Gastos públicos
Quantas vacinas daria para comprar com o dinheiro desviado pelos principais casos de corrupção do Brasil?
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Luan Sperandio, especial para a Gazeta do Povo
AstraZeneca: milhões de doses poderiam ser adquiridas com o dinheiro desviado em administrações passadas| Foto: Pixabay
A corrupção naturalmente diminui o bem-estar da sociedade na medida em que pode desviar recursos públicos que poderiam ser aplicados na prestação de serviços sociais, como educação, segurança e saúde.
Com a pandemia e a necessidade de implementar um amplo programa de vacinação para imunizar a população, fica a questão: quantas vacinas poderiam ser adquiridas para garantir a imunização dos brasileiros com os recursos desviados pelos principais casos de corrupção do Brasil no século XXI?
O custo estimado por cada vacina
O valor estimado da dose da vacina da Sinovac Biotech (a Coronavac), é de US$ 10,30. Já cada dose da Pfizer foi oferecida ao governo brasileiro por US$ 10 (metade do pago pelos governos de Estados Unidos e do Reino Unido). A AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fiocruz, é a mais barata, custando no Brasil cerca de US$ 3,16 por dose.
Pela cotação do câmbio no encerramento do pregão em 11 de junho, cada dose, portanto, custaria respectivamente R$ 52,73, R$ 51,20 e R$ 16,18, com a imunização (que exige duas doses), custando, nesta mesma ordem, R$ 105,47, R$ 102,40 e R$ 32,36.
Vale lembrar que, mesmo que o preço das vacinas fosse maior, ainda assim o custo de oportunidade da aquisição valeria a pena: não apenas pelo impacto em vidas, mas também pelo estrago econômico decorrente de uma economia fechada por “lockdowns”, ou ainda pelo custo de R$ 1.500 ao dia de um paciente internado em uma UTI de Covid.
Operação Navalha
A investigação da Polícia Federal, que começou em 2007 na Bahia, apontou a existência de um grupo organizado voltado à obtenção ilícita de lucros por meio da contratação e execução de obras públicas.
Entre os crimes praticados, estava fraude em licitações, peculato, corrupção ativa e passiva, crimes contra o sistema financeiro nacional, entre outros.
O esquema teve início a partir do governo federal, com servidores e agentes políticos de diversos ministérios direcionando verbas da União para obras em locais onde havia atuação da construtora Gautama.
Valores desviados: Os prejuízos estimados são de pelo menos R$ 154 milhões, em valores atualizados, R$ 559,2 milhões.
Quantas pessoas poderiam ser imunizadas? Seria o suficiente para comprar doses para imunizar 5,31 milhões de pessoas com a Coronavac, 5,46 milhões com a Pfizer e 17,3 milhões de pessoas com a AstraZeneca.
Máfia dos Sanguessugas
Descoberto pela Polícia Federal em 2006, o esquema existia desde 2001, e prendeu assessores e servidores públicos acusados de desviar mais de R$ 110 milhões do Orçamento destinado à saúde pública na compra de ambulâncias superfaturadas em até 120%.
A propina era paga pela empresa Planam. Mais de 70 parlamentares foram denunciados como integrantes da quadrilha, que atuou durante cinco anos em Mato Grosso, Acre, Amapá, Distrito Federal, Paraná e Rio de Janeiro.
O esquema ocorreu ao longo da gestão de quatro ministros da Saúde: José Serra e Barjas Negri, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e Humberto Costa e Saraiva Felipe, no governo Lula.
Valores desviados: Os prejuízos estimados foram de R$ 110 milhões, em valores atualizados, R$ 600,6 milhões.
Quantas pessoas poderiam ser imunizadas? Seria o suficiente para comprar doses para imunizar 5,7 milhões de pessoas com a Coronavac, 5,8 milhões com a Pfizer e 18,5 milhões de pessoas com a AstraZeneca.
Caso Furnas
O esquema levantou indícios de superfaturamento na construção de duas hidrelétricas, Batalha e Simplício, que começou em 2008, pela empresa estatal Furnas Centrais Elétricas.
Na época, o Tribunal de Contas da União (TCU) levantou que o estudo de viabilidade de Batalha (na divisa entre MG e GO) orçava a obra em R$ 460 milhões, mas o valor saltou para R$ 868 milhões, chegando ao final em quase R$ 1 bilhão.
Analisando a relação custo da obra e do retorno, o prejuízo estimado foi de, pelo menos, R$ 177 milhões.
Valores desviados: R$ 177 milhões, em valores atualizados, R$ 504,9 milhões.
Quantas pessoas poderiam ser imunizadas? Seria o suficiente para comprar doses para imunizar 4,78 milhões de pessoas com a Coronavac, 4,93 milhões com a Pfizer e 15,6 milhões de pessoas com a AstraZeneca.
Máfia dos Transportes
Uma série de denúncias de superfaturamento foi levantada em julho de 2011 a partir da estatal das ferrovias Valec e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), comandado por Luiz Antonio Pagot.
Conforme relatos apurados pela imprensa da época, era cobrado 4% de propina de empreiteiras interessadas em contratos com o governo. A maior parte do dinheiro ia para o caixa do partido, sob a direção do então ministro Alfredo Nascimento e do deputado Valdemar Costa Neto. O restante era destinado aos parlamentares dos estados em que as obras deveriam ser feitas.
Valores desviados: Os prejuízos estimados são de pelo menos R$ 23 milhões, em valores atualizados, R$ 52,9 milhões.
Quantas pessoas poderiam ser imunizadas? Seria o suficiente para comprar doses para imunizar 500 mil pessoas com a Coronavac, 516 mil pessoas com a Pfizer e 1,63 milhão de pessoas com a AstraZeneca.
Fraude em licitações na Saúde do Rio de Janeiro
Em março de 2012 foi revelado pela imprensa um esquema de fraudes em contratos e licitações, propinas, pagamentos sem contratos e sem prestação de serviços no Hospital Federal Infantil do Rio de Janeiro.
Além de funcionários públicos, quatro empresas, que estão entre os maiores fornecedores do governo federal, foram investigadas. Entre elas estava a Locanty, que, em 2010, doou mais de R$ 1,4 milhão para quatro campanhas eleitorais: a do governador Sérgio Cabral, dos deputados estaduais Alcebíades Sabino (PSC) e Bebeto (PDT) e à direção nacional do PSDB
Valores desviados: Os prejuízos estimados são de R$ 22 milhões, em valores atualizados, R$ 49,6 milhões.
Quantas pessoas poderiam ser imunizadas? Seria o suficiente para comprar doses para imunizar 470 mil pessoas com a Coronavac, 484 mil com a Pfizer e 1,53 milhão de pessoas com a AstraZeneca.
Mensalão
Esquema petista para compra de apoio parlamentar que vigorou no primeiro governo Lula, o termo se refere à mesada paga a deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo.
O STF iniciou o julgamento do caso em agosto de 2012, com a apresentação do então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, chamando o esquema petista de “o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”.
A corte condenou 24 indivíduos, entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o empresário e publicitário Marcos Valério, e o deputado federal cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ).
Valores desviados: Estimativas do Ministério Público Federal (MPF) apontam que o Mensalão envolveu cerca de R$ 101,6 milhões, em valores atualizados pela inflação, por volta de R$ 222,5 milhões.
Quantas pessoas poderiam ser imunizadas? Seria o suficiente para comprar doses para imunizar 2,11 milhões de pessoas com a Coronavac, 2,17 milhões de brasileiros com a Pfizer, e 13,75 milhões com a AstraZeneca.
Lava Jato
O conjunto de investigações iniciadas em março de 2014, que contou com mais de 80 fases operacionais, conduzidas inicialmente pelo então juiz Sérgio Moro, foi responsável pela prisão e condenação de mais de cem pessoas por crimes como corrupção, formação de quadrilha, fraudes, lavagem de dinheiro, obstrução de justiça e formação de organização criminosa. É considerado um dos maiores escândalos políticos do Ocidente, tanto pela dimensão quanto pelo montante de valores desviados.
Valores desviados: Em novembro de 2015, a Polícia Federal calculou que o prejuízo causado pelas irregularidades na Petrobras descobertas pela Operação Lava Jato poderia chegar a R$ 42,8 bilhões. Em valores atualizados pela inflação, esse montante corresponderia hoje a R$ 75,67 bilhões.
Quantas pessoas poderiam ser imunizadas? Seria o suficiente para comprar doses para imunizar duas vezes e meia a população brasileira: 717,4 milhões de pessoas com a Coronavac, 738,9 milhões com a Pfizer. Se a escolhida fosse a AstraZeneca, daria para imunizar um terço da população mundial, 2,38 bilhões de pessoas.
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