A recuperação perde força
Serviços e comércio fraquejam no momento em que a inflação ganha força
Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
Sinais mais evidentes da fragilidade do cenário econômico começam a criar dúvidas sobre a velocidade e a consistência da recuperação que se desenhava a partir de meados do ano passado. O que, por algum tempo, pareceu ser uma recuperação em “V” – caracterizada por queda acentuada da atividade econômica seguida de recuperação em velocidade às vezes até maior do que a da queda – começa a configurar uma evolução bem menos auspiciosa. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram forte perda de ritmo em segmentos vitais, como o de serviços e o de comércio varejista.
Resultados mensais ou os acumulados ao longo de 2020 mostram seu pior desempenho em muitos anos. A atividade econômica está perdendo vigor num momento em que a inflação dá sinais no sentido oposto, ganhando impulso. O quadro preocupa pessoas responsáveis e preocupadas com as condições de vida da população, mas no centro das decisões políticas em Brasília parece não haver muitas pessoas com essa característica, o que tende a piorar as coisas.
Adjetivos pouco usuais nas frias avaliações dos analistas do mercado financeiro foram utilizados depois de conhecidos os resultados do comércio varejista em dezembro (e em todo o ano passado). “Fraco” ou “ruim” foram as expressões mais moderadas para avaliar a queda de 6,1% nas vendas do varejo em dezembro, na comparação com novembro. “Incrível”, “total desastre” foram outras expressões empregadas para avaliar o resultado. Estas talvez sejam mais apropriadas.
Foi a maior queda registrada no último mês do ano desde que o IBGE começou a pesquisa. Com a queda de dezembro, praticamente todos os resultados positivos acumulados no período da recuperação foram consumidos. No fim do ano passado, as vendas do varejo estavam no mesmo nível de fevereiro, isto é, antes que a pandemia de covid-19 afetasse duramente a vida das pessoas e a atividade econômica. No ano, houve alta de 1,2%.
Quanto ao varejo ampliado, que considera também o comércio de veículos, motos, partes e peças, além de material de construção, o volume de vendas em 2020 foi 1,5% menor do que em 2019. Em valor, houve alta de 3,3%.
Mais impressionante, nesse cenário que parece perder sustentação, é a queda de 7,2% dos serviços em 2020, no pior resultado desde 2012. Como se sabe, os serviços respondem por mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Por isso, esse resultado afetará os números finais do PIB em 2020, que serão conhecidos em março.
Em dezembro, o volume de serviços prestados caiu 0,2% em relação a novembro, o que interrompeu uma sequência de seis altas mensais. Essas seis altas consecutivas foram insuficientes para repor as perdas decorrentes da pandemia.
O recrudescimento da pandemia é um dos principais responsáveis pela queda dos serviços. O aumento do número de casos exige medidas mais rigorosas para conter a contaminação, com mais restrições à circulação de pessoas. O caráter presencial caracteriza boa parte dos serviços. Por isso, a recuperação depende em boa medida da contenção da crise sanitária. E isso, de sua parte, depende da velocidade e da amplitude da vacinação da população. Sua imunização é essencial para a retomada dos serviços.
Também o comércio, que registrou queda acentuada em dezembro, está sendo afetado pelo recrudescimento da pandemia, que impõe restrições ao horário de funcionamento dos estabelecimentos.
Há, obviamente, outros fatores, além da pandemia, que prejudicam o desempenho do comércio e dos serviços. A inflação, sobretudo a dos alimentos, afeta mais o orçamento das famílias de menor renda, que gastam proporcionalmente mais com comida que as demais. O desemprego continua em níveis muito altos e gera insegurança em boa parte dos consumidores. O fim do pagamento do auxílio emergencial reduziu a margem financeira das famílias para o consumo.
Ainda não há sinais de que esse conjunto de fatores mudará no curto prazo.