Um grande passo na OMC
Escolha da diretora pode ser um ganho importante para a ordem multilateral
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Mais que promissora, a escolha de uma economista nigeriana para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC) representa um ganho para a ordem multilateral e, portanto, para a convivência civilizada. É mais uma derrota para os inimigos do multilateralismo, como o ex-presidente Donald Trump e seus seguidores, incluído, até recentemente, o presidente Jair Bolsonaro. Quando tomar posse, em primeiro de março, Ngozi Okonjo-Iweala será a primeira mulher e a primeira personalidade africana a exercer a direção-geral da OMC, entidade hoje formada por 164 países. Mas a diretora recém-escolhida se diferencia também, e principalmente, por outras qualificações.
Com graduação em Harvard e doutorado no MIT, a economista ocupou a diretoria-geral do Banco Mundial, segundo posto na hierarquia, depois de 25 anos na instituição. Foi ministra de Relações Exteriores e duas vezes ministra das Finanças da Nigéria, participou de vários grupos e entidades internacionais, foi copresidente da Comissão Global da Economia e do Clima e fundou em seu país o Centro de Estudos das Economias da África.
Oito candidaturas foram retiradas durante os estágios de seleção, iniciados em setembro. Durante as consultas conduzidas pelo Conselho Geral, o número de candidatos foi reduzido a cinco e em seguida a dois. No fim de outubro o nome da nigeriana tinha apoio quase total, mas o presidente Donald Trump impediu o consenso, apoiando o nome da ministra coreana Yoo Myung-hee. A representante da Coreia acabou renunciando à disputa. Em seguida, o recém-eleito presidente Joe Biden anunciou “forte apoio” a Ngozi Okonjo-Iweala.
A mudança da posição americana envolve muito mais que a transferência de apoio à candidata escolhida pela maioria do Conselho Geral. Durante anos, o presidente Trump tentou usar o peso econômico dos Estados Unidos para impor sua vontade à OMC. Impediu o pleno funcionamento do aparelho de solução de controvérsias, componente essencial do sistema, entravando a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação.
Em dezembro de 2019 o órgão ficou paralisado pela primeira vez em 22 anos. Com recursos para serem julgados, o Brasil foi um dos países atingidos pela interrupção dos trabalhos. Quem perguntasse algo sobre o assunto ao presidente Jair Bolsonaro ou a seu ministro de Relações Exteriores perderia tempo ou, pior que isso, poderia arriscar-se a ouvir algo bolsonariano-trumpista.
O final da gestão do último diretor-geral, o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo, foi prejudicado pela ação do governo americano, empenhado em mandar na OMC de acordo com o populismo nacionalista do presidente Trump. A ação internacional da Casa Branca foi em grande parte dominada pela rivalidade com a China.
Também nisso o presidente Bolsonaro obedeceu à orientação trumpista, seguindo a diplomacia americana em ação antichinesa, na OMC, em julho do ano passado. O presidente brasileiro parece haver esquecido – ou talvez ignorasse? – a importância da China como maior mercado importador de produtos brasileiros. Ele, alguns de seus ministros e seu filho Eduardo mais de uma vez cometeram agressões ao governo chinês, acusando-o, por exemplo, de usar a tecnologia 5G para espionagem.
A futura diretora-geral da OMC deverá trabalhar pela reforma do sistema comercial, ajustando-o às condições do século 21 – para atender às necessidades globais, algo muito diferente de servir ao nacionalismo trumpista. As pressões da Casa Branca, no período de Trump, dificultaram esse programa. Terá de rever as formas de operação da entidade. Além disso, deverá enfrentar problemas imediatos, associados à crise sanitária.
No primeiro pronunciamento depois de anunciada sua escolha, a economista Ngozi Okonjo-Iweala falou sobre a urgência de cuidar dos efeitos econômicos e sanitários da pandemia, passo indispensável para a revitalização do comércio. O Itamaraty, em mais um passo para recompor a imagem da gestão Bolsonaro, saudou a escolha. Mas será preciso muito mais para incluir o País no jogo da construção global.