Casa Branca indica que melhora nos laços entre os países depende de Bolsonaro apresentar primeiro medidas ambientais mais ambiciosas; governo brasileiro deseja US$ 1 bilhão para reduzir desmatamento na Amazônia
Beatriz Bulla, Correspondente em Washington , O Estado de S.Paulo
WASHINGTON – Desde a eleição de Joe Biden, o presidente Jair Bolsonaro soube que precisaria mudar sua política externa se quisesse manter abertos os canais com a Casa Branca. As notórias diferenças entre os dois líderes e a torcida de Bolsonaro por Donald Trump colocavam Brasília em choque com a nova era inaugurada em Washington. Biden manteve o pragmatismo no trato com o Brasil, mas o maior desafio na relação bilateral ocorrerá nesta semana, durante a cúpula do clima.
Na campanha eleitoral, o democrata prometeu reunir o mundo, se preciso, para pressionar o governo brasileiro a preservar a Amazônia. Na quinta-feira, 40 líderes mundiais estarão reunidos a convite da Casa Branca para marcar a volta dos EUA à liderança internacional na busca de soluções para o aquecimento global.
Será a primeira vez que Biden e Bolsonaro ficarão frente a frente, ainda que virtualmente. Até agora, houve apenas troca de cartas. Na mais recente, de Brasília a Washington, Bolsonaro prometeu acabar com o desmatamento ilegal até 2030.
Em resposta, os americanos mandaram um recado: o salto de qualidade na relação bilateral e a manutenção de parcerias, como o apoio à adesão do Brasil como membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), dependem do sucesso das negociações ambientais.
Biden avisou que faria da mudança climática a peça central de sua diplomacia. E isso é real. Quando ele escolheu John Kerry para comandar esse esforço, enviou uma mensagem clara ao mundo. “Kerry é alguém de alto nível que entende o que precisa ser feito e tem a determinação para fazer”, diz Tom Shannon, que foi embaixador dos EUA no Brasil durante parte do governo de Barack Obama.
Em todas as conversas com diplomatas e assessores do alto escalão do governo brasileiro, os americanos deixaram claro que a questão ambiental é a nova prioridade na relação com o Brasil. O assunto fez parte de telefonemas entre Kerry e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a secretária do Tesouro, Janet Yellen, e entre Ernesto Araújo, então chanceler, e Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA.
Nos últimos dois meses, Brasil e EUA negociaram semanalmente temas como monitoramento de queimadas e desenvolvimento de bioeconomia. “Os dois países fizeram esforços reais para remodelar a relação e os dois perceberam que é uma relação importante demais para falhar nessa tentativa. Isso é positivo, mas ainda há muito trabalho para fazer”, afirma Shannon.
O fluxo de comunicação é intenso e o tom das conversas, segundo fontes dos dois lados, é amistoso. Mas os americanos têm cobrado – nos bastidores e publicamente – que o governo brasileiro se comprometa com metas mais ambiciosas. Enquanto isso, o Brasil pede financiamento para bancar programas de preservação.
Pressão política sobre Bolsonaro
Em entrevista ao Estadão, Salles disse ter pedido US$ 1 bilhão para reduzir a devastação da Amazônia em até 40% em 12 meses. Mas os EUA indicam que a verba deve ser atrelada à entrega de resultados primeiro – e ainda neste ano. “O plano é US$ 1 bilhão por 12 meses, sendo um terço para ações de comando e controle, e dois terços para as ações de desenvolvimento econômico”, disse o ministro. “Se esse recurso estiver disponível para usarmos desse modo, nos comprometemos a reduzir de 30% a 40% em 12 meses.”
Ambientalistas e comunidades indígenas, no entanto, temem que Biden financie programas ambientais de Bolsonaro que serão comandados por Salles. “Um acordo traria prestígio político na área de clima, onde o governo brasileiro não perdeu uma oportunidade de chafurdar na lama”, afirma Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
“Eu até consigo compreender a razão de os EUA quererem fazer isso, que é colocar em cima da mesa uma cenoura para o Brasil mudar o comportamento. Mas seria um gesto de empoderamento político do Brasil com potencial de causar um estrago muito grande internamente.”
Diante de sinais dos EUA de que a assistência financeira depende de metas concretas e imediatas, nos últimos dias, integrantes do alto escalão do governo Bolsonaro tentaram minimizar a importância da reunião. Em Brasília, auxiliares do presidente têm defendido nos bastidores que o encontro apenas pavimentará o caminho para a Cúpula do Clima da ONU, a COP-26, marcada para novembro em Glasgow, no Reino Unido.
Isso abriria uma brecha para o Brasil indicar que, até o fim do ano, por exemplo, fará novas concessões com relação à proteção ambiental. Também há quem diga no governo brasileiro que o evento desta semana é importante para os EUA se reabilitarem como líderes mundiais na questão ambiental, após quatro anos em que Trump retirou os americanos das discussões – o Brasil, portanto, não estaria nos holofotes.
Os americanos, de fato, apresentaram a cúpula como um preparatório para a reunião de Glasgow. No entanto, integrantes do governo Biden e especialistas que acompanham o assunto dizem que não se deve subestimar a busca da Casa Branca por vitórias diplomáticas concretas ainda nesta semana.
“Mostrar que os EUA estão de volta é algo importante, mas seria um erro pensar que a conferência e tudo o que Kerry tem feito são um show apenas para propósitos domésticos. Essa não é a forma que Biden ou Kerry operam. Eles estão determinados a causar impacto. Para isso, querem o Brasil como parceiro”, diz Shannon.
Ampliação de meta ambiental
Nos dois dias da cúpula do clima, os EUA pretendem anunciar uma revisão de suas próprias metas de redução de emissões de carbono, além de pacotes de regulação empresarial em diversas áreas para reduzir o impacto ambiental. A ideia é pressionar os demais países convidados a se comprometerem no mesmo nível.
O tom que o presidente Jair Bolsonaro deve adotar em sua fala serão os mesmos da carta endereçada à Casa Branca nesta semana. Na mensagem, Bolsonaro prometeu consultar lideranças locais, o o terceiro setor e indígenas sobre as questões da Amazônia.
O governo Biden, no entanto, tem sido pressionado não apenas por ambientalistas, mas também pelos próprios democratas no Senado, que afirmam que Bolsonaro deu “sinal verde” para ações criminosas na Floresta Amazônica.
“Nas últimas semanas, o governo Bolsonaro expressou repetidamente interesse em trabalhar com os Estados Unidos em questões ambientais. Mas, até agora, não demonstrou nenhum interesse sério em trabalhar com os múltiplos atores dentro do Brasil que desempenhariam papéis essenciais em qualquer esforço sério para salvar a floresta amazônica “, dizia a carta assinada por 15 senadores, entre eles Bernie Sanders, Elizabeth Warren e Robert Menendez.
Para dar sinais do compromisso brasileiro, integrantes da ala moderada do governo Bolsonaro têm defendido o anúncio de mais verba para órgãos como Ibama e ICMBio. O passo seria bem visto pelos americanos, que afirmam que houve esvaziamento e redução da capacidade financeira dos institutos. No entanto, o Planalto considera que o imbróglio na discussão do Orçamento com o Congresso não permite o anúncio de mais gastos.
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