Opinião
Por
Bruna Frascolla – Gazeta do Povo
Lázaro Barbosa fez diversos cursos e atividades de ressocialização enquanto cumpria pena de 12 anos por roubo e estupro.| Foto: Divulgação/Polícia Civil-DF
Desde que a Globo parou de fazer boas novelas, este país anda carente de drama. Começou com o BBB, do BBB passou a coisas mais pesadas, como a CPI de Renan Calheiros, mas agora conseguiu um drama mais à altura das novelas: temos um serial killer nacional. O povo não começou a substituir novela por séries norte-americanas? Pois então, o serial killer está mais do que bom, e é a mais nova mania nacional. Segundo leio, o nosso assassino já ganhou 346 perfis falsos, além de artigo na Wikipédia.
Lázaro conhece seus dias de glória. Até mesmo o jornal local da Bahia, o BA-TV, noticia as buscas em Goiás. O motivo? Lázaro é baiano. Para não deixar dúvidas, a legenda que anuncia as buscas se refere a ele como “maníaco baiano”. Porque o jornalismo baiano é no mínimo tão bairrista quanto o gaúcho, e é bom deixar claro que a nova mania nacional é da Bahia.
Alvo de fake news
Mas, como não está fácil para ninguém, até o pobre assassino já é “alvo de fake news”. Gravíssimo. Os autores das fake news alegam, dentre outras coisas, que a mãe de Lázaro é feiticeira e, enquanto ela estiver viva, ele não será preso. É evidente que qualquer pessoa de bom-senso que leia uma coisa dessas acreditará prontamente, a menos que as agências de checagem de fatos venham desmentir. Fica aqui o registro da importância das agências de checagem de fato.
Já aprendemos com Átila Iamarino, em publicidade veiculada pelo TSE, que fake news é “letal para a democracia”. Ou seja: se as pessoas continuarem falando impunemente que a mãe de Lázaro é uma feiticeira capaz de impedir a prisão do filho, em breve será instaurada uma ditadura no país, que vai matar todos os negros, mulheres, indígenas, LGBTQUIABO, gordos e anões. Tem que pegar os autores de fake news e botar para apodrecer na cadeia, igual a Oswaldo Eustáquio.
200% do PIB para curso de empatia
Vejam bem que fake news não pode porque acaba com a democracia, mas estupro e assassinato não são lá grandes coisas. Podem ser solucionados com curso de empatia, que ensina o reeducando a se colocar no lugar da vítima e se inteirar dos sentimentos dela. (Fica a pergunta do senso comum: Será que sádicos recebem esse curso também? E será que não vão ficar excitados com a descrição dos sentimentos das vítimas? Melhor não perguntar, porque fazer pergunta sem diploma na área deve acabar enquadrado como fake news, aí acaba a democracia etc. O certo é ouvirmos as autoridades sanitárias sempre, sem questioná-las, e nem pensar em dar ouvidos a cientistas disseminadores de fake news. A Ciência é o que tem um carimbo de verdade dado por um burocrata.)
Segundo as autoridades da psicologia, é uma coisa perfeitamente razoável, altamente científica, botar um assassino estuprador em regime semiaberto caso ele participe dos cursos de empatia, sexualidade, lei antidrogas, efeitos das drogas, autoimagem e autoestima. Assim foi com Lázaro. Com certeza não foi ele quem pagou por esses cursos; fomos nós, que damos nossos impostos para gente muito científica geri-lo no que concerne aos reeducandos.
Ainda assim, mesmo tendo feito tantos cursos mui humanistas e científicos, Lázaro foi para o semiaberto sem intenção de voltar. O que pessoas boas, que não são radicais de extrema-direita, têm para aprender com esse caso? Respondo: que os cursos de empatia precisam de mais dinheiro. Se investirmos 200% do PIB em curso de empatia, a criminalidade acaba. Lázaro só fugiu porque o presidente genocida não deu 200% do PIB para curso de empatia.
Até Lázaro é político
Talvez o homem branco cis hétero de extrema-direita Sikêra Jr. tenha sido o primeiro a cantar a pedra de que Lázaro ia virar herói para a gente do bem, humanista e iluminada. Eu confesso que achei exagero, pois mais valia focar na CPI e dar uma de joão-sem-braço em questões de violência urbana e direito penal. Mas não. Sikêra estava certo, e apareceu numa revista de esquerda uma deliciosa sopa de clichês com o título “Lázaro, o leproso”.
Diz o glorioso Lelê Teles: “Em Brasília, um sujeito de nome Lázaro Barbosa Ramos, 32, apresentou suas feridas à sociedade. O pai de Lázaro casou com 17 anos e viveu uma vida de brigas, xingamentos e catiripapos com sua companheira até se separarem. O pequeno Lázaro foi criado pela avó, o irmão foi assassinado há pouco tempo. […] Tenho mesmo grande curiosidade em saber qual era a real motivação de Lázaro, que feridas ele traz consigo que o faz levantar da porta do homem rico e arrancar-lhe o nariz com uma dentada. Muitas vezes, o agressor também é uma vítima. Apavorados com os efeitos, esquecemos de procurar conhecer a causa. No fundo, Lázaro é apenas mais um miserável cheio de chagas psicológicas e que cansou de mendigar sua condição de gente. Numa das casas que invadiu em fuga, ele apenas pediu que lhe preparassem comida; comeu e foi assistir ao noticiário. Agora, de miserável invisível, ele é a estrela da semana na mídia, temidos por todos, apavorando as forças policiais.”
Curiosa para saber onde vive e o que come Lelê Teles, fui ao Twitter. E lá estava ele defendendo que “o playboy” que acusou um rapaz de estar com uma bicicleta roubada fosse morto na porrada. Mas já deletou o tuíte.
Para além do esquerdismo mais caricato de site de esquerda, ouvi que temos já na grande imprensa campanhas para que Lázaro seja capturado vivo. Ninguém fala, é claro, do custo humano de priorizar a vida do criminoso em vez da das vítimas. Se a polícia estiver numa situação em que só consiga pará-lo com tiros, sem conseguir ter certeza de que não vai pegar num local letal, deve deixá-lo fugir? Será que ele não iria para outra casa fazer mais vítimas? Será?
Acho que não, pois ele fez curso de empatia.
O verdadeiro mistério
Há quem se surpreenda por ele estar solto após cometer tantos crimes graves. Eu, não. Se você conhecer alguém que passou anos na cadeia, é bom não perguntar o que a pessoa fez. Façamos as contas: regime fechado (conhecido como “cadeia mesmo”) é só até um sexto da pena. Para alguém passar anos na cadeia, no plural, a pena tem que ter sido de pelo menos 12 anos, que é pena de homicídio doloso. A pena é uma mera base de cálculo para o tempo de “cadeia mesmo”, sem ser semiaberto.
Assim, a única surpresa nessa história é que a justiça informal não tenha dado conta desse assassino estuprador. A única coisa que um estuprador tem a temer no Brasil é a justiça informal.
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/bruna-frascolla/lazaro-substitui-cpi-como-mania-nacional/
Copyright © 2021, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.