Fachin assume lugar de Celso de Mello nas críticas a Bolsonaro e aos militares
Ministro já citou a “remilitarização do governo civil” como um dos sete sintomas que revelam a existência da “corrupção da democracia”
Por FOLHAPRESS
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Com a aposentadoria de Celso de Mello, o ministro Edson Fachin assumiu o posto no STF (Supremo Tribunal Federal) de principal crítico do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e da atuação política de militares. Assim como fez o ex-decano da corte no início do atual governo, o magistrado tem alertado para eventuais riscos à democracia que a militância bolsonarista pode representar.
O último episódio de acirramento na relação entre o Supremo e o Palácio do Planalto surgiu justamente de uma nota em que Fachin responde ao ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas e afirma ser “intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”.
O ministro se referia às revelações do general da reserva de que a publicação de um tuíte em 2018 para pressionar a corte um dia antes do julgamento que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi elaborada por ele junto com “integrantes do Alto-Comando” das Forças Armadas.
Com as críticas aos militares e ao chefe do Executivo, Fachin manda sinais para a esquerda, responsável pela sua indicação ao STF e por quem é considerado inimigo político desde que assumiu a relatoria da Lava Jato na corte.
Não foi apenas no embate com Villas Bôas que Fachin criticou a movimentação política de militares.
Em recente entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o ministro citou a “remilitarização do governo civil” como um dos sete sintomas que revelam a existência da “corrupção da democracia” no Brasil. E classificou como preocupante a presença do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. “Quanto mais isolado, quanto menos isso ocorrer [militares no governo], mais saúde terá a democracia brasileira.”
Relator da Lava Jato no STF, o magistrado será presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) entre fevereiro e agosto de 2022, ano de eleição presidencial, e tem apontado o comportamento de Bolsonaro como um risco ao sistema eleitoral brasileiro.
Sem mencionar o presidente, ele listou à Folha a “recusa antecipada de resultado eleitoral adverso” e a “depreciação do valor do voto” como outros sintomas da corrupção democrática do país.
A afirmação ocorreu pouco mais de um mês depois de o chefe do Executivo ter declarado que o Brasil pode ter um “problema pior que nos Estados Unidos” caso não tenha voto impresso no pleito de 2022.
Bolsonaro fez referência à invasão do Congresso americano por uma multidão que não aceitava a vitória de Joe Biden contra Donald Trump, aliado do presidente brasileiro.
Fachin, no entanto, teme que o risco no Brasil seja maior, uma vez que nos Estados Unidos não houve “adesão de lideranças políticas à tentativa de golpe nem ocorreu a atuação ilegítima das forças de segurança e das Forças Armadas”.
Em outra oportunidade, o ministro aproveitou o golpe militar em Mianmar no início deste mês para mandar recados ao Palácio do Planalto.
“O colapso da democracia, nesse norte, é semeado na pré-temporada do discurso. Na sombra das palavras jaz a sub-repção. Cumpre vigiar”, disse, por meio de nota, em 2 de fevereiro.
Naquele país, os militares alegaram fraude nas eleições, prenderam a cúpula do governo civil e assumiram o poder.
Fachin foi o único integrante do STF a comentar o tema de maneira mais enfática e disse que “ataques à credibilidade dos pleitos avultam como estratégias coordenadas” para “formar um caldo de cultura” que justifique a não aceitação do resultado das eleições.
“Ao redor do planeta a perversa desmoralização das eleições invade a espacialidade discursiva como parte de projetos que visam ao colapso das democracias”, afirmou.
O ministro tem sido visto no tribunal como o sucessor de Celso de Mello, que se aposentou em outubro do ano passado, no enfrentamento a Bolsonaro e à participação política de militares no governo.
Em maio do ano passado, no auge da crise entre os Poderes, quando Bolsonaro participou de manifestação que pedia fechamento do Congresso e do Supremo em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, o então decano da corte deu a declaração mais dura de um ministro da corte contra o presidente.
Celso comparou o Brasil à Alemanha de Hitler e disse que bolsonaristas querem “abjeta ditadura”.
“Guardadas as devidas proporções, o ‘ovo da serpente’, à semelhança do que ocorreu na República de Weimar (1919-1933) parece estar prestes a eclodir no Brasil”, afirmou em mensagem enviada a outros ministros do Supremo.
Agora, apesar de ainda não ter feito uma comparação tão pesada, Fachin tem adotado a mesma linha de fazer alertas para o risco dos ataques da militância bolsonarista às instituições.
Essa também é uma forma do ministro de tentar se reconciliar com a esquerda, que garantiu sua ascensão ao Supremo e passou a criticá-lo pela defesa que faz da Lava Jato.
A posição favorável à operação e crítica do atual governo, no entanto, faz com que seja criticado por ambos os campos políticos.
Após comentar as revelações de Villas Bôas sobre os bastidores da publicação de um tuíte às vésperas do julgamento de Lula, o ministro foi ironizado pelo próprio general da reserva pelo fato de a reação ter ocorrido três anos depois e também foi contestado pelo petista.
Na última quinta-feira (18), em entrevista ao UOL, Lula questionou o momento escolhido por Fachin para comentar o caso.
“Por que o Fachin veio falar agora três anos depois? Por que se acovardou na hora?”, questionou o petista.
Em 2015, porém, a maior parte do PT apoiou e comemorou a escolha de Fachin.
Na época, a então presidente Dilma Rousseff (PT) já estava com a popularidade em baixa e enfrentava críticas inclusive da esquerda por ter adotado uma linha econômica mais liberal ao nomear Joaquim Levy para o comando do Ministério da Fazenda.
A presidente, então, decidiu nomear Fachin como um aceno a partidos considerados progressistas e aos movimentos sociais.
Advogado de carreira, ele contava com extenso currículo acadêmico, mas questionamentos surgiram devido à vinculação com o partido da então presidente.
Em 2010, Fachin chegou a participar de um evento em apoio a Dilma e a ler um manifesto, em nome de inúmeros juristas, a favor da eleição da petista.
O ministro chegou ao Supremo de maneira discreta. O magistrado não costuma dar entrevistas e usa uma linguagem mais técnica ao proferir seus votos.
No início de 2017, porém, Teori Zavascki, que era o relator da Lava Jato, morreu em um acidente de avião e Fachin agiu para assumir seu lugar à frente da operação que gozava de amplo prestígio popular.
Desde então, tornou-se um dos principais defensores da operação que levou à debacle do PT e, como consequência, passou a ser criticado pelo partido do qual era próximo e o responsável pela in