Biden inicia guinada contra legado populista que Trump disseminou
Aprovar pacote contra pandemia é primeiro desafio; Kamala se apresenta como potencial sucessora; multilateralismo e alianças tradicionais são retomados; relação com América Latina também muda
Beatriz Bulla, correspondente, O Estado de S.Paulo
WASHINGTON – Joe Biden toma posse nesta quarta-feira, 20, com a missão de mudar a direção dos Estados Unidos e recolocar um país dividido no caminho da normalidade. A mudança na política americana aponta para uma reorientação da ordem democrática global. Com Biden, o país deve deixar de flertar com líderes autoritários e populistas que nele se espelharam, quando não o imitaram. Os EUA devem abandonar o isolacionismo, restabelecer seu “soft power” e voltar à mesa de negociações internacionais.
Com a posse de Kamala Harris como vice, primeira mulher e primeira negra a chegar à Casa Branca, os democratas acenam também para um futuro que difere muito dos últimos quatro anos.
Biden promete fim do personalismo nos EUA Foto: Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
Em novembro, 81,2 milhões de americanos votaram na chapa democrata, que representa o avesso do que foi o governo Donald Trump. Biden e Kamala receberam o maior número de votos da história americana. Durante quatro anos, o republicano explorou as divisões da sociedade como plataforma política. Os democratas terão dificuldade para romper essa polarização.
Trump atacou as instituições, inflamou a população e rompeu relações com aliados. Biden, uma saída de centro costurada dentro de seu partido, promete valorizar as instituições democráticas – ainda sob influência do ataque inédito ao Capitólio – e a dialogar com opositores.
O democrata promete privilegiar a ciência para resolver questões de saúde ou de clima e buscar saídas multilaterais no palco global. “Biden é alguém que acredita no sistema de governo americano. Por isso, escolheu para o governo pessoas com história no setor público e não indicações políticas que tentam desmantelar os órgãos para os quais trabalham. Vamos entrar em um período de estabilidade”, afirma Michael Traugott, cientista político e professor da Universidade de Michigan.
Aos 78 anos, presidente mais velho a tomar posse e ciente de que não representa a figura que inspira o eleitorado jovem, ele assume também com a promessa de ser um presidente de transição, de um mandato só. O futuro seria representado por Kamala Harris.
Assim que assumir o cargo, o democrata planeja assinar uma série de ordens executivas que confirmam sua ambição de promover uma guinada no país ao desfazer ações de Trump. O novo governo deve derrubar o veto imigratório de países de maioria muçulmana, começar a recolocar o país no Acordo Climático de Paris e tornar obrigatório o uso de máscara em prédios federais e viagens interestaduais – todas decisões contrárias às impostas por Trump.
“Trump não acredita no papel do governo e por isso os EUA sofreram na pandemia com a falta de organização e ação do governo federal. Biden tem uma visão completamente diferente sobre o papel do governo e vamos perceber isso quando discutirmos, por exemplo, distribuição das vacinas”, afirma Traugott.
Ainda nos primeiros dias, Biden planeja enviar ao Congresso o pacote de socorro de US$ 1,9 trilhão (cerca de R$ 10,8 trilhões) para alívio da economia e um projeto de reforma imigratória que garanta direitos aos que chegaram ao país ilegalmente.
Trump chegou à presidência como o mais impopular eleito à Casa Branca. Na semana anterior ao fim de seu mandato, ele praticamente não apareceu em público e foi banido das redes sociais, por onde governou. Deixa o poder com seu pior índice de popularidade, 34%, segundo o instituto Gallup, ficando entre os quatro piores da história desde Harry Truman (1945-1953). Ainda assim, ele sai após obter 74 milhões de votos na eleição de novembro, com uma base fiel e um julgamento de impeachment pendente no Senado. Um processo que poderia torná-lo inelegível.