Treze Estados não têm data para volta a escolas; mutação do vírus freia reabertura na Europa

Justiça suspendeu retorno de aulas presenciais em SP nesta quinta; relatório do Banco Mundial aponta que 720 milhões de crianças no planeta continuam afetadas pelo fechamento total ou parcial de colégios

Júlia Marques, O Estado de S.Paulo

Pelo menos 13 Estados brasileiros ainda não definiram se a retomada das aulas, planejada para fevereiro ou março, será na própria escola ou de forma remota. Com o aumento de mortes pela covid-19, governos hesitam mais uma vez sobre a liberação do ensino presencial, que ficou suspenso na maior parte de 2020. Até em locais que fixaram data de retorno, a situação é incerta: a reabertura de colégios em São Paulo foi barrada pela Justiça nesta quinta-feira, 29, com o argumento de piora da pandemia. Na Europa, mutações do coronavírus também têm freado o regresso às classes.

Especialistas em Educação apontam que o longo período de afastamento traz prejuízos socioemocionais e de aprendizagem às crianças e jovens, principalmente entre os mais vulneráveis, enquanto professores resistem à volta por medo da contaminação. Na área de Saúde, especialistas se dividem. Parte destaca as evidências científicas sobre a segurança do retorno com protocolos sanitários e o baixo risco de infecção entre os mais novos. Outros especialistas veem chance de transmissão maior com o aumento da circulação da comunidade escolar, incluindo professores, funcionários e famílias dos alunos.

EscolaNo Colégio Santa Maria, em São Paulo, que se prepara para a retomada, salas de aula são higienizadas e foram instaladas barreiras de acrílico nas carteiras Foto: Daniel Teixeira/ Estadão

Com a rede de saúde colapsada, o Amazonas é um dos que não têm previsão de retorno. Bahia, Roraima e Pará estão sem calendário escolar ou planos de reabrir colégios. Outros Estados, como Piauí, Amapá e Minas, têm data para retomar aulas, mas não definiram o modelo: se remoto, presencial ou híbrido. Os Estados dizem acompanhar as condições sanitárias para tomar a decisão. É o caso do Maranhão, onde o início do ano letivo está marcado para 8 de fevereiro, mas o modelo – remoto ou híbrido – segue indefinido, a pouco mais de uma semana da data.

“Monitoramos os dados diariamente e eles nos indicam que não temos condição de retorno”, justifica Jerônimo Rodrigues, secretário de Educação da Bahia, Estado que não garantiu nem mesmo o ensino remoto para toda a rede em 2020 . Em Mato Grosso, o ano letivo de 2021 também começa no dia 8, mas de forma apenas online ou por meio de apostilas. No Tocantins, as aulas na rede estadual estão previstas para iniciar só em abril. “O formato das atividades desenvolvidas será determinado conforme a situação pandêmica no Estado”, informou o governo.

Outros 13 Estados já têm datas para voltar às escolas – apenas Rondônia não respondeu à reportagem. Em Goiás, as aulas foram retomadas esta semana com rodízio – até 30% dos alunos podem ir a cada dia. Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo já definiram a reabertura em fevereiro. Em São Paulo, as escolas foram consideradas serviços essenciais e incluídas no plano de reabertura mesmo nas fases mais restritivas da pandemia (vermelha e laranja). Hoje, todo o Estado está nesses dois níveis.

Antes da decisão judicial que barrou o retorno, as escolas estaduais previam aulas presenciais a partir do dia 8 de fevereiro. Na capital paulista, o aval foi dado para reabrir escolas particulares e municipais a partir da próxima segunda-feira, com 35% dos estudantes. Grupos de pais também têm cobrado o retorno, como o Movimento Escolas Abertas. O governo paulista informou na noite dessa quinta, 28, que não havia sido notificado e que seguia seu planejamento original. O Estado vai recorrer.

Na sentença, a juíza Simone Casoretti, da 9.ª Vara da Fazenda Pública da Capital, citou o “agravamento da pandemia”, o colapso no sistema de saúde em algumas regiões do País e as novas variantes do vírus que “podem contribuir para o aumento do número de pessoas infectadas”.  Entre as cepas do Sars-CoV-2 recém-identificadas, estão a britânica, a sul-africana e a amazonense, que pode ter maior poder de transmissão.

Veja os planos dos Estados

  • Ano letivo começa em janeiro, fevereiro ou março, com aulas híbridas (presenciais e remotas)

Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio, Espírito Santo, Sergipe, Ceará, Alagoas, Goiás, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Em São Paulo, o plano era de aulas híbridas em 8 de fevereiro, mas a Justiça suspendeu a volta.

  • Ano letivo começa em fevereiro  apenas de forma remota

Piauí e Mato Grosso.

  • Ano letivo começa em fevereiro e março sem definição de tipo de aula

Mato Grosso do Sul, Paraíba,  Maranhão, DF, Amapá e Minas.

  • Ano letivo começa só depois de abril

No Tocantins, o ano letivo começará em abril e não há definição de modelo de aulas. No Acre, será em maio, inicialmente com previsão de aula presencial.

  • Sem previsão de início do ano letivo nem tipo de aula

Amazonas, Bahia, Roraima e Pará. A reportagem não obteve resposta sobre Rondônia

Europeus adiam retorno aos colégios

O temor sobre as mutações do vírus também tem freado o movimento de reabertura das escolas na Europa. Relatório do Banco Mundial aponta que, no mundo, 720 milhões de crianças continuam afetadas pelo fechamento total ou parcial dos colégios – número maior do que o observado em novembro, de 693 milhões. Segundo o Banco Mundial, “muitos países na Europa começam este ano estendendo o fechamento das escolas em parte por causa das preocupações sobre as cepas mais transmissíveis da covid-19”.

Em Portugal, o governo determinou em 21 de janeiro o fechamento de escolas e universidades por 15 dias. O ensino deve ser retomado em 8 de fevereiro, mas apenas a distância. A Alemanha também anunciou extensão do lockdown até 14 de fevereiro e o prosseguimento do ensino remoto. Jardins de infância e pré-escolas oferecem cuidados infantis de emergência conforme necessário.

Reino Unido, que enfrenta pico da nova variante da covid-19, também suspendeu aulas na escola e destaca “o desafio que as novas variantes trazem”. Na Bélgica, onde uma em cada cinco contaminações é detectada em crianças e adolescentes, o ministro da Saúde, Frank Vandenbroucke, disse que “a vida na escola pode se tornar fonte de contaminação”.

Já na França, as escolas permanecem abertas, enquanto o país tem toque de recolher das seis da tarde às seis da manhã. O governo francês, porém, admitiu esta semana considerar novas restrições para frear o vírus. Já a Espanha mantém os colégios abertos.

Em momentos extremos, é importante pensar ‘para quem abrir’

Desde o 2º semestre de 2020, especialistas têm criticado a falta de prioridade dada à educação durante a pandemia, exposta pela opção de reabrir bares ou academias antes dos colégios. Para Claudia Costin, ex-diretora de Educação do Banco Mundial, os países vivem “momento complicado da pandemia”, mas o cenário na Europa pode dar pistas para ações mais customizadas no Brasil, caso a situação da covid-19 se agrave. A lógica nos países europeus, afirma, é ter momentos de fechamento e abertura das escolas em 2021. “O Brasil praticamente manteve, no ano letivo inteiro, as crianças longe da escola. Não houve estratégia de fecha e abre”.

No ano passado, mesmo em lockdown, a Europa manteve escolas abertas. E, agora, os países europeus que fecharam suas escolas não o fizeram de forma total. “Portugal e Reino Unido estão abrindo escolas para as crianças em vulnerabilidade. Tem uma tendência na Europa de ter um olhar para a equidade”, diz ela, pesquisadora da FGV. Segundo Claudia, a forma como o Brasil vem fechando suas escolas penaliza os mais pobres.

Mais do que decisões binárias, de abrir ou fechar escolas, Claudia diz que é preciso que as redes brasileiras façam o mapeamento de grupos vulneráveis e planejem o atendimento presencial prioritariamente a estes – ela lembra que o próprio cadastro do Bolsa Família pode servir de parâmetro para a identificação desses estudantes. Alunos que não têm equipamentos eletrônicos ou que não entregaram atividades também deveriam ser priorizados. No Estado do Rio, que já ensaia medida desse tipo, será dada prioridade para o retorno presencial dos estudantes que não possuem acesso às plataformas digitais.

Em um retorno com limitações, a faixa etária também pode ser um critério. “O raciocínio que tem sido adotado na Europa é que, em situações-limite, jovens têm mais autonomia para aprender em plataformas digitais do que crianças pequenas”, diz Claudia. Ela destaca ainda experiências fora do padrão, como a de Jundiaí (SP), que construiu uma solução de aulas ao ar livre.

E, nas situações em que houver avaliação de risco de classes presenciais, as unidades podem ficar abertas para plantão de dúvidas, entrega de atividades e até receber denúncias. No ano passado, enquanto os colégios estavam fechados, professores fizeram busca até em canoas para chegar aos estudantes – estratégia que não alcança a maioria. “É fundamental deixar escolas abertas, em um período em que não há segurança para ter aulas, para ter um polo de contato.”

Cientistas se dividem sobre riscos de novas variantes

Virologista da Universidade Federal de Minas (UFMG), Jônatas Santos Abrahão diz que a detecção de novas variantes nos Estados não deve ser, sozinha, um indicador para abrir ou fechar estabelecimentos, como escolas. “Os melhores parâmetros são o fator de transmissão e as taxas de ocupação de leitos de UTI para covid e enfermaria.” Até agora, a cepa de Manaus só foi rastreada, além do Amazonas, em São Paulo. le pondera que uma variante que se dissemina com muita facilidade em certa região pode não ser tão “competente” em outra e, portanto, são importantes monitoramento e detecção das cepas em circulação.

Já a epidemiologista Ethel Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), entende que o cenário da covid-19 agora é diferente do que o que se viu no fim de 2020. “A variante britânica conseguiu ser mais transmissível entre jovens.” Para ela, o momento não é adequado para o retorno. “Estamos na subida da segunda onda, em um momento totalmente diferente de quando abrimos as escolas em setembro. O que precisamos fazer é manter escolas fechadas, fechar mais coisas para conter a transmissão e ter  vacinação em massa.”

Para o infectologista Carlos Magno Fortaleza, é possível o retorno seguro à escola, desde que com protocolos e poucos alunos – posicionamento também defendido por pesquisadores do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em estudo publicado na terça-feira, 26. “O problema é tudo o que acontece ao redor, em volta e por causa da escola, como transporte coletivo e aglomerações na saída”, disse o médico do Centro de Contingência do Coronavírus, ligado ao governo paulista.

As novas variantes devem ser um ponto de atenção, diz, e é preciso retroceder quando preciso. “Se descobrirmos que a situação atual em São Paulo é por causa da variante amazônica, vamos entender que a variante está se comportando dentro do previsível aqui. Mas, se descobrirmos que já estamos no caos e vai chegar variante pior, que ainda está se introduzindo, aí precisaremos de medidas mais fortes ainda”, destaca ele, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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