Ex-ministro mantém distância do PT e afirma que ex-presidente ‘não foi proclamado inocente’: ‘Ele, de novo, está mentindo’

Entrevista com

Ciro Gomes (PDT), ex-ministro e ex-governador do Ceará

Adriana Ferraz e Eduardo Kattah, O Estado de S.Paulo

resgate dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não alterou a disposição do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) de disputar novamente a Presidência em 2022 nem mudou seu plano de tornar-se a opção de centro capaz de romper com a esperada polarização entre o bolsonarismo e o “lulopetismo”. “Eu não vou deixar o Lula ganhar essa na lambança”, diz.

Terceiro colocado na eleição presidencial de 2018, Ciro afirma que trabalha para construir um projeto de País que pode ter uma empresária como vice – Luiza Trajano, a dona da Magazine Luza, é classificada por ele como uma “pessoa extraordinária” – e o marqueteiro João Santana, que atuou nas campanhas vitoriosas de Lula e Dilma Rousseff, como estrategista eleitoral.

LEIA TAMBÉM

‘Bolsonaro deve admitir erro e propor um pacto’, diz Michel Temer

Em entrevista ao Estadão, Ciro voltou a defender a abertura de um processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Para ele, diante do contexto atual, não é certo que o presidente “será um dos polos do segundo turno” na eleição do próximo ano.

Ciro Gomes: ‘Não vou deixar o Lula ganhar essa na lambança’
Ciro Gomes, ex-governador do Ceará: ‘Eu acho que a solução para a terra arrasada, sob os pontos de vista sanitário, social e econômico que o Bolsonaro vai deixar, exige um novo projeto nacional de desenvolvimento’.  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Ministro, o sr. é pré-candidato à Presidência? É uma condição irreversível?

O meu partido tem uma deliberação de que eu sou candidato e eu estou muito motivado para ser. E isso por uma circunstância: eu acho que a solução para a terra arrasada, sob os pontos de vista sanitário, social e econômico que o Bolsonaro vai deixar exige um novo projeto nacional de desenvolvimento, um novo desenho do diálogo nacional para sustentar as bases desse projeto, muita imaginação institucional para inovar e, neste sentido, acho que o lulopetismo é uma volta ao passado ilusória.

Sua relação com o que chama de lulopetismo continua intransponível?

Eu lutei pelo restabelecimento dos direitos políticos do Lula. Fui mal entendido quando disse que aquela condução coercitiva era arbitrária e que o Sérgio Moro estava semeando nulidades. Portanto, é um ato de civilidade declarar a suspeição do Moro e dizer que o Lula tem direito, como qualquer grande bandido – que não é o caso dele –  ao devido processo legal. Agora o Lula volta a ser um político para a gente examinar. Juridicamente, fez-se o melhor direito, mas não é que ele foi proclamado inocente, como ele, de novo, está mentindo. Politicamente, entretanto, não há como disfarçar que o Lula é o grande responsável pelo entranhamento orgânico da corrupção na vida brasileira. É inequívoco que o PT transformou a corrupção, a fisiologia, o loteamento das estruturas centrais do Estado como ferramenta central do modelo de poder que o Lula implantou no País.

No segundo turno de 2018, o senhor fugiu da associação com o PT como o diabo foge da cruz…

Eu não fugi não, eu me senti moralmente obrigado a não sancionar mais essas contradições do PT. Eu acho que temos de ajudar o povo brasileiro a entender que temos dois terríveis desafios pela frente. O primeiro é derrotar o bolsonarismo boçal, corrupto que está levando o Brasil a uma condição de terra arrasada. O Brasil está vivendo a pior crise de sua história sem rival. Então, essa é uma tarefa em que todo mundo tem que estar junto. Eu não vou escolher quem está e quem não está. Quem fez isso foi o Lula, lá atrás, quando eu me avistei com o Fernando Henrique Cardoso e assinamos manifestos pedindo a união do País contra o Bolsonaro e fomos pedir o impeachment. O Lula disse que não era “Maria vai com as outras”. A segunda missão, mais grave, é construir o futuro. E será que construir o futuro é um “back to the past”? Definitivamente não é. O lulopetismo, neste sentido, é parte do problema.

Então a resposta é sim.

Na primeira tarefa estou junto da porta do inferno para trás. Agora, para construir o futuro, o lulopetismo é parte central do problema. Lula é candidato desde 1989. Ele não tem nenhuma responsabilidade por ter posto a Dilma? Bolsonaro acabou de derrubar a economia em 4,1% e está se desculpando porque está em uma pandemia. Alguma razão ele tem. A Dilma derrubou 3,2% sem pandemia! O Palocci era o braço direito desse modelo, devolveu R$ 100 milhões. Tudo bem, o Chico Buarque adora o Lula? Eu respeito os afetos do Chico Buarque, mas o Palocci?

Muitos consideram que para derrotar o Bolsonaro é preciso que a esquerda se una ao centro. Em que espectro político o senhor se encaixa? 

Há duas tarefas: A primeira é derrotar o Bolsonaro e, neste sentido, todos os democratas – pouco me importa se são de direita, de esquerda, de centro, se são de Marte, de Vênus, de Mercúrio –, todos temos a responsabilidade de criarmos um ambiente para isso. Segundo, é grande a necessidade estratégica deste momento. Eu não vou deixar o Lula ganhar essa na lambança. É construir o futuro e, infelizmente, neste sentido a largueza que eu sonho não é possível pelas nossas diferenças.

Nesse desafio de se construir um projeto de futuro, como o senhor vê possíveis projetos eleitorais como os de Luciano Huck e Sérgio Moro?

Eu acho que o desafio de construir um projeto de País depende de um requisito de experiência que falta a ambos. Falta visão, falta experiência, falta compreensão, conhecimento do Brasil, traquejo político. E o Brasil não aguenta mais estagiário! Meu Deus do céu! Qual era a experiência anterior da Dilma na política? Até o Bolsonaro consegue 1/3 do Congresso para impedir o impeachment. A Dilma não foi capaz de reunir isso no primeiro ano do mandato. Além da tragédia econômica, foi um desastre político.

Essa falta de experiência da qual o senhor fala vale para um eventual candidato a vice? O nome da empresária Luiza Trajano tem sido colocado.

Não imaginem que eu teria a indelicadeza de convidar a Luiza Trajano em público. O que eu posso dizer é que eu a conheço e que ela é uma figura extraordinária. Não só porque é uma empresária de grande êxito, mas porque tem uma origem humilde, começou de baixo, respeita os trabalhadores, está preocupada com a vacinação do povo genuinamente. E sempre foi assim. Eu admiro muito ela, mas não a convidaria pelo jornal.

Mas há conversa neste sentido ou é um ideal por enquanto?

Neste instante, eu tenho de conversar com todo mundo que, com mais ou menos intensidade, pensa a mesma coisa que eu. E, portanto, essas conversas vão nos aproximar de gente muito diferente de mim e que não se sentem bem entre ter de optar entre a tragédia do tempo presente ou uma volta ao passado idílico que não é mais possível de ser praticado.

Quando o senhor fala que é preciso conversar com todos o senhor se refere também aos militares?

Não existe projeto nacional sem uma estrutura de defesa profissional altamente tecnológica. Mas, em nenhuma circunstância, a alta cúpula das Forças Armadas pode ser transformada em um partido político. Hoje, isso virou um problema grave. Quando você vê um imbecil completo como o (Eduardo) Pazuello posando em cima de 287 mil brasileiros mortos e arrogantemente pregando uma continuidade, sendo general da ativa, isso é um problema grave. Sabe onde existe isso? Em repúblicas de bananas de quinta categoria. Em um governo meu, a legislação será mudada na primeira hora: militar se quiser entrar para a política larga a farda, vai para a reserva, como em qualquer país civilizado.

O senhor concorda que a possível entrada de Lula no jogo eleitoral estreita o espaço para candidaturas?

A preço de hoje, sem dúvida. Mas, com a minha experiência, digo, sem medo de errar, que nada do que parece será. Por exemplo: todo mundo considera, a preço de hoje, que Bolsonaro será um dos polos do segundo turno. Eu discordo, não acho que é certo que ele esteja.

O senhor tem conversado com o marqueteiro João Santana para comandar sua campanha em 2022? A estratégia é criar um “Ciro paz e amor” contra as críticas a seu temperamento?

É muito lisonjeiro para um homem com 63 anos de idade e 40 anos de vida pública que, a essa altura, a acusação que meus adversários fazem é sobre o meu temperamento. Claro que tenho de ouvir essas críticas porque eu tenho, enfim, que adaptar uma linguagem diante da expressão da minha indignação. Mas, sabendo do que eu sei, vou fazer o quê? Bancar o lord inglês? Eu sou do interior do Ceará, fui educado na escola pública, meus pais passaram fome, fui governador, comandei a economia do Brasil…

E o João Santana?

É um velho amigo, de longa data. Respeito muito as opiniões dele e temos sim conversado. Não sei se sairá uma parceria, vamos ver.

É iminente o fim da Lava Jato com a possível suspeição do Moro. Isso é bom ou ruim?

A Lava Jato foi enterrada pelo senhor Jair Messias Bolsonaro. No sentido de uma exemplaridade de combater a corrupção, isso é ruim. Mas, no sentido de restaurar os fluxos do Estado de direito democrático, está a destempo. Punir corrupção é uma coisa que tem de ser fria, sóbria, serena, severa, fora da política. O oposto do que Sérgio Moro e sua banda de procuradores fizeram. Moro só semeou nulidades. E os grandes bandidos deste País sairão com o atestado, que o povo não é obrigado a saber do direito, como Lula está fazendo, se anunciando inocente. Tem nada de inocente.

Lula é um grande bandido?

O que estou dizendo é que quando se comete nulidades na perseguição a um bandido, que não é o caso, você não está punindo o bandido. Não estou falando do Lula.

Com Bolsonaro no poder, o número de inquéritos abertos pela PF com base na Lei de Segurança Nacional cresceu 285%. O senhor mesmo é investigado, mas com base no Código Penal. Como avalia?

Vejo isso como uma coisa muito boa. O senhor Jair Messias está entrando em desespero porque pedir para abrir inquérito é um constrangimento ilegal que nenhum juiz vai dar, nenhum tribunal vai sancionar. Trata-se de uma tentativa de constranger, de censurar que está funcionando pelo oposto. Veja o meu caso. Estou  pouco ligando.

Como avalia a crise federativa que vivemos com os governadores tendo de agir por conta própria ou mesmo se reunindo em consórcios para comprar vacinas?

Olha, o PDT e eu é que assinamos a petição que levou o Supremo a determinar a autonomia dos entes federativos para concorrentemente ajudar a enfrentar a pandemia. E ai de nós se não tivéssemos feito isso porque lá atrás o governo federal anunciou que era uma gripezinha, estimulou aglomeração, evitou importar respiradores. Foi um desastre completo. E ainda age como charlatão prescrevendo remédios e canalhas como o (Eduardo) Pazuello só agravam o fenômeno. O que teria acontecido com o Brasil se os prefeitos e governadores não tivessem corrido atrás? Estaríamos contando 1 milhão de mortos. Agora, isso é uma loucura porque é no limite genocida.

O senhor acredita que há condição política para o impeachment do presidente Bolsonaro?

Não importa. Esse é o gravíssimo erro histórico que o Rodrigo Maia cometeu. Não importa a condução política, importa que ele comete crime de responsabilidade continuamente. Na medida em que o Congresso, exercitando sua superior atribuição de representação do povo, abrisse o procedimento, ele não estaria impichado. Ele seria chamado a se defender, mas imediatamente o efeito seria o salvamento de mais de 150 a 200 mil vidas.

O senhor acha que poderia ter um efeito colateral?

Imagine: abriu a comissão do impeachment, o Bolsonaro iria continuar a fazer as loucuras que faz? Imediatamente mudaria de conduta, como está fazendo agora obrigado pelo Centrão, que não vende apoio, aluga. E o Centrão não vai carregar esse cadáver político que o Bolsonaro vai se transformar até a eleição. Vai largar ele no caminho. Ou esse Centrão não estava com a Dilma, com o Lula ou com o Collor?

E a CPI da Saúde, poderia ter esse feito também?

Imediatamente. Semana que vem vamos a 4 mil mortes por dia. Se o Congresso não se posicionar, vira cúmplice. Quero ver o Rodrigo (Pacheco) chegar nas Minas Gerais e explicar porque não abre a CPI se tem assinaturas suficientes. Morreram três senadores da República, um deles tinha 58 anos de idade.

Nas redes, tem-se espalhado que o Major Olímpio não morreu de covid…

Eles são uns canalhas, não têm limites. O Bolsonaro, ele mesmo, entrou na Justiça contra a conduta dos governadores e chamou de estado de sítio. Ele tem a premissa, e nisso ele é muito parecido com o Lula, de que todos nós somos idiotas e não sabemos o que é estado de sítio. Um picareta, apologista da tortura, apologista da ditadura, que vai na Justiça para garantir a comemoração do golpe de 64, agora vem defender franquias democráticas, de liberdade e estado de direito que estão totalmente cobertas pela legislação sanitária.

Loading

By valeon