Ingerências na Petrobrás não são uma novidade do atual governo
Desde a democratização, todos os governos adotaram intervenções na empresa em diferentes contextos
José Márcio Camargo*, O Estado de S.Paulo
A intervenção do presidente da República na Petrobrás gerou forte volatilidade nos mercados financeiros e aumento de incerteza. Ainda que seja uma prerrogativa do sócio majoritário, no caso o governo, indicar o presidente da estatal para a aprovação de seu Conselho de Administração, a pergunta que ficou no ar é se esta intervenção foi localizada ou indica uma mudança mais geral na política econômica em direção a algo mais intervencionista, menos liberal e mais populista. A reação dos investidores foi imediata e bastante negativa: fuga de recursos do País, desvalorização do real, inclinação da curva de juros e queda generalizada nos preços das ações, principalmente das empresas estatais. A permanência do ministro da Economia no cargo chegou a ser colocada em dúvida.
Intervenções na Petrobrás não são uma novidade, nem é uma prerrogativa do atual governo. Sem levar em consideração o período autoritário, durante o qual a empresa foi gerenciada segundo os interesses do Executivo, todos os governos desde a democratização adotaram intervenções na empresa em diferentes contextos. Sem dúvida, a forma como a decisão de substituir o presidente da empresa foi anunciada, através de uma “live” pública, intensificou o mal-estar entre os investidores.
A situação da Petrobrás é delicada. Além de ser a maior produtora de petróleo do País, um produto que é insumo para praticamente tudo o que se produz hoje e, portanto, qualquer variação em seus preços afeta diretamente todos os setores e agentes da economia, a empresa é monopolista no refino da commodity e, portanto, tem grande poder de determinar o preço para o consumidor final dos derivados do petróleo, em especial, gasolina e óleo diesel.
Por ser uma empresa de economia mista, precisa atender aos interesses dos sócios minoritários, que são privados, e do sócio majoritário, que é o Estado. A questão é que nem sempre os interesses dos sócios privados coincidem com os do sócio majoritário. E sempre que isto ocorre, o incentivo para que o sócio majoritário faça alguma intervenção para atingir seus próprios objetivos acaba dominando o cenário.
Em geral, o impasse ocorre na definição da política de preços da empresa. Para os sócios privados, seguir os preços internacionais do petróleo é importante, pois significa maximizar os lucros da empresa e, portanto, seu valor de mercado. Porém, para o controlador, quando os preços internacionais da commodity estão em trajetória de forte elevação, repassar estes aumentos para os preços internos do produto significa aumentar a taxa de inflação, o que afeta a popularidade do governo. A questão dos caminhoneiros intensifica este conflito.
Existem duas soluções extremas para este dilema: a venda do controle da companhia por parte do governo ou a completa estatização. A questão é que nenhuma destas duas possibilidades parece estar no horizonte no momento. Uma pergunta é se existe alguma solução intermediária.
A política da atual diretoria de vender uma parte importante do parque de refino, além de gerar recursos para reduzir o endividamento da companhia, teria o efeito de aumentar a competição nos mercados de derivados do petróleo, reduzindo o poder de mercado da Petrobrás nestes mercados, o que amenizaria o dilema. Neste sentido, uma pergunta importante é se esta estratégia será mantida pela futura diretoria. Uma reversão desta estratégia seria um importante sinal de mudança em direção a uma política econômica mais intervencionista.
Após a intervenção na Petrobrás, o governo enviou ao Congresso medida provisória regulando a privatização da Eletrobrás e projeto de lei para iniciar o processo de privatização dos serviços dos Correios, por meio de concessões e parcerias com o setor privado. São sinais positivos. Entretanto, insuficientes para reverter o estrago causado pela intervenção. Os investidores continuam desconfiados!
*PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA-CHEFE DA GENIAL INVESTIMENTOS