Novo ministro, velhos problemas
Jornal Estadão
O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tratou logo de dizer a que veio: “A política (de saúde) é do governo Bolsonaro. A política não é do ministro da Saúde. O ministro da Saúde executa a política do governo”. Trata-se de uma versão mais polida da célebre frase do antecessor de Queiroga, Eduardo Pazuello, a respeito de sua atuação no Ministério: “É simples assim: um manda, o outro obedece”.
Mais do que isso: Queiroga disse que assumiu o cargo “para dar continuidade” ao trabalho de Pazuello, aquele que se limitava a cumprir as ordens absurdas do presidente Jair Bolsonaro – e que, talvez por isso mesmo, tenha sido considerado por seu chefe como um ministro da Saúde “excepcional”, um “tremendo gestor”.
Quando o “tremendo gestor” assumiu interinamente o Ministério da Saúde, em junho de 2020, o Brasil registrava cerca de 58 mil mortos pela covid-19; quando foi anunciada sua substituição, o País somava 279 mil mortos. Não se chega a esse macabro resultado sem muito empenho.
Se é a esse “trabalho” que o novo ministro da Saúde pretende dar continuidade, só resta rezar. Mas é preciso dar a Marcelo Queiroga o benefício da dúvida. Afinal, o novo ministro pelo menos é médico, uma das tantas competências que faltavam ao intendente Eduardo Pazuello. Sendo do ramo, é possível que Marcelo Queiroga tenha maior noção da urgência da vacinação, da abertura de leitos de UTI e da adoção de rígidas medidas de isolamento em quase todo o País.
Mas o sucesso do novo ministro depende não de suas qualidades, que ainda estão por ser conhecidas e testadas, e sim da função que ele terá nos cálculos políticos de Bolsonaro.
Sabe-se que o presidente não trocou de ministro da Saúde por livre e espontânea vontade. Muito pelo contrário: Eduardo Pazuello era o ministro ideal, por sua absoluta subserviência ao presidente.
Bolsonaro aceitou dispensar Pazuello por pressão do Centrão, que ora coloniza o governo. Multiplicam-se os sinais de que a crise causada pela pandemia, somada à volta à cena política do ex-presidente Lula da Silva, ameaça a reeleição de Bolsonaro – e não consta que o Centrão aceite se abraçar a quem está se afogando.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, prócer do Centrão, chegou a avalizar uma candidata ao Ministério da Saúde, a cardiologista Ludhmila Hajjar, uma entusiasta da vacinação e de medidas de isolamento social contra a pandemia. Seria uma guinada e tanto no Ministério e no governo Bolsonaro, em linha com as demandas de Estados e municípios, desesperados ante a escalada da pandemia.
O desgaste do presidente na sua relação com governadores e prefeitos preocupa os governistas, que sabem que não se faz campanha eleitoral sem palanques regionais. Sem poder contar com o Ministério da Saúde, até agora incapaz de organizar a aquisição de vacinas, prefeitos se articularam em consórcio para obter os imunizantes – e a iniciativa, para a qual se esperava a adesão de cerca de cem prefeituras, atraiu até agora mais de 1,7 mil (24 delas capitais), representando nada menos que 60% da população brasileira.
Esse movimento dá a dimensão do risco de desidratação eleitoral de Bolsonaro. A tacada do Centrão para sanear o Ministério da Saúde serviria assim para apaziguar ânimos e desarmar discursos oposicionistas.
Mas o bolsonarismo é mais forte que o bom senso. Bolsonaro nunca esteve disposto a perder o controle sobre o Ministério da Saúde, entregando-o a algum ministro que contrariasse o discurso negacionista que o presidente e seus camisas pardas vociferam desde o início da pandemia. Aceitou conversar com a indicada do Centrão, mas levou para a reunião seu filho Eduardo Bolsonaro, que nada entende de saúde, mas entende tudo da bobajada ideológica que embala o bolsonarismo. A irracionalidade prevaleceu, e a candidata foi dispensada.
Resta esperar que o doutor Queiroga, a quem cabe a hercúlea tarefa de liderar o Ministério da Saúde em meio a uma pandemia que virou o Brasil do avesso, ao menos consiga mitigar os danos causados pelo obscurantismo bolsonarista. Já terá sido um grande feito.
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