Ministro do STJ invoca ‘prestígio à liberdade de imprensa’ e suspende interrogatório do advogado Marcelo Feller em inquérito de Lei de Segurança Nacional por críticas a Bolsonaro
Jorge Mussi considerou que, dos comentários de Feller, ‘não é possível extrair a lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado de Direito, mas tão somente severa crítica à postura do Presidente da República frente à pandemia da covid-19’
Pepita Ortega e Rayssa Motta
Foto: Reprodução
O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Jorge Mussi, determinou neste sábado, 23, a suspensão do interrogatório do advogado Marcelo Feller, no âmbito de inquérito aberto por ordem do ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, com base na Lei de Segurança Nacional. A investigação se dá em razão de declarações do advogado sobre a conduta do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus, feitas durante uma das edições do quadro ‘O Grande Debate’, da CNN transmitida em junho. A liminar tem validade até que um habeas corpus da defesa do advogado seja analisado pelo STJ.
“Não obstante a discordância que possa surgir em relação aos comentários do paciente, de uma breve análise de seu conteúdo, não é possível extrair a lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado de Direito, mas tão somente severa crítica à postura do Presidente da República frente à pandemia da covid-19”, indicou o ministro do STJ em sua decisão.
Perfil do advogado Marcelo Feller elaborado pela Divisão de Contrainteligência Policial. Foto: Reprodução
No habeas corpus ao STJ, advogado Alberto Zacharias Toron, que defende Marcelo Feller no caso, alegou que os comentários questionados se inserem no direito fundamental de liberdade de expressão e de pensamento, apontando a invocação da Lei de Segurança Nacional como indevida. O advogado frisou que a requisição de Mendonça contraria a liberdade de expressão e de imprensa.
O ministro da Justiça e Segurança Pública André Mendonça. Foto: Dida Sampaio / Estadão
Ao analisar o pedido, Mussi considerou que era aparente a ‘ausência de tipicidade da conduta, sobretudo porque, em princípio, não é possível inferir o dolo específico necessário à configuração do delito’, justificando a suspensão do interrogatório.
“Ademais, impende prestigiar a liberdade de imprensa consagrada no artigo 220 da Constituição Federal, já que esta – nas palavras do ministro Ayres Britto, a irmã gêmea da democracia – viabiliza, a um só tempo, o debate de ideias, a concretização dos valores republicanos e a responsabilidade dos governantes, que, por sua posição proeminente, devem se submeter e tolerar um escrutínio mais intenso da sociedade”, afirmou Jorge Mussi em sua decisão.
O ministro ainda lembrou do parecer da Procuradoria da República no Distrito Federal pelo arquivamento do caso. Em documento enviado ao juízo da 12ª Vara Federal do Distrito Federal nesta quinta-feira, 21, o procurador João Gabriel Morais de Queiroz avalia que não há indicativo de crime a ser investigado, sob pena de constrangimento ilegal.
Alberto Zacharias Toron. FOTO: JF DIORIO/ESTADÃO
Na manifestação, a Procuradoria observou que a LSN não pode ser usada para ‘constranger ou perseguir’ opositores políticos, por mais ‘ásperas’ que sejam suas críticas. “Apesar dos arroubos antidemocráticos e da proliferação de defensores da ditadura observada nesses últimos anos, (ainda) vivemos, no Brasil, um sistema democrático de direito e, portanto, é com base nesse contexto democrático que a LSN deve ser interpretada e aplicada”, pontua o procurador.
COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA ALBERTO ZACHARIAS TORON, QUE REPRESENTA MARCELO FELLER
“O STJ reafirma o direito à liberdade de opinião e de manifestação e pontua o desserviço à democracia que perseguições policiais desse tipo representam”.