Combate à corrupção
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Wesley Oliveira – Gazeta do Povo
Brasília

Projeto que muda Lei de Improbidade foi debatido na última reunião de líderes da Câmara dos Deputados.| Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pretende colocar em votação ainda nesta semana um polêmico projeto que afrouxa a Lei de Improbidade Administrativa. Entre outros pontos, a proposta define que, para punir um agente público, é preciso provar que ele teve a intenção de praticar um ato que incorre em improbidade. Pela lei atual, a punição pode ser aplicada mesmo se não houver a intenção.

O acordo para apreciação da matéria foi fechado na última reunião de líderes e até o momento o relator da proposta, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), não apresentou o relatório final que deverá ser votado em plenário. No entanto, um primeiro relatório chegou a ser apresentado pelo petista ainda no ano passado e gerou críticas por diversas entidades que atuam na área de transparência e por agentes de órgãos de investigação, que enxergam possíveis prejuízos ao combate à corrupção no país.

Essas entidades acusam os apoiadores da proposta de atropelar o debate, já que a matéria ainda estava em discussão por uma comissão especial e agora será levada diretamente ao plenário. Em uma das alterações, o texto exclui um dos artigos da legislação atual que prevê punições a práticas que afrontem os princípios da administração pública, como o nepotismo, a “carteirada” e até a “furada de fila” da vacinação, por exemplo. De acordo com a proposta, apenas condutas que gerem enriquecimento ilícito ou prejuízo aos cofres públicos poderiam ser alvo de processos contra prefeitos e demais gestores.

Sancionada em 1992, a Lei de Improbidade Administrativa foi uma resposta à sensação de impunidade no país e ocorreu em meio ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Entre as punições, o acusado pode ter a perda da função pública decretada em ações civis de improbidade. Atualmente a interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que não importa o cargo ocupado pelo réu, ele será cassado no fim do processo caso essa pena seja aplicada.

Agora, entidades como a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) veem vários retrocessos com a nova legislação discutida pelo Congresso. “A retirada total do artigo 11 que trata por exemplo do nepotismo e o trecho que estabelece o prazo de cinco anos para a prescrição são os mais preocupantes. Eles querem em cinco anos o julgamento e o trânsito em julgado. Esse prazo torna inócuo qualquer ação em relação a investigações de improbidade. Eles estão praticamente dizendo: ‘não faça porque vocês não vão conseguir’”, argumenta Manoel Murrieta, presidente da Conamp.

Segundo Murrieta, um encontro com o relator da proposta e entidades do Judiciário iria ocorrer ainda nesta segunda-feira (14) para tratar do tema. No entanto, ele classificou como inoportuna a discussão da matéria neste momento de pandemia.

“As notícias que temos é que o novo relatório melhorou em relação ao anterior, mas esse relatório não é publico, então não temos o que discutir sobre ele. Eu espero que as sugestões que as instituições levaram ao relator tenham sido acatadas. Há uma ausência total de debate em relação ao projeto. O momento é inoportuno em relação à pandemia. A pressa e a falta de conhecimento prévio nos deixam em uma situação de apreensão”, completou Murrieta.

Na mesma linha, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Mário Sarrubbo, alega que a Câmara tenta “passar a boiada” com esse projeto. Para ele, a intenção é travar o trabalho dos órgãos de combate à corrupção.

“A Lei de Improbidade é uma das mais importantes legislações no combate à pandemia da corrupção. Será que a população quer mesmo tornar a lei da improbidade na lei da impunidade?”, questiona o procurador.

Segundo Sarrubbo, um pacote de sugestões feitas pelo Ministério Público de São Paulo foi enviado para os deputados, mas não houve retorno. “Essas alterações deveriam ocorrer apenas depois de um amplo debate com a sociedade e com os órgãos de controle. O Ministério Público de São Paulo enviou para a Câmara dos Deputados um pacote de sugestões que nem sequer foi apreciado. Parece mais uma tentativa de passar a boiada com uma reforma antidemocrática que só pretende abrir o caminho para a impunidade e prejudicar o combate à corrupção”, completa.

Procurado, o deputado Carlos Zarattini não informou quais mudanças poderão ser acatadas em seu novo relatório. A expectativa é de que um acordo seja fechado até terça-feira (15) para que o tema seja apreciado pelos deputados na sessão de quarta-feira (16).

“O deputado [Carlos Zarattini] vem rodando todas as bancadas. Se ele terminar, faltam quatro lideranças, se ele termina na segunda ou na terça, na quarta a gente pode votar o projeto que altera a lei de improbidade”, afirmou Lira na última semana após a reunião de líderes.

Projeto une petistas e bolsonaristas
Além de integrantes na bancada do PT, o projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa também conta com apoio de integrantes da base do presidente Jair Bolsonaro. Entre eles, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que tem atuado ao lado de Zarattini para angariar apoio ao projeto.

“A mudança que estamos propondo na lei de improbidade vai acabar com essa história de improbidade por ofensa a princípios da Constituição, que é muito aberta e só gera desgaste. Noventa por cento dessas denúncias não dão em nada. A culpa é também do Parlamento, que tem de mudar a lei”, admitiu Barros ao jornal O Estado de São Paulo no final do ano passado.

Na mesma linha, o deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) argumenta que a votação do projeto é necessária devido à necessidade de atualizar a legislação atual. “A atual Lei de Improbidade Administrativa, assim como tantos outros marcos legais, precisa ser atualizada e modernizada, sob pena de engessar a já tão difícil missão dos nossos gestares e administradores”, defendeu.

Presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirmou que as mudanças propostas são “substanciais” e precisam de ampla discussão. “O encaminhamento direto para o plenário ensejará uma aprovação de afogadilho e afetará o debate do tema, o que pode representar uma grande ameaça ao combate à corrupção”, disse ao jornal O Estado de São Paulo.


Veja os principais pontos apresentados pelo relator até o momento
O primeiro relatório de Zarattini prevê a alteração do artigo 9.º da lei, que estabelece que “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade”.

O relator também acrescentou um novo parágrafo ao artigo 18, em que estabelece que “a ilegalidade, sem a presença de dolo que a qualifique, não configura ato de improbidade”.

Impunidade para negligência
Outra alteração importante que consta do relatório de Zarattini é a substituição do termo “negligentemente” para “ilicitamente” em alguns incisos do artigo 10. Por exemplo, a redação do inciso X ficará da seguinte forma: “agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público”.

Na lei atual, a palavra usada, em vez de “ilicitamente”, é “negligentemente”. Isso aumenta as chances de punição.

Só é improbidade se houver perda patrimonial
A redação proposta por Zarattini para inciso VIII do artigo 10 estabelece que só haverá improbidade administrativa quando “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente” acarretar “perda patrimonial efetiva”. Ou seja, um ato só vai ser improbidade se acarretar perda patrimonial efetiva para a administração pública.

“Carteirada”, contratação de parentes e até tortura deixam de ser improbidade
Outra mudança que é alvo de críticas é a supressão total do artigo 11 da lei atual, que elenca uma série de condutas que constituem atos de improbidade administrativa por atentar “contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.

O relatório de Zarattini altera esse artigo e estabelece que ações ou omissões ofensivas a princípios da administração pública que, todavia, não impliquem enriquecimento ilícito ou prejuízo aos cofres públicos não configuram improbidade administrativa.

Ou seja, uma série de atos que hoje são punidos como improbidade administrativa — como “carteirada”, tortura de presos por parte de agentes carcerários, contratações de parentes, entre outros — não terão mais sanção prevista em lei. Esse tipo de caso poderá apenas ensejar ações civis.


Punições mais brandas
O relatório de Zarattini também prevê punições mais brandas para casos de improbidade administrativa. A suspensão dos direitos políticos de condenados por esse crime, que era de oito a dez anos, passa a ser quatro a doze anos.

O pagamento de multa civil, que era de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial do condenado, passa a ser equivalente ao valor desse acréscimo.

Caso haja ato de improbidade administrativa que cause lesão aos cofres públicos ou que enseje perda patrimonial efetiva ao Estado, desvio, apropriação, desperdício ou dilapidação dos bens públicos, a pena atualmente é de suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos.

Outra punição prevista é o pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano. O condenado por improbidade também fica proibido de firmar contratos com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de cinco anos.

No relatório de Zarattini, a pena nesses casos passa a ser de suspensão dos direitos políticos de quatro a dez anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três a oito anos.

Também há uma previsão no relatório que estabelece que, “ocorrendo lesão ao patrimônio público, a reparação do dano a se refere esta Lei deve deduzir o ressarcimento ocorrido nas instâncias criminal, cível e administrativa tendo por objeto os mesmos fatos”.

O texto apresentado por Zarattini estabelece ainda que as penas previstas na lei de improbidade só poderão ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória — ou seja, após esgotado todos os recursos em todas as instância judiciais.

O dispositivo contraria a proposta de emenda à Constituição (PEC) que tramita na Câmara e estabelece a execução de penas a partir de condenação em segunda instância, tanto para casos penais quanto para os demais processos judiciais.

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Tentativa de poupar empresas
O relatório sobre a nova Lei de Improbidade Administrativa também mostra uma preocupação em relação à punição de empresas envolvidas nesse tipo de delito, que pode vir a poupá-las de punição mais rigorosa. O relator acrescentou um parágrafo ao artigo 12, que trata das punições, em que está escrito o seguinte: “na responsabilização da pessoa jurídica, deverão ser considerados os efeitos econômicos e sociais das sanções, de modo a viabilizar a manutenção de suas atividades”.

Há, em seguida, mais um parágrafo sobre pessoas jurídicas, que estabelece que “em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a pena de proibição de contratação com o poder público pode extrapolar o ente público lesado pelo ato de improbidade, devendo-se sempre observar os impactos econômicos e sociais das sanções, de forma a preservar a função social do empreendimento”.

Prazo mais apertado para a investigação e para a prescrição
O relatório de Zarattini também muda regras para prescrição de crimes de improbidade e altera os prazos para investigação. Na lei atual, os crimes de improbidade administrativa prescrevem cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. E em até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades contratadas.

O relatório de Zarattini estabelece a prescrição em cinco anos, contados a partir da ocorrência do fato e torna imprescritível pretensão a ressarcir os prejuízos ao Estado e a reaver bens e valores apropriados ilicitamente do poder público.

Além disso, o relator acrescentou no projeto o limite de 180 dias corridos para a conclusão do inquérito que apure crimes de improbidade. A investigação só pode ser prorrogada uma única vez, por igual período. Isso significa que as investigações sobre casos de improbidade terão um prazo legal mais apertado para serem concluídas.

Proposta de revogar artigos da lei atual enfraquece as punições
O primeiro relatório também propõe a revogação de uma série de dispositivos da lei atual, como um do artigo 4.º que determina que “os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos”.

O artigo 5.º, que estabelece que “ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano” também é revogado pelo texto protocolado até o momento.

Outra proposta de revogação é do artigo 6.º da lei atual, que diz que, “no caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio”.

O relatório também propõe a revogação da previsão de punição com pena de demissão do serviço público do agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa declaração de bens.

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