Proteção contra coronavírus
Por
Amanda Milléo – Gazeta do Povo
Os cálculos de quanto tempo de proteção a infecção e vacina garantem estão sendo feitos, mas ainda há mais dúvidas que certezas.| Foto: Bigstock
Em pouco mais de um ano, desde o início da pandemia, com o acúmulo de 176 milhões de pessoas infectadas e mais de 2 bilhões de doses de vacinas aplicadas (até meados de junho), ainda resta a dúvida: por quanto tempo dura a proteção contra a Covid-19?
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Sabe-se, atualmente, que tanto quem passou pela doença quanto quem já se vacinou têm uma produção de células de defesa que ajuda a diminuir a gravidade seja da infecção, seja de uma reinfecção. Mas não há certezas sobre o período de duração desta imunidade, e isso se deve ao simples fato de que o tempo ainda não passou.
“Temos pouco tempo de doença circulante para falarmos em tempo de imunidade. Até porque novas cepas estão surgindo, e nem todos os casos de reinfecção estão sendo sequenciados. É uma pergunta que queremos que seja respondida logo, mas ela depende do tempo”, explica Lorena de Castro Diniz, médica imunologista e alergista, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia.
Qual vacina você já tomou?
Coronavac
AstraZeneca
Pfizer
Nenhuma
11 meses
Apesar do período curto de convivência com o Sars-CoV-2, há pesquisas que olharam para o último ano e avaliaram como as pessoas que passaram pela infecção responderiam novamente ao vírus. Uma delas, divulgada pela revista científica Nature, traz um resultado bastante otimista: pelo menos 11 meses de proteção – que poderia durar pelo restante da vida.
Os pesquisadores da Universidade Washington, em St. Louis, nos Estados Unidos, chegaram a esse resultado avaliando a produção de anticorpos de 77 pessoas que haviam se recuperado de formas leves da Covid-19. Em geral, em uma infecção, é normal que a quantidade de anticorpos aumente e depois reduza, e nem sempre vai haver a produção de células de memória, que visam proteger contra novas infecções.
No caso, eles viram que a produção das células mais duradouras – capazes de reconhecer o coronavírus – é mantida pelas células plasmáticas. Elas ficam alojadas na medula óssea, de onde secretam anticorpos ao longo de, pelo menos, 11 meses, mas em quantidades menores.
“Quase um ano depois, esses pacientes ainda tinham essas células. E elas são rapidamente acionadas no caso de uma nova infecção, porque já são específicas para o vírus. São células de memória que já foram selecionadas [pelo organismo durante a primeira infecção]”, explica Ana Maria Caetano Faria, médica professora titular de Imunologia na Universidade Federal de Minas Gerais, e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI).
A presença dos anticorpos, porém, não significa necessariamente uma proteção total contra a Covid-19, segundo explica Daniel Mansur, professor de Imunologia da Universidade Federal de Santa Catarina e também membro da SBI. “Saber que, depois de 11 meses, as células continuam lá, existe uma chance muito boa de que, quando entrar em contato novamente com o vírus, o corpo responda muito mais rapidamente e isso tende a ser protetor. Não significa que a pessoa não pegará a Covid-19 nunca mais, mas que existe a chance de ser uma doença menos grave”, destaca.
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Covid leve x Covid grave
Ao contrário do que possa parecer, pessoas que tiveram Covid-19 mais grave tendem a não ter uma proteção tão duradoura quanto aquelas que desenvolveram formas mais leves da doença. Esse é o achado de outra pesquisa, publicada na revista científica Cell, que avaliou nódulos linfáticos e baços de pacientes que morreram de Covid-19.
“A Covid grave aparentemente leva a uma desorganização do que a gente chama de centro germinativo, que é o local onde os anticorpos são produzidos no baço. Isso impede a formação adequada das células de longa vida”, explica Ana Maria Caetano Faria, professora de Imunologia.
Segundo a professora, era imaginado pelos especialistas que as pessoas que desenvolvem uma Covid-19 mais grave tenham também problemas imunológicos, visto que não foram capazes de conter o avanço da doença. “É um sinal de alerta para as pessoas pensarem: tive uma Covid grave e me recuperei, então não vou ter de novo. Isso não parece ser verdade, porque a imunidade que eles desenvolveram não é tão duradoura”, destaca.
Reinfecções
Os especialistas explicam que, até o momento, as reinfecções não parecem ser comuns – e isso confirma os achados dos estudos feitos até o momento. “Eu esperava ver muito mais casos de reinfecção, caso fosse algo comum, como resfriado. Especialmente no Brasil, que não tem um controle”, cita Daniel Mansur, professor de Imunologia.
Além de uma maior dificuldade na identificação de casos de reinfecção (é preciso confirmar que a segunda infecção fora de um vírus diferente do que causou a primeira), as variantes podem ter um papel que ainda não está tão claro. “As variantes podem ser um problema: será que as células de longa vida vão ser eficientes contra as variantes? Já está claro que a variante Beta [identificada primeiramente na África do Sul] pode evadir algumas vacinas, e é bem preocupante”, detalha Ana Maria Caetano de Faria, professora de Imunologia.
Na África do Sul, por exemplo, onde há maior circulação da Beta, a vacina da AstraZeneca/Oxford teve uma eficácia reduzida pela variante. De 62% de eficácia global para 10,4% para os casos de infecção pela Beta. Isso significa que a vacina não foi capaz de diminuir os casos de Covid-19 causados por essa variante.
E as vacinas?
Sabemos as eficácias e, mais recentemente, começaram os estudos de efetividade dos imunizantes anticovídicos para verificar a redução no número de casos e de mortes pela doença. Não sabemos ainda, porém, por quanto tempo as vacinas vão garantir essa proteção.
“Esse mesmo estudo que foi feito para a infecção natural terá de ser feito, também, em relação às vacinas. Vacinas de mRNA, por exemplo, que induzem uma resposta imune fabulosa, apesar de todas as indicações de que elas vão gerar uma memória excelente, isso nunca foi mostrado”, explica Daniel Mansur, professor de Imunologia.
Como as vacinas começaram a ser aplicadas em dezembro do ano passado (e, no Brasil, a partir de janeiro de 2021), é preciso mais tempo para verificar a duração da proteção. “Os dois parâmetros principais são: essas células de memória [geradas pelas vacinas] vão estar presentes daqui 12 meses? E vão ser suficientes para lidarem com as variantes que estarão circulando 12 meses depois da aplicação das vacinas?”, reforça Mansur.
Se daqui seis meses as pessoas vacinadas começarem a se reinfectar, esse será um sinal de que a imunidade das vacinas tiveram uma duração de cerca de um ano, e doses de reforço podem ser adotadas. Mansur lembra que, se for o caso, não é demérito nenhum dos imunizantes, pois faz parte do caminhar da Ciência.
Por muito tempo a vacina contra a febre amarela foi reforçada a cada 10 anos. Uma recomendação da OMS em 2017, no entanto, mudou a orientação, porque a dose única do imunizante se mostrou suficiente para a proteção por toda a vida. No mesmo ano, a Anvisa adotou a mesma recomendação.
“E tem vezes que a gente vai ver o contrário: uma dose pode não ser exatamente suficiente ou vamos precisar dar um reforço, espaçar mais ou menos as doses. Isso tudo é dinâmico. É preciso ver os dados e responder à medida que eles forem aparecendo”, reforça o especialista.
Tipos de vacinas podem interferir no tempo de proteção
De acordo com Lorena de Castro Diniz, médica imunologista e alergista, o tipo de tecnologia empregada no desenvolvimento das vacinas pode gerar períodos de proteção diferentes. “Cada uma vai conseguir estimular o sistema imune de forma diferente, e isso acaba influenciando no resultado final de células de memória e a duração dessas células”, detalha.
Na teoria, a vacina que poderia conferir uma imunidade mais duradoura, entre as disponíveis atualmente, seria a Coronavac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac e Instituto Butantan. Segundo Diniz, como o imunizante usa o coronavírus inteiro, mas em uma forma inativada, o sistema imunológico é capaz de produzir anticorpos específicos contra várias partes do vírus – e não somente contra uma proteína, a Spike, que foi a estratégia adotada em outros imunizantes. “Isso teoricamente traria uma conferência de imunidade mais ampliada e prolongada, inclusive para novas cepas. Mas isso ainda está sendo avaliado”, explica.
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