Visibilidade e decência
O inevitável aumento do número de trabalhadores em domicílio causado pela pandemia impõe urgência à adoção de medidas de combate à informalidade.
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Ninguém que examine a evolução recente do mundo do trabalho tem qualquer dúvida de que, depois das exigências impostas pela pandemia de covid-19, o trabalho em domicílio ganhará ainda mais importância nos próximos anos. Em 2019, antes, portanto, de o mundo ter a mais remota ideia do imenso desastre sanitário em que mergulharia pouco depois, 260 milhões de pessoas no mundo trabalhavam em sua residência em troca de remuneração. Esse número equivale a 7,9% de todas as pessoas empregadas no planeta.
Dados preliminares dos primeiros meses do ano passado indicavam que cerca de um quinto dos trabalhadores (ou 20%) estava trabalhando no domicílio. Quando as cifras de 2020 forem divulgadas, decerto o número de pessoas que trabalham em casa superará largamente o do ano anterior, afirma a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no estudo O trabalho em domicílio: da invisibilidade ao trabalho decente.
O título sintetiza o objetivo da publicação. Com o estudo, a OIT pretende mostrar a dimensão e as condições do trabalho em domicílio, ainda pouco visível do ponto de vista da proteção legal, e apontar os meios pelos quais tais condições podem ser melhoradas para que esse tipo de ocupação se equipare, nos seus aspectos essenciais, ao trabalho desempenhado nos ambientes tradicionais das empresas. É o caminho para dar visibilidade e decência ao trabalho em casa.
É, obviamente, um mundo heterogêneo em muitas de suas características. Em pelo menos 13 países estudados pela OIT as pessoas que trabalham em casa correspondiam a mais de 15% do total de empregados. A maioria dessas pessoas (65%) se concentra na região da Ásia e do Pacífico.
O número de mulheres que trabalham em casa correspondia a 56% do total. É a solução que boa parte dessas mulheres encontrou para melhorar a remuneração familiar sem abandonar suas responsabilidades domésticas, o que resulta normalmente em jornada de trabalho estendida. O fator financeiro e uma certa maleabilidade da jornada são alguns dos aspectos positivos do trabalho em domicílio.
Muitas de suas características, porém, exigem reflexão das autoridades e dos órgãos de inspeção a respeito das condições em que trabalha a população. A remuneração dos que trabalham em casa é normalmente menor do que a dos que exercem seu trabalho nos locais mantidos pelos empregadores. Essa defasagem é praticamente universal, tanto em relação ao tipo de trabalho como no que se refere ao desenvolvimento dos países. No Reino Unido, a remuneração do trabalho em domicílio é 13% menor do que a dos trabalhadores que não estão baseados em suas casas; nos Estados Unidos, a diferença é de 15%; na Argentina e no México, de 50%.
A flexibilidade de horário, em princípio um benefício, pode deixar de sê-lo. É o que ocorre quando a demanda é variada, o que resulta em longos tempos de ociosidade e períodos também longos de intensa atividade, o que afeta o tempo pessoal e familiar.
É alto o índice de informalidade nesse tipo de trabalho. Nem todos os que trabalham em domicílio dispõem de adequada proteção previdenciária e de assistência médica, embora em vários casos estejam mais sujeitos a riscos de acidentes de trabalho. Por estarem isolados, os que trabalham em casa nem sempre conhecem seus direitos nem têm acesso pleno a sindicatos. Por não serem treinados regularmente, não alcançam condições para avançar em suas carreiras.
Há meios para enfrentar e superar essas deficiências. Um deles é a aplicação, por mais países, das normas da OIT sobre o trabalho em domicílio (Convenção n.º 177), até agora adotadas por apenas dez países. Outro é assegurar aos trabalhadores em domicílio o exercício pleno da liberdade sindical. O combate à informalidade é outro mecanismo para dar decência e visibilidade para o trabalho em casa.
O inevitável aumento do número de trabalhadores em domicílio causado pela pandemia impõe urgência à adoção de medidas como essas, adverte a OIT.