Vacinar para crescer
Só Jair Bolsonaro e seus ajudantes de ordens parecem desconhecer que vacinação é dado essencial para qualquer previsão econômica, nacional ou global.
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Vacinação é dado essencial para qualquer previsão econômica, nacional ou global, neste momento, e só o presidente Jair Bolsonaro e seus ajudantes de ordens parecem desconhecer esse fato. “A vacinação vai começar no dia D e na hora H”, disse na segunda-feira o ministro da Saúde, intendente Eduardo Pazuello, recusando-se mais uma vez a falar seriamente sobre datas e critérios de um suposto plano federal de imunização contra a covid-19. Seu chefe continua a representar dois papéis. Um dia depois de assinar medida provisória para flexibilizar normas de aquisição de vacinas e insumos, o presidente reapareceu com sua face mais natural. “Vacina, sendo emergencial, não tem segurança ainda. Ninguém pode obrigar ninguém a tomar algo que (sic) você não tem certeza das consequências.” Esse mesmo presidente havia sido, como seu líder Donald Trump, um entusiasmado propagandista da cloroquina.
Dirigentes e economistas de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), analistas do mercado financeiro e técnicos de grandes consultorias condicionam suas projeções para 2021 – e para os três ou quatro anos seguintes – à evolução das condições sanitárias. A maior ameaça à recuperação econômica, por enquanto, é o surgimento de novas ondas de contaminação pelo coronavírus, já observado nos Estados Unidos e em vários países da Europa Ocidental. Em contrapartida, a esperança de uma retomada veloz e firme é relacionada a avanços médicos, especialmente ao rápido progresso da vacinação.
“Progressos com vacinas e tratamentos, além de mudanças para reduzir a transmissão, nos locais de trabalho e no comportamento dos consumidores, poderão permitir um retorno aos níveis pré-pandêmicos mais veloz do que se havia projetado, sem deflagrar novas ondas de infecção”, de acordo com o FMI. “Pela primeira vez desde o início da pandemia, há esperança de um futuro mais brilhante”, segundo comentário divulgado pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). As avaliações do FMI e da OCDE surgiram, em dezembro, depois de notícias sobre avanços na elaboração de vacinas.
Esperanças e temores em relação à economia continuam vinculados, neste começo de ano, à luta contra a covid-19. Os Barômetros Globais divulgados no Brasil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) são exemplos de como as projeções dependem das expectativas sobre a doença. Esses barômetros, baseados em tendências pesquisadas em cerca de 50 países, incluem avaliações da economia atual e expectativas em relação aos seis meses seguintes.
Em janeiro o Barômetro Coincidente subiu de 93,9 pontos para 95, revertendo a queda registrada em dezembro e indicando pequena melhora na avaliação das condições presentes. Denotando maior otimismo, o Barômetro Antecedente variou 6,1 pontos e atingiu 11,6. Esse otimismo, segundo análise da FGV, pode ser reflexo do início da vacinação em vários países.
No caso do Barômetro Antecedente, no entanto, a região do hemisfério ocidental seguiu caminho oposto ao das demais, apresentando a única variação negativa. Essa trajetória é explicável, de acordo com o relatório, pela “morosidade da vacinação em alguns países” e pelo “cenário crítico da pandemia no Brasil e nos Estados Unidos”.
A importância econômica da pandemia – e da vacinação – também tem sido ressaltada nas projeções elaboradas no Brasil. Um claro exemplo é o documento do Banco Safra sobre as perspectivas de 2021. “O início da vacinação contra o vírus da covid-19” – assim começa o documento – “deu confiança ao consumidor e tem-se refletido na apreciação da maioria dos ativos globais, incluindo os brasileiros.”
No caso do Brasil, pressupõe-se ampla vacinação a partir de janeiro, uma das condições para um crescimento estimado em 4,2% (para a economia global a projeção é de 5,2%). Além de aparecer em várias passagens do relatório, a vacinação é tema de um box de três páginas, um décimo da extensão do documento. Com tanta coisa escrita, é difícil dizer se chegará a ser lido pelo presidente da República.