Eficácia da Coronavac indica que Brasil terá uma vacina de alta qualidade contra a covid-19

Conclusões preliminares divulgadas pelo Instituto Butantã são uma ótima notícia; estudo apontou índice de proteção de 78% entre os voluntários dos testes do imunizante

Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo

Finalmente o governo de São Paulo apresentou a principal conclusão do estudo de fase 3 da Coronavac: a vacina tem uma eficácia de 78% para todos os casos da covid-19 (78% dos vacinados ficam protegidos de qualquer forma da doença) e 100% para os casos graves que precisam de internação e podem levar à morte (100% dos vacinados não apresentam casos graves, não foram internados e não morreram). Ela tem eficácia menor somente do que a das vacinas da Pfizer e da Moderna, mas tem algumas vantagens: não precisa de geladeiras especiais, já está sendo embalada no Brasil (o Butantã já tem um estoque) e no futuro o ingrediente ativo da vacina vai ser produzido no Butantã. É uma ótima notícia.

Coronavac: a vacina tem uma eficácia de 78% para todos os casos da covid-19 Coronavac: a vacina tem uma eficácia de 78% para todos os casos da covid-19  Foto: Alex Silva/Estadão

É importante lembrar que não foram mostrados os dados que levaram Butantã e Sinovac a essas conclusões, nem o intervalo de confiança da eficácia apresentada, mas esses dados devem ser entregues à Agência Nacional de Vigilância Sanitária e se espera que sejam publicados nas próximas semanas. Ou seja, assumindo que os dados corroborem conclusões apresentadas (todas as vacinas já aprovadas no mundo publicaram em revistas científicas os resultados da fase 3), o Brasil tem uma vacina de alta qualidade.

Essa vacina foi desenvolvida por uma empresa chinesa chamada Sinovac. Na sua produção o vírus Sars-CoV-2 é crescido em enormes quantidades usando células de mamíferos, é isolado e finalmente inativado (usando um produto químico). Esse vírus inativado é incapaz de infectar seres vivos e causar a doença. Essa solução de vírus inativo (o princípio ativo da vacina) é então envasada em pequenos frascos e essa é a vacina que chega aos postos de saúde e vai ser injetada nas pessoas. Até o momento o Butantã tem recebido o princípio ativo em grandes volumes da Sinovac chinesa e a colocação nos frascos é feita no Brasil. Mas no segundo semestre o Butantã vai produzir o princípio ativo. Poderemos, então, dizer que a vacina estará sendo produzida totalmente no Brasil.

Em meados de 2020, quando a Sinovac estava terminando o desenvolvimento da vacina, o Estado de São Paulo fez um acordo com a empresa chinesa. Nesse acordo São Paulo pagaria e executaria todo o estudo de fase 3 da vacina aqui e, em troca, receberia o direito de produzir a vacina no Brasil. Além disso receberia material produzido na China para ser embalado no Brasil por alguns meses. Foi dentro desse acordo que a Sinovac mandou para o Brasil as doses necessárias para que, sob a coordenação do Butantã, o estudo de fase 3 fosse executado no Brasil. As conclusões desse estudo é que foram apresentadas ontem.

O estudo brasileiro é diferente dos feitos com outras vacinas. Aqui foram recrutados como voluntários somente pessoas dos serviços de saúde – que não representam fielmente a população em geral. Por exemplo, a faixa etária delas exclui os muito jovens e os muito idosos, exclui pessoas com menor escolaridade e assim por diante. No caso das outras vacinas os voluntários eram selecionados para representar da melhor maneira possível a população.

Rigorosamente, a conclusão apresentada significa que esses números valem para a população inclusa no estudo. Só quando soubermos a composição dessa população saberemos se aqueles voluntários representam a população como um todo. Além disso não se informou o número de infectados em que foram baseadas as conclusões apresentadas e outros dados necessários para ter certeza de que os números da conclusão estão corretos.

São esses os dados que a Anvisa vai analisar para decidir se a conclusão divulgada ontem é suportada pelos dados do estudo. A agência já visitou a fábrica da Sinovac na China e também deve ter inspecionado o envasamento do Butantã. Os resultados dos estudos de fase 1 e 2 já foram publicados pela Sinovac, e agora falta a publicação do estudo da fase 3. Isso permitirá que os cientistas avaliem as conclusões.

O próximo passo é a submissão do pedido de registro à agência. No caso da Coronavac, aparentemente, o primeiro país a aprovar será o Brasil, o que aumenta a responsabilidade da Anvisa, que raramente aprova vacinas e novas drogas ainda não aprovadas no exterior. Mas não resta dúvida de que a agência tem todas as condições de fazer a avaliação cuidadosamente.

As conclusões preliminares divulgadas são uma ótima notícia, e tudo indica que o Brasil terá duas vacinas disponíveis – a Coronavac e a vacina de Oxford/AstraZeneca. Agora é aprovar ambas. Quando os dados apresentados estiverem publicados e a Coronavac aprovada, vou entrar na fila da vacinação.

*É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS.

Com infecções em alta e sem vacinar, Brasil atinge 200 mil mortos pela covid

Curva de casos volta a crescer no momento em que há aglomerações em praias e festas; por outro lado, falhas de planejamento atrasam começo da imunização no País

Giovana Girardi

O Brasil superou nesta quinta-feira, 7, a marca de 200 mil mortos pela covid-19, quando muitos já temem que possa ser o pior momento da pandemia no País. A curva de casos e mortes voltou a ser ascendente. Ao mesmo tempo, parte da população abandonou os cuidados e se aglomerou nas festas de fim de ano, novas variantes do vírus circulam e ainda não há clareza de quando começa a vacinação.

Em quase 10 meses desde que ocorreu a primeira morte pela doença no Brasil, perdemos o equivalente às populações da cidade de Araçatuba (SP) ou de Angra dos Reis (RJ). Até as 20h desta quinta-feira, foram registradas 200.163 mortes, conforme levantamento feito pelo consórcio de imprensa junto às secretarias estaduais de saúde.

E o cenário projetado para as próximas semanas é sombrio, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Quando o País atingiu 100 mil mortos, em agosto, a média móvel de vítimas indicava lentamente um início de queda e parecia que a situação começaria a melhorar. Mas ao contrário da Europa, que teve claramente uma primeira e uma segunda onda, no Brasil o número de novas infecções e óbitos nunca arrefeceu.

Sepultamento de vítima da covid-19 no Cemitério São Francisco Xavier, na zona portuária do Rio de JaneiroWILTON JUNIOR/ESTADÃO

A média móvel de mortes baixou da casa de mil, em meados de agosto, para pouco mais de 300 na primeira dezena de novembro, mas logo depois voltou a subir. O epidemiologista Paulo Lotufo, da USP, compara esse movimento como se fosse de um avião arremetendo ao tentar pousar.

“Parecia que estávamos em declínio mesmo, mas não chegamos a zerar. Tivemos o impacto das eleições municipais. Os números de internações estavam claramente subindo, mas ninguém queria adotar medidas mais restritivas e impopulares. Aí veio o fim de ano. Não está todo mundo agindo como vimos nas fotos de praias e festas, mas aumentou o desrespeito. Vi casos de irresponsabilidade total, e vamos ver o resultado disso agora. A expectativa é péssima”, alerta.

Para Deisy Ventura, professora de Ética da Faculdade de Saúde Pública da USP, a posição do governo federal, que desde o início deixou a pandemia correr solta no País, agora parece ter um contrapeso menor dos governos locais e de parte da população, tornando a situação ainda mais perigosa.

“O governo federal sempre atuou para que a doença seguisse seu ritmo natural, sem construir obstáculos, com a ideia de que quanto mais rapidamente se disseminasse, mais rapidamente passaria, o que é absurdo por todos os aspectos”, argumenta.“Mas havia uma certeza de que os Estados fariam tudo para evitar o colapso do sistema de saúde. Foi o modelo de 2020. Em 2021, me parece que esses freios podem não funcionar.”

No fim de dezembro, o Amazonas decidiu fechar o comércio, mas recuou após protestos. O Estado só adotou as restrições esta semana, por ordem da Justiça, para conter a alta de mortes – em Manaus o número de sepultamentos saltou 193% no último mês. Durante as festas de fim de ano, o governo paulista determinou que as cidades mantivessem só atividades essenciais, como farmácias e mercados, mas parte das cidades decidiu não cumprir a medida.

O que se viu foram praias e comércio lotados, ausência de distanciamento social e do uso de máscaras. “Vejo a população respondendo diretamente ao estímulo dado pelo governo federal quando ataca as medidas de contenção do vírus”, opina Deisy.

MÉDIA MÓVEL SEMANAL DE MORTES POR COVID-19 NO BRASIL

“Temos uma tendência a responsabilizar as pessoas individualmente, mas elas estão respondendo a um movimento político escandaloso que preconiza que a doença não é grave ou só é grave para alguns, o que sabemos que é mentira. Ninguém está livre de um possível agravamento”, diz.

“Em um outro ambiente institucional, esse comportamento seria repudiado. Mas quando a desobediência é encorajada por parte do governo, quando a gente trata criminoso com indulgência, temos um efeito de banalização de condutas que deveriam ser rechaçadas na sociedade”, ressalta a pesquisadora.

Deisy faz uma previsão dramática para as próximas semanas: “O ano novo pode ser o pior possível. Temo que cenas que não chegamos a ver em 2020, ou vimos pouco no Brasil, se tornem comuns. Vamos ter pessoas morrendo na rua, caminhões de cadáveres, cemitérios sobrecarregados e devemos ter a tão temida sobrecarga das unidades de saúde e de leitos de UTIs. E vamos ter, com mais intensidade, a perda de pessoas próximas”.

O temor é compartilhado pela infectologista Raquel Stucchi, professora do Departamento de Clínica Médica da Unicamp. “Os números de casos e de mortes estão avançando em velocidade muito rápida e não se vislumbra mudança, as coisas vão piorar. Não sei se as pessoas estão meio anestesiadas com tudo isso, mas muitas incorporaram o discurso de minimizar a doença e seus efeitos, deixaram de ser cuidadosas e acabam tendo essa atitude irresponsável com a própria saúde e a dos outros”, afirma ela.

“Começamos errado e andamos no caminho do erro. O que faltou no nosso País desde o início foi ter uma voz única que entendesse e aceitasse o que a ciência mostrou e conduzisse o País à luz da ciência. Como não tivemos isso, vimos o uso incorreto, ou não frequente ou não exigido em muitos locais da máscara facial. Tivemos até incitação à aglomeração. Mais recentemente durante as campanhas eleitorais e as que se formaram nas festas de fim de ano”, lamenta a pesquisadora.

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By valeon