STF nunca foi fechado, mas teve ministros cassados pela ditadura militar
Para incitar golpe contra o Supremo, postagem no Facebook distorce fatos da história do Tribunal
Samuel Lima, especial para o Estadão
Para incitar um golpe militar no Brasil, uma postagem viral nas redes inventa que o Supremo Tribunal Federal (STF) “já foi fechado uma vez”, durante o período da ditadura militar (1964-1985), porque os ministros supostamente concederam “habeas corpus para criminosos comunistas”. A alegação é falsa, pois a Corte nunca deixou de funcionar, mesmo durante o regime — ainda que os militares tenham ampliado arbitrariamente o número de integrantes, cassado ministros e enfraquecido os poderes da cúpula do Judiciário, entre outros ataques contra a autoridade do órgão.
O diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Oscar Vilhena, explica que o STF jamais foi fechado. A Corte mais alta do País recebeu o nome de Supremo Tribunal Federal em 1890. “Tanto na ditadura Vargas quanto na militar, alguns de seus ministros foram cassados”, disse.
Essa informação também consta em um texto disponível no próprio site do STF. O artigo destaca que o regime militar não interrompeu o funcionamento do Supremo, como fez três vezes com o Congresso Nacional. “Apesar da pressão constante dos militares sobre a Corte — inclusive na nomeação de novos ministros — não era interessante ao regime chegar ao ponto de fechá-lo, porque isso configuraria a ditadura na sua forma mais primitiva. Por isso, o Supremo permaneceu aberto, mas sob a extrema ingerência dos militares”, mostra a publicação.
A postagem analisada pelo Estadão Verifica distorce um fato ocorrido em 16 de janeiro de 1969, poucas semanas após a edição do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, o mais duro instrumento de repressão da ditadura militar. O presidente Artur da Costa e Silva (1967-1969) decretou a aposentadoria compulsória de três dos 16 ministros do STF — Evandro Lins, Hermes Lima e Victor Nunes. Outros dois magistrados, Gonçalves de Oliveira e Antônio Carlos Lafayette de Andrada, abandonaram o colegiado em protesto contra as cassações.
Essa interferência direta na composição da Corte coincide com a proibição do julgamento de habeas corpus nos casos de crimes políticos e contra a segurança nacional determinada pelo AI-5. A decisão esvaziou assim a competência do STF em defender garantias e direitos fundamentais. Tanto a data do AI-5 quanto o nome de Costa e Silva são mencionados em um trecho da peça de desinformação com a frase “o STF já foi cassado”.
Além de suspender direitos fundamentais como o habeas corpus, o AI-5 cassou mandatos de deputados, censurou obras de arte e resultou na institucionalização da prática de tortura. Foi suspenso em dezembro de 1978, quando o regime militar já tinha provocado 400 mortes, o exílio de 7 mil pessoas e a tortura de 20 mil.
Porque ministros do STF foram cassados?
O motivo apontado pelo post para o ataque da ditadura contra o Supremo também é impreciso. A postagem diz que ministros foram cassados “em favor da segurança nacional” por concederem “habeas corpus a criminosos comunistas”.
De acordo com o jornalista Felipe Recondo, autor do livro Tanques e togas: O STF e a ditadura militar, apenas a insatisfação dos militares com a soltura de pessoas presas ilegalmente não é capaz de explicar a destituição dos três ministros da Corte em 1969. “A concessão de habeas corpus motivou o recrudescimento dos militares em relação ao Supremo, mas em alguns casos turbulentos e famosos daquela época houve concessão por unanimidade, ou com voto (a favor) de outros tantos ministros. Então, é difícil fazer essa ligação. Se fosse assim, outros ministros também teriam ido pelo mesmo caminho (a cassação pela ditadura)”, explica.
Recondo conta que, nas fichas da ditadura militar sobre os ministros removidos a que teve acesso em sua pesquisa, de fato havia menção a habeas corpus, mas também uma série de referências ao passado dos magistrados — o que sugere que suas trajetórias individuais e ligação com governos anteriores foram determinantes para a escolha dos alvos. Um estudo feito pela pesquisadora de mestrado da PUC-SP Fabrícia Cristina de Sá Santos em cima de 238 processos de habeas corpus com entrada no STF entre 1964 e 1969 mostra ainda que os três juízes sequer eram os mais inclinados a conceder os pedidos na Corte.
Segundo informações do acervo digital do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), mantido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), os ministros Evandro Lins e Hermes Lima ocuparam cargos no alto escalão do governo João Goulart (1961-1964) e foram indicados pelo presidente destituído pelo golpe militar; enquanto Victor Nunes foi por anos o ministro-chefe da Casa Civil do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) antes de ingressar no Supremo.
O habeas corpus é um instrumento jurídico que serve como proteção da liberdade de ir e vir do indivíduo, suspendendo ou prevenindo eventuais restrições ilegais ou impostas mediante abuso de autoridade. Na prática, é usado para evitar ou anular prisões arbitrárias e indevidas. O termo vem do latim e significa “que tenhas o corpo”. O instrumento foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro ainda em 1832, pelo Código de Processo Criminal, e incluído nas Constituições de 1891, 1946, 1967 e 1988.
Essas medidas judiciais foram concedidas nos primeiros anos de ditadura por diferentes motivos — entre eles, a longa duração de prisões preventivas, o desrespeito ao prazo máximo para instrução criminal, a incompetência da Justiça Militar em julgar determinados casos e a ausência de fato concreto que servisse de justificativa para a privação de liberdade em denúncias de crimes políticos e contra a segurança nacional.
Algumas decisões de soltura em especial incomodaram os setores de “linha-dura” do regime, como aquelas em favor dos governadores Mauro Borges (Goiás), Plínio Coelho (Amazonas) e Miguel Arraes (Pernambuco). Borges inclusive apoiou o golpe de 1964, o que não impediu o comando da ditadura de mandar investigar e depor o político no mesmo ano.
Os militares interferiram gradativamente na autonomia do Supremo durante os 21 anos de autoritarismo. Em 27 de outubro de 1965, com o AI-2, por exemplo, o regime alterou a composição do STF de 11 para 16 ministros, de forma a indicar nomes mais alinhados com o governo, sob a justificativa de melhorar a produtividade da Corte. O mesmo decreto ainda transferiu o julgamento de todo e qualquer crime contra a segurança nacional para a Justiça Militar.
A suspensão da validade de habeas corpus para crimes políticos pelo AI-5, cerca de dois anos depois, foi um dos golpes mais duros — tornou o tribunal um “enfeite constitucional”, nas palavras do pesquisador Ivan Furmann, em entrevista ao portal G1.
Em regime democrático, ministros não podem ser destituídos pelo presidente
Em tempos de democracia no Brasil, os ministros do STF não podem ser destituídos por iniciativa do Presidente da República ou das Forças Armadas, como defende o boato. Os magistrados estão sujeitos a impeachment pelo Senado Federal caso cometam crime de responsabilidade (Lei nº 1.079/50), podem ser removidos pelos próprios pares em julgamento por crime comum (Lei nº 8.038/90) e também deixarem o cargo por conta de punição disciplinar da Lei da Magistratura (Lei Complementar nº 35/79). Em 128 anos de história do tribunal, nunca ministros foram processados e afastados, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo.
Os membros do Judiciário são obrigados a se aposentar aos 75 anos (Lei Complementar 152/2015) e podem deixar o cargo voluntariamente, na condição de funcionários públicos, dependendo do tempo de serviço e de contribuição previdenciária. O ministro Celso de Mello, que se aposentou no final do ano passado, aos 74 anos, foi um exemplo recente. Os novos integrantes são indicados pelo presidente da República e aprovados em sabatina do Senado. Fora dessas previsões legais, qualquer remoção de ministros do STF configura golpe contra o Judiciário e atentado à democracia.
A lei de Segurança Nacional, de dezembro de 1983, estabelece pena de reclusão de 1 a 4 anos para quem “fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”; e para aqueles que incitarem “à subversão da ordem política ou social” ou “à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições”.
O post analisado nesta checagem circula ao menos desde o começo de 2020, mas voltou a gerar engajamento nas redes nos últimos dias. Uma das versões acumulou 33 mil compartilhamentos no Facebook. O conteúdo foi replicado até mesmo em grupos de WhatsApp de militares bolsonaristas, entre outras mensagens golpistas e ameaças ao Supremo, segundo apuração do colunista do Estadão Marcelo Godoy.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
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