O risco da travessia

Todas as outras grandes capitais do país tiveram nas últimas décadas investimentos vultosos em mobilidade. Belo Horizonte ficou parada

Vittorio Medioli

Depois de garantir recursos de R$ 5 bilhões no bojo de R$ 37,6 bilhões, montante do acordo indenizatório com a Vale, o governo de Estado deverá promover a discussão pública sobre o traçado do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte. É obra aguardada há décadas para desafogar o antigo Anel Rodoviário, que coincide com o traçado oficial da BR–040, entre a Mutuca e a entrada de Brasília, e racionalizar a mobilidade na capital.

Popularmente conhecido como Anel, ele também liga as regiões industrializadas de Contagem e Betim ao norte e ao leste do país e recebe, assim, uma intensa movimentação de veículos pesados. Bem por isso o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, antes que se registrasse uma queda acentuada de trânsito, efeito da retração provocada pela pandemia, cogitou barrar a passagem de caminhões no Anel em horários diurnos, como forma de preservar a mobilidade na capital e dar um fim aos contínuos acidentes rodoviários.

Fácil de se cogitar, mas geraria um efeito devastador nas ligações norte-sul e leste-oeste, não só para Minas Gerais, como para outros Estados. Não existem alternativas imediatas, e isso surge como limitador das ambições de progresso no próprio desenvolvimento da região mais povoada de Minas.

Todas as outras grandes capitais do país tiveram nas últimas décadas investimentos vultosos em mobilidade. Belo Horizonte ficou parada, desatualizada e altamente prejudicada, vítima da guerra surda e fria travada entre governos petistas e tucanos em níveis federal e estadual. Os grandes investimentos foram pra todo lado, até para Venezuela e Cuba, para evitar beneficiar Minas Gerais.

Neste momento cabe, pois, resgatar a região do atraso. A proposta de traçado do Rodoanel Metropolitano apresentada oficialmente pelo Estado surpreendeu quem aguardava exatamente um anel, e não uma travessia. Digo anel mesmo, aquele que passa em volta e deixa no centro os principais municípios metropolitanos, interligando as principais vias de acesso e saída da região metropolitana de BH.

Entretanto, o projeto proposto corta ao meio regiões densamente povoadas, especialmente em Ibirité, Betim e Contagem. Conceitualmente, o modelo de travessia encurtaria, segundo o Estado, o traçado do Anel em 40 km, mas isso é equivocado. Além do mais, a sinuosidade do percurso aumentará a periculosidade do trânsito numa via de escoamento rápido.

A Secretaria de Obras de Betim, dispondo de equipamentos e técnicos habilitados para uma análise cuidadosa da proposta, realizou um estudo sobre o traçado. Concluiu que o formato (de travessia) é desvantajoso em relação ao traçado de anel, que é perfeitamente possível, de fácil desapropriação e na pior das hipóteses aumentaria em apenas 5% a extensão de toda a obra viária, passando dos 100 km, estimados para a travessia, para um máximo de 105 km. Isso garantindo a interligação de todas as BRs (enquanto na proposta do Estado exclui-se a BR–262, saída para o Triângulo).

A travessia implica mais dificuldades, demoras e ônus com milhares de processos de desapropriação de residências, imóveis comerciais e inúmeras intervenções complementares, para atender interferências nos bairros impactados e cortados ao meio de forma irremediável. E, ainda, com situações de poluição visual, sonora e paisagística.

O custo por metro quadrado de um viaduto fica em torno de R$ 15 mil, e, numa largura de 40 m, apenas 8 km absorvem R$ 4,8 bilhões; quer dizer, o valor inteiro previsto no acordo da Vale.

Quando se fala em viadutos, entende-se também a elevação de trechos que se faz necessária para vencer obstáculos urbanos que de outra forma gerariam uma agressão imperdoável à população residente.

Já o trajeto da obra em áreas não povoadas e, portanto, necessitado apenas de terraplenagem, resulta num custo estimado de R$ 20 milhões por quilômetro, ou R$ 2 bilhões. Valor que se encaixa nas previsões normais da parte viária e das ligações.

A região metropolitana de BH precisa que essa obra aconteça rapidamente, para evitar um colapso em sua malha viária, já sufocada. Portanto, as escolhas e decisões sobre o projeto devem levar em séria e cuidadosa consideração aspectos estratégicos e os custos de execução para que se chegue à mais rápida execução da obra inteira.

É um risco confiar que o modelo de privatização, como um toque de mágica, possa solucionar um projeto (de travessia) evidentemente inconsistente e de improvável execução, especialmente quando existe outro, viável, econômico e que permitirá, dentro do Anel ainda, a expansão das próximas décadas.

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By valeon