Todos estudantes terão, uns mais, outros menos, uma preocupante lacuna representada por dois anos “perdidos”


AUTOR

Vittorio Medioli

Entre os maiores estragos provocados pela pandemia da Covid-19, além das centenas de milhares de óbitos, será lembrado o impacto da falta de ensino para milhões de jovens estudantes. Do nível pré-escolar, passando pelo fundamental, até o ensino médio, a população de estudantes é de cerca de 40 milhões de jovens, 90% deles atendidos pelo sistema público. Todos eles terão, uns mais, outros menos, uma preocupante lacuna representada por dois anos “perdidos”. Claro que, se o tempo não volta, o prejuízo permanecerá marcado por muito tempo, ou até a vida inteira, numa geração. 

A perda de dois anos de estudos está sendo parcialmente amenizada nos municípios mais organizados com o ensino a distância, embora muitas crianças, especialmente as mais carentes e sem acesso à internet, estejam excluídas desse meio. 

As aulas presenciais, em especial até os 14 anos, são mais produtivas e, certamente, incomparáveis em termos de eficiência e proveito em relação àquelas remotas. O estímulo educativo, a convivência com outros alunos e com o professor, a troca de experiências, os trabalhos educativos e até a prática de esporte faltarão aos alunos. 

Imagina-se que o analfabetismo funcional – uma verdadeira praga, que alcança no Brasil o assombroso índice de 15% dos alunos do ensino público – terá motivo de se ampliar e se agravar. Isso quer dizer mais jovens despreparados para o enfrentamento da vida. Amplia-se o número dos marginalizados, dos “carimbados” pela ignorância, e se sabe que entre marginalizado geram-se os marginais. 

Nosso sistema prisional é abarrotado por mais de 750 mil apenados, que em comum têm a característica do analfabetismo funcional em mais de 95% dos casos. Quer dizer que nem todos os marginalizados pelo analfabetismo funcional acabam na cadeia, mas as cadeias são povoadas quase exclusivamente por eles.   

Instala-se desde agora a necessidade de enfrentar o problema, não o deixar agravar-se, não permitir que o “viveiro” seque por falta de atenção. A rede de ensino enfrentará um caso nunca experimentado, exigirá novas fórmulas para reparar os prejuízos educacionais dessa massa de 40 milhões de jovens. 

Qualquer ação, por mais eficiente que seja, não consegue pôr reparo pleno ao estrago educacional decorrente de dois anos de descuidos; seria como acelerar uma planta que não teve irrigação por longo período. No caso arbóreo, as raízes se atrofiam, contorcem-se e até perdem a vitalidade existencial. Coloca-se, assim, mais um desafio pela frente, o de recuperar as perdas. Duplamente complexo por não existir um ambiente amadurecido, de qualidade, boas instalações para o desenvolvimento normal da educação em quase todo o sistema público. Vejam-se os níveis de analfabetismo funcional, daquele que sai aos 14 anos com noções insuficientes de português e matemática. 

Ocorre também que os recursos da educação de 2020 e 2021, por força de lei, devem ser gastos até 25% no sistema municipal, e não teve qualquer dispositivo claro para que os entes públicos fizessem reservas de recursos para o pós-pandemia, exatamente quando será necessário acelerar o sistema. 

São raros os municípios que estão se preparando para a tarefa de resgate. No caso de Betim, as economias de 2020 e 2021, em face da queda do custeio, foram e estão sendo direcionadas aos investimentos que possam ampliar fisicamente o número de salas de aula, indispensáveis para uma maior permanência dos alunos nas escolas. Prepara-se, assim, um verdadeiro combate ao analfabetismo funcional, já injustificável, e o aumento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Esta deveria ser a preocupação principal de um governo, já que do nível de educação deriva em seguida o nível social alcançado por uma nação. 

Como sugeriu o montes-clarense Darcy Ribeiro na década de 1980, e que continua atual: “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”.

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By valeon

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