena Landau, O Estado de S.Paulo
Retrospectiva do programa de privatização nem merecia um artigo. Bastavam duas palavras: nada aconteceu.
Mas o presente de Natal que Bolsonaro se deu faz jus a alguns comentários. No dia 24 de dezembro, ele criou sua primeira estatal, a NAV Brasil, que vai controlar a navegação aérea no País. Ela não deve ser a única, porque há uma recomendação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para que o presidente faça outra, a Alada – Empresa de Projetos Aeroespaciais do Brasil S/A. As duas, por coincidência, vinculadas ao Ministério da Defesa. Vale ressaltar que o Ministério da Economia integra o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, que fez a recomendação. É a imagem do programa de desestatização de Guedes.
Não satisfeitos com incluir duas estatais ao já imenso arsenal de empresas públicas do Brasil, os militares interditaram a venda de ativos vinculados a suas atividades e ainda conseguiram a proeza de receber, de uma tacada só, R$ 7,6 bilhões para capitalizar a Emgepron – Empresa Gerencial de Projetos Navais –, no apagar das luzes de 2019. Lembrando que a capitalização de estatais é uma forma de aporte de recursos públicos que não está limitada pelo teto de gastos. O valor é equivalente ao que foi arrecadado em 2020 com outorgas de concessões.
Com a recente gambiarra proposta pelo governo, basta submeter um plano de reequilíbrio financeiro para ficar fora do Orçamento, diz Elena Landau Foto: Fabio Motta/Estadão
O processo que deu origem à NAV Brasil reflete a confusa governança e a falta de foco do programa de desestatização, comandado pelo Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). Esse colegiado é presidido por Paulo Guedes, mas quem manda é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que não é lá muito fã do assunto.
A cisão parcial da Infraero, que deu origem à empresa de controle de tráfego, foi proposta ainda no governo Temer como parte de ajuste prévios necessários à privatização – ou extinção – da estatal aeroportuária. A soberania nacional no controle do espaço aéreo não poderia cair em mãos privadas. Essa era a motivação. Em junho de 2019, com a relatoria de Flávio Bolsonaro, foi aprovado o projeto de conversão que autorizou a criação da estatal. Um ano e meio depois, o decreto do presidente é então publicado.
Nesse período, a privatização da Infraero foi abandonada. A motivação para a NAV mudou e investidores privados são agora bem-vindos. A cisão passou a ser necessária para reduzir os prejuízos da Infraero, que perdeu receita com os leilões de aeroportos rentáveis. Nova rodada de leilões de aeroportos está prevista para este ano e a estatal pretende ficar apenas com os terminais regionais.
Muito provavelmente se tornaria uma empresa dependente do Tesouro, se as regras não tivessem sido inexplicavelmente mudadas na correria de fim de ano. Até então, empresas que não conseguissem bancar suas despesas, e precisassem que o controlador as financiassem, ao se tornarem dependentes seriam automaticamente incluídas no orçamento fiscal. Ou seja, teriam de ser contabilizadas no teto de gastos.
Com a recente gambiarra proposta pelo governo, basta submeter um plano de reequilíbrio financeiro para ficar fora do orçamento. Mesmo que o plano seja tão crível quanto o do Pazuello para vacinação. O Ministério de Economia não privatiza nada e ainda ajuda a dar uma volta nas regras do teto.
Na última reunião do PPI foi apresentada uma lista de projetos para o biênio 21/22. A meta para este ano é realizar 117 leilões. Para engrossar os números, foram incluídos nas estatísticas leilões de energia, óleo e gás, iniciados pelo governo Lula, mas que, por questões ideológicas, não entravam em estatísticas de desestatização. Saímos de um governo para o qual concessão não é privatização, para outro, em que privatização é só concessão. O antigo Programa Nacional de Desestatização (PND) foi incorporado ao PPI e lá perdeu a prioridade.
A lista dos projetos é interessante. Além de terminais pesqueiros e PPPs municipais de iluminação pública, há algo inusitado: apoio à obtenção de licenciamento ambiental. Juntos, somam 26 projetos. Estão raspando o fundo do tacho para mostrar serviço.
Privatização mesmo só nos governos estaduais. Com a aprovação do marco legal do saneamento, o capital privado deve entrar firme nesse segmento. É a boa notícia do ano. Também avançam as operações de energia. Depois da CEB, empresa do Distrito Federal, estão na fila CEEE, do Rio Grande do Sul, CEA, do Amapá, e distribuidoras de gás estaduais.
No cronograma, oito empresas federais estão com leilões previstos para o fim deste ano. A maioria não vai render nada. As estrelas do programa, Correios e Eletrobrás, ficam para o último trimestre. Telebrás só em 2022. Não será em 90 dias. Guedes, ao menos, prometeu parar de prometer.
O ministro da Economia tem obsessão em procurar os inimigos da privatização no Congresso. Só que as dificuldades começam em casa. Além da própria falta de convicção, seus colegas de Esplanada vetaram o segmento militar, além de EBC, EPL e Valec, todas dependentes do Tesouro. Mas o maior problema para o Posto Ipiranga é o chefe. O que era previsível. Ele acaba de anunciar o fim da desestatização da Ceagesp, que nem sequer tinha começado. É a própria privatização de Itararé.
* ECONOMISTA E ADVOGADA