Twitter suspende permanentemente conta de Trump; presidente diz que vai criar nova rede
Empresa analisou postagens recentes do republicano e concluiu que há risco de mais incitação à violência; republicano usou conta oficial da presidência para responder
Redação, O Estado de S.Paulo
WASHINGTON – O Twitter suspendeu nesta sexta-feira, 8, permanentemente a conta de um de seus mais contumazes usuários, o presidente dos EUA, Donald Trump, que reagiu afirmando que a empresa “conspira” para “silenciá-lo” e prometeu criar uma nova rede social. A empresa afirmou que as mensagens do republicano poderiam aumentar o risco de violência. No último mês, de acordo com o jornal Washington Post, o presidente tuitou em média 18 vezes por dia.
“Após uma análise detalhada dos tweets recentes da conta #realDonaldTrump e do contexto em torno deles, suspendemos permanentemente a conta devido ao risco de mais incitação à violência”, disse a empresa. “No contexto dos eventos horríveis desta semana, deixamos claro na quarta-feira que violações adicionais das Regras do Twitter potencialmente resultariam neste mesmo curso de ação.”
Trump usou a conta oficial da presidência dos Estados Unidos, @POTUS, para escrever sua mensagem. “O Twitter foi cada vez mais restringindo a liberdade de expressão, e hoje à noite os funcionários do Twitter se coordenaram, como os democratas e a esquerda radical, para suspender minha conta de sua plataforma, para silenciar a mim e VOCÊS, os 75.000.000 grandes patriotas que votaram em mim”, disse ele em uma série de tuítes. As postagens foram excluídas rapidamente.
Na quarta-feira, o Twitter havia bloqueado temporariamente a conta de Trump após o cerco ao Capitólio.
Donald Trump teve sua conta do Twitter suspensa permanentemente após invasão do Capitólio Foto: Mandel Ngan/AFP
Por muito tempo, o Twitter isentou Trump e outros líderes mundiais de suas regras contra ataques pessoais, discurso de ódio e outros comportamentos. Mas em uma longa explicação postada em seu blog nesta sexta-feira, a empresa disse que os tuítes recentes de Trump representaram uma glorificação da violência quando lidos no contexto da invasão do capitólio e de planos para futuros protestos armados que circulam online.
Nos tuítes, Trump afirmou que não comparecerá à posse de Biden e se referiu a seus apoiadores como “Patriotas Americanos”, dizendo que eles terão “uma VOZ GIGANTE no futuro”.
O Twitter disse que essas declarações “provavelmente inspirarão outros a replicar os atos violentos ocorridos em 6 de janeiro de 2021, e que há vários indicadores de que estão sendo recebidas e entendidas como incentivo a fazê-lo”.
A decisão é significativa porque o Twitter tem sido a plataforma preferida de Trump desde que ele iniciou a campanha eleitoral, em 2016. O presidente usa a ferramenta há mais de uma década para se comunicar diretamente com os americanos. No último mês, de acordo com o The Washington Post, o presidente tuitou em média 18 vezes por dia.
Trump tinha mais de 88 milhões de seguidores. O republicano usava sua conta para anunciar decisões políticas, desafiar oponentes, insultar inimigos, elogiar aliados e espalhar desinformação. Foi principalmente através da plataforma que ele ganhou proeminência política.
Pressão interna
De acordo com o Washington Post, centenas de funcionários do Twitter exigiram em uma carta escrita esta semana que os líderes da empresa suspendessem permanentemente a conta de Trump após a invasão, chamando a resposta da empresa de insuficiente. Os funcionários também solicitaram uma investigação sobre os últimos anos de ações corporativas que levaram ao papel do Twitter na insurreição.
Em uma carta interna endereçada ao presidente-executivo Jack Dorsey e seus principais executivos vista pelo The Washington Post, cerca de 350 funcionários pediram um relato claro do processo de tomada de decisão da empresa em relação aos tuítes do presidente no dia da invasão.
“Apesar de nossos esforços para servir ao debate público, como megafone de Trump, ajudamos a alimentar os eventos mortais de 6 de janeiro”, escreveram os funcionários. “Solicitamos uma investigação sobre como nossas políticas levaram à amplificação de sérias ameaças antidemocráticas. Devemos aprender com nossos erros para evitar causar danos futuros”.
“Desempenhamos um papel sem precedentes na sociedade civil e os olhos do mundo estão sobre nós. Nossas decisões esta semana irão cimentar nosso lugar na história, para melhor ou para pior”, acrescentaram.
Em um comunicado, o porta-voz do Twitter, Brandon Borrman, escreveu: “O Twitter incentiva um diálogo aberto entre nossa liderança e os funcionários, e damos as boas-vindas aos nossos funcionários que expressem seus pensamentos e preocupações da maneira que lhes pareça certa”.
Na quarta-feira, a empresa inicialmente apenas rotulou os tuítes de Trump como “informação contestada”. Mas um vídeo subsequente do presidente – pedindo calma e continuando a espalhar desinformação – levou a empresa a intensificar suas ações de fiscalização.
No fim, o Twitter bloqueou o acesso do presidente à conta pela primeira vez, exigindo que ele excluísse seus tuítes ofensivos – depois esperasse 12 horas – para recuperar o acesso. Isso aconteceu na manhã de quinta-feira, e Trump emitiu seus primeiros comentários públicos no site naquela noite. O Twitter disse que suspenderia Trump permanentemente se ele continuasse a quebrar suas regras, colocando os usuários em risco.
Depois do primeiro bloqueio da conta de Trump pelo Twitter, o presidente-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou na quinta-feira que o Facebook também daria uma resposta a Trump. Pela primeira vez, Zuckerberg disse que o republicano seria impedido de postar em suas contas do Facebook e Instagram “pelo menos nas próximas duas semanas, até que a transição pacífica de poder seja concluída.”
A resposta de Zuckerberg também seguiu pressão interna, incluindo perguntas de funcionários postadas em um quadro de mensagens da empresa.
Alternativas
A mudança de curto prazo mais óbvia para Trump, após o banimento do Twitter e do Facebook, seria mudar para uma das “plataformas alternativas”, como Parler e Gab, onde muitos de seus seguidores mais fervorosos se reuniram depois de terem sido expulsos dos aplicativos mais conhecidos. Na quarta à noite, o CEO do Gab, Andrew Torba, disse que estava “em contato com a equipe do presidente Trump” para falar sobre a criação da conta do presidente.
Prevendo o movimento, o Google decidiu suspender o Parler de sua loja de aplicativos. “Para proteger a segurança dos usuários no Google Play, nossas políticas de longa data exigem que os aplicativos que exibem conteúdos gerados pelos usuários tenham políticas de moderação e aplicação que removam conteúdo flagrante, como postagens que incitam a violência”, disse um porta-voz do Google. “Todos os desenvolvedores concordam com estes termos e lembramos Parler desta política clara nos últimos meses. Estamos cientes de postagens no aplicativo que buscam incitar a violência nos EUA. À luz desta ameaça contínua e urgente à segurança pública, estamos suspendendo as listagens do aplicativo na Play Store até que ele resolva esses problemas”. /REUTERS, AP, WP e NYT
Análise: Trump está perdendo suas plataformas digitais
Após anos de leves puxões de orelha, empresas de mídia social estão finalmente revogando o megafone do presidente; ser banido do Facebook e do Twitter poderia prejudicar significativamente seu futuro político
Kevin Roose / The New York Times, O Estado de S.Paulo
NOVA YORK – Durante anos, altos executivos de empresas de mídia social trataram o presidente Donald Trump com luvas de pelica, justificando como podiam a razão de ele ainda ter permissão para postar em suas plataformas, apesar de violar suas regras repetidas vezes.
Temerosos de provocar uma reação do presidente e de seus aliados, eles fizeram discursos nebulosos em defesa da liberdade de expressão, escreveram políticas especiais para justificar sua passividade e anexaram alertas de advertência fracos às postagens de Trump. Mas a invasão ao Capitólio de quarta-feira – e talvez o conhecimento de que os democratas logo controlarão as duas casas do Congresso – parece ter lhes dado alguma coragem.
Depois de quarta-feira, as plataformas dos gigantes da tecnologia tomaram medidas mais rígidas contra Trump. O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, disse na quinta-feira que a empresa estava bloqueando as contas de Trump até pelo menos o dia da posse, acrescentando que “os riscos de permitir que o presidente continue a usar nosso serviço durante este período são simplesmente grandes demais”.
A decisão de Zuckerberg veio depois que Facebook, Twitter e YouTube retiraram do ar um vídeo no qual Trump elogiava os manifestantes e alegava falsamente que a eleição presidencial havia sido fraudada. O YouTube removeu o vídeo de Trump e disse na quinta-feira que tomaria medidas contra canais que postassem vídeos promovendo afirmações falsas. O Twitter também bloqueou a conta do presidente por 12 horas na quarta-feira e, nesta sexta-feira, 8, baniu permanentemente a conta do presidente.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump Foto: Reuters
Essas medidas podem ser apenas o começo. Vários funcionários do Twitter e do Facebook na quarta-feira disseram que esperavam que suas empresas suspendessem as contas de Trump permanentemente. Há muito perigo de violência contínua decorrente de suas postagens, disseram esses funcionários, que falaram apenas anonimamente porque as discussões internas eram privadas, e poucos esperam que um prazo temporário seja suficiente para dissuadi-lo de atiçar seus apoiadores.
Casey Newton e Ben Thompson, dois colunistas de tecnologia cujas opiniões têm influência entre os executivos de mídia social, pediram que Trump fosse banido. Alex Stamos, ex-chefe de segurança do Facebook, disse que embora antes tenha sido contra a suspensão da conta de Trump por motivos de liberdade de expressão, mudou de ideia após a invasão do Capitólio porque as postagens de Trump representavam um ataque à própria democracia.
“Você não quer intermediários de informação incrivelmente poderosos decidindo quem tem discurso legítimo em uma democracia”, Stamos disse. “Mas tudo isso foi baseado no discurso que estava acontecendo no processo democrático.” Quer Trump tenha ou não acesso às suas contas de volta, está claro que ele já colocou em risco um de seus trunfos mais valiosos: sua capacidade de intimidar essas empresas para que lhe deem um amplo espaço.
Por anos, ser capaz de usar o Facebook e o Twitter como armas pessoais tem sido um dos maiores trunfos políticos de Trump. Ele é uma peça de propaganda incorrigível que usa esses aplicativos para escolher brigas, acertar contas, promover teorias da conspiração e disseminar desinformação; e enfrentou poucas consequências por fazer isso. Ele acumulou mais de 100 milhões de seguidores combinados nas plataformas e seus posts rotineiramente geram mais engajamento do que os de qualquer outra figura pública.
Trump ainda encontraria maneiras de alcançar seus seguidores sem o Facebook e o Twitter, é claro. Ainda haveria Fox News, Newsmax, OANN e legiões de partidários pró-Trump dispostos a repassar suas mensagens. Jornais e canais de notícias da TV a cabo, que há muito tratam qualquer coisa que o presidente diga como algo naturalmente interessante, podem não resistir a dar a Trump tempo no ar e atenção, mesmo quando ele for um cidadão comum. E Trump tem expressado interesse em iniciar seu próprio império de mídia digital, onde ele poderia definir suas próprias regras.
A mudança de curto prazo mais óbvia para Trump, após o banimento do Twitter e do Facebook, seria mudar para uma das “plataformas alternativas”, como Parler e Gab, onde muitos de seus seguidores mais fervorosos se reuniram depois de terem sido expulsos dos aplicativos mais conhecidos. Na quarta à noite, o CEO do Gab, Andrew Torba, disse que estava “em contato com a equipe do presidente Trump” para falar sobre a criação da conta do presidente.
Mas esses aplicativos são pequenos e culturalmente isolados e provavelmente não seriam satisfatórios para o desejo do presidente por um público em massa. Mesmo que Trump construísse sua própria rede social, nenhuma outra plataforma poderia oferecer a ele o que o Twitter e o Facebook ofereceram: dezenas de milhões de olhos de todo o espectro político e uma linha direta para as reuniões de pauta e salas de controle de cada meio de comunicação no mundo.
Perder suas contas no Twitter e no Facebook permanentemente pode até fazer com que Trump tenha menos probabilidade de concorrer à presidência novamente em 2024, uma ideia que ele sugeriu em conversas privadas. Afinal, ele estaria competindo com os republicanos com plenos privilégios para usar as plataformas, que teriam a vantagem de levar sua mensagem a um público mais convencional e menos hiperpartidário.
Em outras palavras, é fácil imaginar que ser banido pelo Facebook e pelo Twitter poderia condenar Trump à irrelevância após o fim de seu mandato e prejudicar significativamente seu futuro político. Também é fácil imaginar que Trump pode não precisar do Facebook ou do Twitter, se seu objetivo for simplesmente acabar com tudo ao fim do mandato.
“Ele perderá a capacidade de afetar as conversas ao redor do globo”, disse Stamos, o ex-executivo do Facebook. “Mas quando você está falando sobre comandar uma revolta, então você só precisa falar com sua base.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA