Dos R$ 52,5 bi reservados para execução de obras e compra de equipamentos públicos, R$ 27,2 bi em verbas (52%) são oriundos das emendas de deputados e senadores – é a primeira vez que isso ocorre; Bolsonaro avalia vetar parte do Orçamento
Daniel Weterman, André Shalders e Amanda Pupo, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O Congresso terá controle de mais da metade dos investimentos federais neste ano, conforme o Orçamento aprovado pelos parlamentares e pendente de sanção do presidente Jair Bolsonaro. Dos R$ 52,5 bilhões reservados para execução de obras e compra de equipamentos públicos, R$ 27,2 bilhões em verbas, ou seja, 52% do total, receberam a digital dos deputados e senadores por meio das emendas parlamentares. É a primeira vez que isso ocorre. Em anos anteriores, a maior parte do dinheiro ficava nas mãos do governo.
Quando os recursos são destinados por emendas parlamentares, o governo precisa repassar o valor conforme a indicação definida pelo congressista. Não é possível, por exemplo, construir um hospital com uma emenda aprovada para pavimentação de uma rua. Além disso, o pagamento é obrigatório. A regra pressiona o Executivo em um cenário de Orçamento apertado e exigência do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. O momento da liberação é determinado pelos ministérios, o que coloca essas verbas no centro de uma articulação política em troca de apoio do Legislativo.
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Bolsonaro avalia vetar parte do Orçamento para recompor despesas obrigatórias, como da Previdência Social, que foram reduzidas pelo Legislativo para turbinar as verbas de caráter eleitoral. Se isso ocorrer, o patamar de investimentos nas mãos dos parlamentares deve cair.
O diretor da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, Wagner Primo, diz que é possível que o aumento observado em 2021 nas emendas do relator-geral do Orçamento seja revertido com o ajuste das despesas obrigatórias “Então, ao invés de R$ 52 bilhões (em investimentos) deve ficar em por volta de R$ 40 bilhões no máximo”, estima.
O Congresso aumentou o controle sobre o Orçamento gradativamente nos últimos anos. O total de investimentos federais diminuiu de R$ 82 bilhões em 2014 para R$ 52,2 bilhões em 2021, em função da crise fiscal e do teto de gastos. Os investimentos para emendas parlamentares, por outro lado, foram na contramão e dispararam de R$ 7,6 bilhões para R$ 27 bilhões nesse período.
Houve um salto significativo em 2020, após a criação das emendas de relator e comissões. Além disso, as verbas de bancadas estaduais passaram a ser impositivas há dois anos, caráter anteriormente dado apenas às emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=2ZPBmy
Paralisação de obras
O Orçamento aprovado pode na prática paralisar obras de infraestrutura no País, de acordo com o economista e sócio fundador da Inter.B Consultoria, Claudio Frischtak. Ele classificou a peça orçamentária como “terrível”. “Fragmentar o Orçamento, alocando recursos de uma forma quase arbitrária, ou centralizar recursos sem fazer um cálculo realista com o mínimo de precisão de taxa social de retorno são dois erros que podem e devem ser evitados”, afirmou.
Em 2019, o Tribunal de Contas da União apontou 14 mil obras paralisadas em todo o País, 37,5% dos empreendimentos analisados pelo órgão. Os empreendimentos parados envolviam recursos na ordem de R$ 144 bilhões. “O que vai acontecer é o que o TCU constatou em 2019: dezenas de milhares de obras paralisadas porque começam e depois faltam recursos. Com esse Orçamento terrível, isso pode se repetir.”
Só de emendas de relator ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), foram colocados ao menos R$ 7,1 bilhões de última hora para ações pelo País que, por sua vez, não foram especificadas. O montante é parte dos R$ 11,5 bilhões enviados pelo relator do Orçamento, Marcio Bittar (MDB-AC), à pasta, que representam mais de um terço de todos os recursos sob direção exclusiva do senador.
Segundo o projeto aprovado pelo Congresso, R$ 4,2 bilhões das emendas de relator vão para uma ação do MDR chamada de “Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado”. No parecer de Bittar, a localidade beneficiada é genérica, colocada apenas como “nacional”, o que significa que o recurso pode ir para qualquer lugar do Brasil. O cenário se repete na escolha do relator ao direcionar R$ 2,9 bilhões ao “Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária”, também do MDR.
Diretor da Associação Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco alerta para o perfil “gerador de votos” desses empreendimentos. “Veja o porquê de tantas emendas para esta ação. Trata-se de uma ação com finalidades diversificadas, muito amplas e que geram votos. Em plena pandemia, é incrível que esta ação possua mais recursos do que todos os investimentos em saúde”, afirmou .
Questionado sobre as escolhas, Bittar não respondeu. A reportagem perguntou ao ministério se a pasta estipulou quais são exatamente os projetos que receberão os R$ 7,1 bilhões das duas ações citadas, mas não obteve resposta.