Num governo pressionado pelo desastre da pandemia, emendas garantem apoio
Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
Num dia, o aviso do presidente da Câmara, Arthur Lira, ao presidente Jair Bolsonaro de que remédios políticos amargos e fatais poderiam ser adotados pelo Parlamento em resposta a mais erros do governo no enfrentamento da covid-19, que não serão tolerados.
No dia seguinte, a farra das emendas parlamentares na mais vexatória votação do Orçamento dos últimos anos, com uso farto de maquiagem contábil.
Engana-se quem acha que a dura fala de Lira na véspera da votação do Orçamento nada tem a ver com o que aconteceria no dia seguinte.
No exato momento em que Lira fazia o seu discurso, interpretado por muitos como uma ameaça velada de impeachment do presidente Bolsonaro, o Congresso, mais particularmente o Centrão, fervia na briga de última hora para o relator, senador Márcio Bittar, incluir mais emendas num Orçamento já cheio de prioridades invertidas como esta coluna vem apontando há meses.
Emendas pipocaram no dia da votação bem além dos R$ 16 bilhões já acordados entre Palácio do Planalto, Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para passar a PEC do auxílio.
Num governo pressionado pelo desastre da pandemia e falta de vacinas, com risco de responsabilização pelas mortes, emendas e cargos garantem apoio. Essa é a melhor e mais certeira sequência da fala de Lira.
Emendas, agora, já têm em abundância. Cargos e comando das decisões da Esplanada são para já. Eduardo Pazuello já se foi. Ernesto Araújo está indo. Ricardo Salles na mira para o depois. Paulo Guedes na fogueira eterna do fogo amigo e pressionado a abrir o cofre.
O Palácio do Planalto nada fez para frear o que é, para muitos, a antessala do fim do teto de gastos, a regra que prometia servir de gatilho para o Congresso definir no Orçamento as prioridades do que mais precisa.
Se o teto não morreu, a votação do Orçamento de 2021 mostrou que a estratégia (bem-sucedida) é desviar dele. Melhor imagem não há do que a fotografia postada pela conta debochada “Faria Lima Elevator”, no Twitter, sobre o teto de gastos no Brasil: uma porteira fechada com a placa “por favor, portão fechado” e, nas laterais, ausência de cercas e espaço aberto para passagem.
Melhor seria se tivessem feito isso com propósitos mais nobres voltados para a pandemia, como ampliar a transferência de renda aos mais pobres. Melhor política para hoje. Parece que a aposta é apertar demais as despesas discricionárias (como são chamados os gastos de investimento e custeio da máquina que o governo tem liberdade para passar a tesoura) e depois contar na pressão para aprovar crédito extraordinário.
Foi na cara de pau que o Congresso cortou despesas obrigatórias da Previdência, seguro-desemprego e subsídio para agricultura familiar. O Congresso é o dono do Orçamento. Se ele fizer bagunça, ficará muito difícil ele tentar consertar.
Lira se irritou com negociações paralelas além do acordo. Mas ele e Rodrigo Pacheco tocaram o barco desgovernado. E os dados da equipe econômica, enviados ao Congresso, foram ignorados.
Surreal foi o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes, dizer no plenário, na hora da votação, que uma solução alternativa para o corte do Censo do IBGE – uma medida com consequências irreparáveis – seria resolvida depois.
Mas como? Não era justamente ali o local para a solução? Estrategicamente, como tudo que tem sido votado no Congresso na pandemia, os pareceres finais são apresentados a poucas horas da votação. É tratoraço legislativo no mais alto grau.
Paulo Guedes foi se queixar ao presidente Bolsonaro e dizer que o Orçamento é inexequível, mas não há perspectiva de veto. A solução do impasse terá de passar pelo Congresso. Mais um problema enquanto a pandemia fica à base de reuniões de comitês que nada resolvem.
O ministro Rogério Marinho e os articuladores políticos, que trabalharam pelas emendas, acabaram colocando o governo em maus lençóis, dado que, para viabilizar o que eles querem, tiveram de colocar várias variantes de pedaladas contábeis.
Difícil mesmo será tirarem o doce da boca das crianças. No caso, os senhores senadores e deputados.
* É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA