O penoso caminho da vacina
Enfim, o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população.
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Enfim, o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população. Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a vacinação contra a covid-19 deverá começar na próxima quarta-feira, dia 20.
Talvez esse longo e tortuoso processo para o início da vacinação tivesse sido um pouco mais breve e retilíneo – gerando menos apreensão na população –, se o presidente Jair Bolsonaro e o intendente Eduardo Pazuello tivessem assimilado uma das habilidades previstas para o 7.º ano do Ensino Fundamental na Base Nacional Comum Curricular. Trata-se de documento de caráter normativo que define as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.
A décima habilidade prevista na área de ciências para alunos do 7.º ano (12 anos) é “argumentar sobre a importância da vacinação para a saúde pública, com base em informações sobre a maneira como a vacina atua no organismo e o papel histórico da vacinação para a manutenção da saúde individual e coletiva e para a erradicação de doenças”. A Base Nacional Comum Curricular, na parte referente ao Ensino Fundamental, foi aprovada em 2017.
De fato, parece que Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello tiveram dificuldades com a habilidade prevista para a garotada de 12 anos. Ao longo dos últimos meses, por exemplo, trabalharam como se não soubessem que a vacinação contra a covid-19 exige seringa e agulha. Agora, no entanto, parecem ter finalmente captado que a população quer a vacina. E desejam transformá-la em um grande palanque eleitoral.
Antes mesmo de ser divulgada a data de início da vacinação, o Ministério da Saúde informou que haverá na próxima terça-feira, dia 19, um evento no Palácio do Planalto para festejar a vacina. Não sabe se haverá seringa e agulha para todos – sete Estados não têm estoque suficiente de seringas e agulhas para vacinação contra a covid-19 –, mas o Ministério da Saúde já definiu qual será o slogan da cerimônia: “Brasil imunizado, somos uma só nação”.
Depois de tantas dificuldades colocadas pelo governo de Jair Bolsonaro para a vacinação contra a covid-19, a ideia de realizar um evento festivo-eleitoral no Palácio do Planalto soa a escárnio contra a população. Não há notícia de algum governo no mundo que tenha tido o descaramento de começar a vacinação contra a covid-19 com um evento em sua sede oficial. Em geral, como o bom senso e a saúde pública recomendam, os esforços estão voltados para vacinar os grupos prioritários. O evento do dia 19 é mais um sintoma das enormes dificuldades de Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello para “argumentar a importância da vacinação para a saúde pública”.
A corroborar que o Palácio do Planalto vê a vacina como questão político-eleitoral, o governo federal informou que proibirá a aquisição de vacinas por empresas para imunização de funcionários. A notícia foi dada no dia 13 por representantes dos Ministérios da Saúde, das Comunicações e da Casa Civil a empresários, em reunião organizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
A vacinação contra a covid-19 promovida por empresas para seus funcionários pode reduzir os gastos públicos e agilizar o processo de imunização da população, além de favorecer o retorno à normalidade da atividade econômica, com consequências positivas sobre o emprego e o ambiente de negócios. Fornecer ou não vacina para funcionários é uma decisão unicamente empresarial na qual governo algum deveria se meter. No entanto, o liberal governo de Jair Bolsonaro prefere declarar que a vacinação contra a covid-19 é monopólio estatal.
É impressionante a capacidade do governo de Jair Bolsonaro de transformar até mesmo aquilo que seria uma boa notícia – a disponibilidade de vacinas contra a covid-19 para a população –, num grande imbróglio. O penoso quadro revela a importância de cuidar da educação de todas as crianças, para que todas elas, sem exceção, desenvolvam as habilidades previstas na idade correspondente. Com isso serão evitados muitos problemas no futuro.