No fim das negociações, é capaz de o governo pagar para vender a Eletrobrás
O mais correto deveria ser retirar o projeto de privatização que está no Congresso e começar do zero
Elena Landau*, O Estado de S.Paulo
30 de junho de 2017, dia de reunião do Conselho de Administração da Eletrobrás. No café da manhã fui surpreendida pela primeira página do jornal Valor Econômico, “Furnas estreia toma lá, dá cá”. “Governo troca comando de Furnas para atender presidente da CCJ”, dizia a matéria e indicava que a mudança seria ainda apreciada na reunião daquele dia.
Era época da discussão do processo de impeachment de Temer e ninguém menos que Rodrigo Pacheco, o atual presidente do Senado, estava no comando da CCJ. Eu era presidente do conselho e não pautei o assunto. Logo em seguida pedi demissão.
O apetite dos políticos é insaciável, e o governo se utiliza disso como moeda de troca. Não depende da área de atuação. É da natureza de uma empresa pública ser abusada pela má política. Só resolve privatizando.
Processo de venda da Eletrobrás começou errado e pau que nasce torto, morre torto. Foto: Pilar Olivares/Reuters
Wilson Ferreira saiu ao sentir que Pacheco despontava como provável vencedor da disputa pelo Senado. Ele sempre foi contra a privatização da Eletrobrás. Mas, não está sozinho, lideranças da Região Norte, destacadamente Eduardo Braga e Alcolumbre, também não gostam da ideia.
Nunca fui otimista sobre essa venda. Também não sou fã do processo. Ele começou errado e pau que nasce torto, já se sabe, morre torto. Pela primeira vez no Programa Nacional de Desestatização (PND), ainda no governo Temer, um projeto de lei definia a modelagem antes mesmo da liberação legislativa de sua venda. Erro fatal. Ao Congresso cabe, em casos excepcionais, apenas a autorização para a privatização. Não é dele a atribuição para a avaliação técnica.
Em 1995, FHC incluiu a Eletrobrás, por decreto, no PND, mas Lula a retirou, com uma lei. Só por isso, uma nova lei era necessária. Uma exceção à regra, já que a lei do PND é uma autorização legislativa genérica, para o Executivo vender o que achar por bem. Bastava ter proposto um texto simples: “Revoga-se o art. 31, §1.º da Lei 10.848/04”. A partir daí, os procedimentos tradicionais seriam iniciados com contratação de consultores pelo BNDES, que fariam estudos técnicos, análise da forma de venda e definição de valores. E se alguma legislação fosse necessária, seria enviada para consolidar, e não iniciar, o processo. Assim foi feita, por exemplo, a venda do sistema Telebrás.
O PL 5.877/2019 foi apresentado pelo atual governo, e na essência repetiu o projeto de Temer. Nele já está tudo definido: a desestatização ocorre por meio de aumento de capital, com diluição da União. A operação ainda está condicionada à mudança do regime de contratação por cotas, com preços de energia artificialmente baixos, criado pela MP 579/12, para o regime de produção independente, com preços mais realistas. A Eletrobrás deve pagar um bônus de outorga por isso. Esse foi o mecanismo pensado para valorizar a empresa ao melhorar seu fluxo de recebíveis, ao mesmo tempo que permite que parte dos recursos obtidos chegue ao Tesouro.
Não se tem conhecimento de estudos que levaram à decisão da capitalização vis-à-vis à venda de controle, operação na qual a União recebe recursos diretamente, enquanto na oferta pública elas vão para o caixa da empresa. Como também não foi avaliada a possibilidade da venda de subsidiárias em separado com o objetivo de gerar mais competição no segmento de geração. O cálculo do valor do bônus a ser pago é, para mim, ainda um mistério, assim como a definição do limite de 10% para cada investidor na nova empresa
A desestatização da Eletrobrás perambula pelo Congresso desde 2018. É um precedente ruim; delegar ao Legislativo uma tarefa técnica que sempre foi prerrogativa do Executivo, e transformá-la em um debate político. No jogo de faz de conta, acena com uma medida provisória. Pior ideia impossível. Para mim, o mais correto deveria ser retirar o projeto de lei que está no Congresso e começar do zero, pensando no setor e nos consumidores e não no caixa, seja da empresa seja da União.
Nesses três anos, desde a decisão de vender, já teria dado tempo para a realização de estudos e debates sobre alternativas. Para complicar ainda mais o assunto, a concessão de um dos mais relevantes complexos de geração do grupo, Tucuruí, está para vencer e não se sabe se sua outorga será leiloada em separado, o que seria mais vantajoso para o governo, ou não.
Deixar detalhes da modelagem de venda como parte negociável com o Legislativo foi péssima ideia. O governo já entrou no jogo perdendo. Boa parte do dinheiro a ser levantado na operação vai para assuntos que nada têm a ver com a empresa, nem com a melhoria do setor. Aumento de aportes para o São Francisco ou a demanda de fundos para o Norte e o Nordeste absorvem recursos que deveriam ser disputados na discussão da lei orçamentária. A redução de tarifas pode e deve ser feita pelo cancelamento de subsídios desnecessários e não com transferência de dinheiro da União.
Nem governo nem Legislativo têm pressa para vender. Menos diretorias, menos conselhos, menos mercadoria política. Do jeito que anda, ao fim das negociações, é capaz de o governo acabar pagando para vender a empresa.