Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo
o prazer do diabo está em fazer com que lutemos contra ele usando suas armas diabólicas.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Assisto, mais uma vez, a uma sessão da CPI da Covid. E, quando percebo, estou soltando um palavrão daqueles bem impublicáveis para o apartamento semivazio. “Vai, Queiroga, bate na mesa. Chama o Renan do que ele é! Por que um tipo como esse vive?”, pergunto, na esperança de que o ministro da Saúde incorpore um Alborghetti e ponha os pingos nos devidos is e, por que não?, jotas.
Confesso envergonhado: a CPI, expressão mais evidente e ruidosa da política brasileira atual, desperta o que há de pior em mim. Fico indignado e, nessa indignação, sinto quaisquer resquícios de inteligência, prudência e parcimônia se esvaírem de mim. Torno-me, ainda que por apenas uns minutinhos, moralmente oco.
E é desse vazio moral, ainda que circunstancial e, no meu caso, graças a Deus restrito aos momentos que passo diante da televisão para acompanhar a Turma do Renanzinho, que se aproveitam os políticos para nos escravizar. Quando dou por mim, isto é, quando saio desse transe, percebo que Renan ou Aziz ou aquele outro de voz fina estão usando minha própria indignação para controlar meus sentimentos, eliminando os de alta estirpe e fomentando meus instintos mais primitivos, para usar a expressão imortalizada por Roberto Jefferson.
Porque, a rigor, e por mais abjetos que sejam os políticos alvos de nossa ira, somos nós, envenenados pela indignação, pelo senso de justiça e pela impotência, que acabamos dando poder a essas figuras nefastas, sejam elas de esquerda, direita, centro ou uma diagonal qualquer. Não fosse nosso desejo de ver a chamada moralidade pública imposta meio que à força, eles seriam apenas o que são: uns fantoches de Leviatã que não valem nem um tostão furado.
Mas não se engane. Os políticos sabem como nos manter nessa coleira. Tanto sabem que vivem justamente de nos oferecer mais e mais motivos para nos deixar indignados. Os escândalos a conta-gotas, as falas enviesadas, a desonestidade intelectual escancarada – tudo isso é ingrediente para uma poção que nos hipnotiza e aprisiona.
Tentação
Resistir à indignação, portanto, é preciso. Mas é mais fácil falar do que fazer. Outro dia mesmo, esbravejando em silêncio (!) diante de mais uma estupidez qualquer do relator da CPI (ou talvez do presidente ou ainda do cara de voz fina), me vi quase transformado num desses consequencialistas que, despudorados, andaram ocupando as páginas dos jornais para desejar a morte de seus inimigos políticos.
Quase. O que me impediu a metamorfose completa nesse monstrengo revolto foi justamente a constatação de que o Mal não está somente nos feitos tortos dos políticos que despertam minha indignação, mas também no meu próprio desejo de consertar o mundo por meio da violência verbal estéril e de uma visão de mundo (passageira) bastante próxima de um fatalismo ultrapessimista. Aquela coisa de dizer que o mundo está todo errado ou que o Brasil não tem jeito mesmo, sabe?
Consertar a política, essa política pequena, eleitoreira, feita de interesses insuportavelmente mesquinhos, de discursos cínicos, de mentiras ao cubo e da estupidez perversa dos que não têm compromisso com a Eternidade, é uma tentação. Sim, aquela mesma na qual não desejamos cair ao rezarmos o Pai Nosso. É como se o diabo sussurrasse em nossos ouvidos, nos seduzindo com a promessa de que seremos capazes de mudar o mundo ou acabar com esse estado de coisas por ele próprio criado.
Parece um fim nobre, não? Até divino – diria alguém dado a heresias. O problema é que, ao nos oferecer isso, o diabo abre sua maletinha 007 e nos mostra todo o um arsenal de argumentação e ação pautadas por ardis, intrigas e, novamente, fomento à indignação – aquela mesma indignação dos primeiros parágrafos, que nos torna ocos e suscetíveis ao controle do Mal.
É aí que está a tentação à qual temos que resistir. Porque o prazer do diabo está em fazer com que lutemos contra ele usando suas armas diabólicas.
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