A causa do despreparo da população
Carência de qualificação é culpa de quem faz do sistema educacional brasileiro terra arrasada
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Em mais um tortuoso monólogo pronunciado no cercadinho do Palácio da Alvorada, quando fala para convertidos e opina sobre as mais variadas questões, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu o alto índice de desemprego à falta de preparo da população. Em novembro, o desemprego bateu novo recorde, atingindo 14 milhões de brasileiros, e a taxa de desocupação da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, do IBGE, atingiu 14,2% – a maior desde que esse levantamento começou a ser feito.
Desordenada como sempre, a fala de Bolsonaro misturou temas como crescimento de ações trabalhistas, importação de serviços e dificuldades enfrentadas por empregadores, o que faz com que “ser patrão é uma desgraça”. O denominador comum, porém, foi o despreparo da mão de obra. “Então, é um país difícil de trabalhar. Quando fala em desemprego, né, vários motivos (sic). Uma parte considerável não está preparada para fazer quase nada.”
Em princípio, a premissa de que parte Bolsonaro é correta. No último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, por exemplo, a ênfase foi em interpretação de textos e o Brasil ficou entre as 20 últimas posições do ranking. O levantamento mostrou que só 2% dos estudantes brasileiros souberam separar fatos de opiniões, o que é vital para o desenvolvimento do pensamento crítico. Dados oficiais revelam que, em 2019, 30% dos jovens com até 25 anos não terminaram o ensino médio. Dos que concluíram, menos da metade conseguiu entrar num curso superior. Ou seja, são poucos os jovens preparados para ganhar a vida.
O que Bolsonaro não disse é que ele tem uma alta dose de responsabilidade por essa situação. Desde que chegou à Presidência, ele vem desmontando o setor educacional. Em vez de tratar a educação como política de Estado, ele a trata como política de governo, desprezando as opiniões de pedagogos, formulando programas com enfoques religioso e ideológico, perdendo tempo com discussão sobre indumentária escolar e entregando cargos estratégicos a amadores. Também deixou os Estados à própria sorte após a pandemia, sem articular a substituição do ensino presencial pelo ensino remoto. E, além de ter nomeado quatro ministros da Educação em dois anos de mandato, tumultuou o calendário do Enem e ainda transferiu para o setor de infraestrutura recursos do ensino básico, para gáudio do Centrão governista.
Em momento algum o governo Bolsonaro ouviu as advertências de ONGs educacionais, de especialistas em ensino básico, de membros do Conselho Nacional de Educação e de dirigentes de organismos multilaterais sobre o fosso que o País está cavando por negar às novas gerações a formação escolar de que precisam para obter colocação profissional num período de intensas transformações tecnológicas. Nestes dois anos, em momento algum o governo relacionou ensino com redução das desigualdades sociais, educação com padrão de vida e formação escolar com potencial produtivo dos jovens. As autoridades governamentais nem sequer comentaram um estudo que o Banco Mundial apresentou no fim de 2020, informando que, por causa do baixo nível de aprendizagem dos adolescentes e dos jovens brasileiros, eles ingressarão no mercado de trabalho nos próximos anos com apenas 55% do seu potencial produtivo desenvolvido.
Diante da intensidade das mudanças nas técnicas de produção, que estão reconfigurando o mundo do trabalho, só terão vez os jovens com formação especializada e capacitação técnica – requisitos que o governo Bolsonaro não oferece por absoluta inépcia administrativa. O impacto que essa incompetência monumental terá na educação poderá causar não só a ampliação da informalidade, mas o aumento da exclusão social e a elevação da criminalidade. Como a educação é um investimento de longo prazo, cujos efeitos sociais e econômicos se convertem em patrimônio da sociedade, Bolsonaro deveria ter tido mais cuidado quando atribuiu o desemprego ao despreparo da população. Se parte significativa dela carece de qualificação, a culpa é de quem vem, desde sua posse, fazendo do sistema educacional brasileiro terra arrasada.
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