Editorial
PorGazeta do Povo
Vacina contra a Covid-19 fabricada pelo laboratório Pfizer.
Vacina contra a Covid-19 fabricada pelo laboratório Pfizer.| Foto: Pedro Ribas/SMCS
Eficaz e oportuno, ou atrasado, insuficiente e até mesmo hipócrita? O tempo dirá quais adjetivos devem ser aplicados ao plano divulgado pelos líderes da Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC) como sendo a solução perfeita para a pandemia.
Em 1.º de junho, os líderes dessas quatro entidades e organizações pediram aos países ricos que doassem vacinas aos países pobres, ou ao menos financiassem a sua aquisição. O objetivo é acelerar a vacinação em todo o mundo, impedindo que regiões nas quais a imunização caminhe lentamente acabem se tornando o criadouro de novas variantes do coronavírus, que poderiam causar uma nova onda global de infecções e, consequentemente, forçar mais restrições à atividade econômica. O quarteto de organizações avaliou em US$ 50 bilhões o investimento necessário para finalmente debelar a pandemia nos países pobres, com retornos econômicos de cerca de US$ 9 trilhões em produção global adicional até 2025, de acordo com estudos do FMI.
Se o cálculo de FMI, OMS, OMC e Banco Mundial estiver certo, o mundo não pode perder um dia mais sem executar a proposta, pois a contribuição financeira a ser aportada por cada país é muito pequena diante do tamanho da tragédia
Ninguém em sã consciência tem como criticar tal proposta, pelo contrário: a nobreza da solução faz dela uma iniciativa merecedora de todo apoio. No entanto, algumas questões precisam ser levantadas. A primeira delas diz respeito ao timing da iniciativa, sugerida seis meses depois que as primeiras doses de vacinas começaram a ser aplicadas, no Reino Unido. Seis meses pode não parecer muito tempo, mas em termos de pandemia foram suficientes para devastar muitas vidas, empregos, renda e empresas, intensificando o rastro de tragédias econômicas e humanas deixado em 2020. E já no ano passado era evidente que havia uma corrida mundial pela vacina na qual os países ricos garantiram muito mais do que necessitavam. Os britânicos, por exemplo, adquiriram cerca de cinco doses por habitante; os canadenses, dez. Em agosto de 2020 (ou seja, meses antes de as primeiras vacinas serem aprovadas por autoridades sanitárias), o papa Francisco já havia alertado para o “cada um por si” na corrida das nações para vacinar sua população, deixando os pobres para trás. Antes tarde do que nunca, pode-se argumentar. Mas o quanto a demora em constatar o problema e propor a solução não terá custado aos países em desenvolvimento?
No entanto, caso a proposta tenha sido mal calculada e não tenha a capacidade de levar ao resultado que anuncia, esses organismos terão muito o que explicar. Trata-se de quatro organizações mundiais, sustentadas com dinheiro público, que vivem dando lições e fazendo exigências sobre as nações, seus governos e seus povos, uma espécie de quase governo mundial. Não se pode negar os muitos méritos na atuação dessas organizações em outros episódios, mas, justamente por terem o tamanho que têm, a influência que exercem sobre o mundo e a aura de instituições altamente especializadas e poderosas, jamais se pode aceitar que façam propostas levianas e incapazes de cumprir suas metas com os custos anunciados.
A recuperação econômica depende da vacinação, isso parece claro no atual cenário nacional e mundial. Qualquer recurso a mais que contribua para se atingir este objetivo é dinheiro bem aplicado. A questão não é se devemos ou não aplicar mais US$ 50 bilhões para acelerar a vacinação nos países pobres – a resposta a essa pergunta é bastante óbvia. A dúvida é se esse valor bastará para completar o investimento que já vem sendo feito. Se não for suficiente, teremos estado diante de uma solução fácil, porém falsa, em um momento dramático no qual o que menos o mundo precisa é de ideias demagógicas que alimentem esperanças sobre o fim da pandemia, mas que não concretizem esse sonho.
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