‘A União e o IBGE, ao deixarem de realizar o estudo no corrente ano, em razão de corte de verbas, descumpriram o dever específico de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional’, observou o decano do STF

Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA e Rayssa Motta/ SÃO PAULO

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello. Foto: Dida Sampaio / Estadão

Em uma derrota para o Palácio do Planalto, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, determinou nesta quarta-feira (28) que o governo federal adote as medidas voltadas à realização do Censo de 2021. Durante a tramitação do Orçamento de 2021, o relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), retirou uma previsão de cerca de R$ 2 bilhões para a realização do Censo este ano e redistribuiu a emendas parlamentares. Para o ministro do STF, o cancelamento da pesquisa viola a Constituição.

No momento da sanção, o presidente Jair Bolsonaro vetou outros R$ 17 milhões que poderiam ser usados na preparação da pesquisa para 2022. Esse corte deve levar a um adiamento ainda maior do Censo, para 2023, segundo previsão do sindicato nacional dos servidores do IBGE, o Assibge. A previsão original era realizá-lo em 2020.

“O direito à informação é basilar para o Poder Público formular e implementar políticas públicas. Por meio de dados e estudos, governantes podem analisar a realidade do País. A extensão do território e o pluralismo, consideradas as diversidades regionais, impõem medidas específicas”, observou Marco Aurélio.

A decisão do ministro foi tomada na análise de uma ação movida pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), uma das principais lideranças de oposição a Bolsonaro no País. Conforme informou  o Estadão em janeiro, o governo Bolsonaro já sofreu mais de 33 derrotas no Supremo, a maioria em ações apresentadas por partidos políticos da oposição.

“A União e o IBGE, ao deixarem de realizar o estudo no corrente ano, em razão de corte de verbas, descumpriram o dever específico de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional – artigo 21, inciso XV, da Constituição de 1988. Ameaçam, alfim, a própria força normativa da Lei Maior”, observou o ministro.

O ministro do STF destacou que o Censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), permite mapear as condições socioeconômicas de cada parte do Brasil. “O Executivo e o Legislativo elaboram, no âmbito do ente federado, políticas públicas visando implementar direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Como combater desigualdades, instituir programas de transferência de renda, construir escolas e hospitais sem prévio conhecimento das necessidades locais?”, questionou o decano.

Os dados da população brasileira são atualizados a cada dez anos. Hoje, o que se sabe da população é com base em estimativa do Censo de 2010. Quanto mais se afasta da base do Censo, mais impreciso fica o dado para a definição de políticas públicas, inclusive distribuição de recursos para Estados e municípios.

Os pesquisados do Censo visitam a casa de todos os brasileiros para traçar uma radiografia da situação de vida da população nos municípios e seus recortes internos, como distritos, bairros e outras realidades. Esse nível de minúcia não é alcançado em outras pesquisas do IBGE feitas por amostragem, que entrevistam apenas parcela da população.

A formulação do Bolsa Família, por exemplo, é baseada em informações sobre as famílias que estão em situação de pobreza, levantadas a partir de pesquisas como a Pnad, que traz dados sobre emprego e renda no País. A definição da amostra populacional que será ouvida na Pnad para fazer o retrato mais fiel possível do País é guiada pelos dados disponíveis sobre o total da população – ou seja, pelo Censo.

No caso de divisão de recursos federais, há casos de municípios que recorreram à Justiça para tentar ampliar os valores recebidos da União para políticas na área de saúde, por exemplo. A justificativa é que os dados do IBGE, que só tem conseguido fazer projeções da população, já não demonstram o real crescimento do número de pessoas vivendo em determinadas cidades. A pesquisa também é importante para que empresas possam tomar suas decisões de investimento.

Prejuízo.

Ao acionar o STF, o governo Flávio Dino alegou que, sem a pesquisa, a série histórica dos indicadores sobre raça, gênero, habitação e concentração de renda será comprometida, o que deve impactar a definição de políticas públicas que usam como base essas estatísticas.

“O cancelamento do Censo traz consigo um imensurável prejuízo para as estatísticas do país, pois sem o conhecimento da realidade social, demográfica e habitacional, tornam-se frágeis as condições que definem a formulação e avaliação de políticas públicas”, diz um trecho do documento.

Nas redes sociais, Dino, classificou os efeitos do cancelamento do censo como “apagão estatístico”.

“A transparência administrativa, o planejamento eficiente de políticas públicas, além dos recursos constitucionais que pertencem aos Estados e aos municípios, serão atingidos”, escreveu.

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By valeon