‘Parei de pensar como parte de uma indústria’, diz Alok, que filma documentário com indígenas

Sonia Racy – Jornal Estadão

O DJ Alok. Foto:Mila Petrillo

Alok costuma brincar que teve três filhos no ano passado: os bebês Ravi, em janeiro, e Raika, em dezembro, e o instituto de filantropia que leva o seu nome. A empreitada, comandada pelo tio do artista, recebeu inicialmente do DJ sobrinho investimento de R$ 27 milhões. Desde que começou a trabalhar no terceiro setor, na construção de uma escola no Malawi, em 2015, Alok maneja a bem sucedida carreira com o envolvimento em causas humanitárias. No momento, ele filma um documentário sobre musicalidade e cultura indígena. E atribui a mudança na maneira como cria sua música ao primeiro contato que teve com a etnia Yawanawá, do Acre. “Lá, eu vi que eles usam a música como cura. Enxerguei o instrumento que eu tinha e parei de pensar só como parte de uma indústria”, disse o  brasileiro mais ouvido no exterior  pela plataforma de streaming Spotify à repórter Marcela Paes. Leia abaixo a entrevista:

Como surgiu seu interesse no tema da cultura indígena?

Desde muito novo eu tive um certo contato com a cultura indígena. Meu pai, que também é DJ (e criador do longevo festival Universo Paralello), sempre abria os shows dele com uma música guarani. Eles sempre estiveram ali comigo, mas nunca de uma forma profunda. Mais ou menos há seis anos, ouvi uma música da etnia Yawanawá e me empolguei para conhecer a cultura de quem tinha feito aquilo. Essa música mexeu muito comigo. Parei tudo e fui para lá, para uma aldeia no Acre. 

Como foi a experiência na aldeia?

Chegar lá já foi uma coisa. Peguei um voo, depois seis horas de carro. Só que quando eu cheguei na estrada dei de cara com um protesto de indígenas. Carreguei minhas coisas e fui andando, depois peguei carona com um caminhoneiro. Até que chegamos no rio e foram nove horas subindo contra a correnteza em um barquinho. Estávamos quase chegando e começa a desabar a maior chuva. Eu só pensei: o que eu estou fazendo aqui? (risos). Mas assim que eu pisei lá tive a sensação de que já tinha visto aquele lugar.

Como assim?

Eu fui para captar o som deles, mas o que era para ser uma experiência profissional acabou sendo algo muito mais profundo, de alma. Passei a entender muito mais sobre a cultura indígena, e a partir do momento que você entende, você passa a respeitar sem prejulgamento. Participei de todas as cerimônias, de todos os rituais, tomei o veneno do sapo, fiz tudo. Foi muito forte, foi realmente uma limpeza. 

Mudou algo na maneira como você pensava?

Sim. Eu ressignifiquei a maneira como eu criava. Eu fazia música seguindo uma fórmula, era pensado para funcionar nas rádios. Por mais diferente que eu tentasse ser, sempre caía naquela forma. Lá, eu vi que eles usam a música como cura, não só fisiológica, mas emocional também. Enxerguei o instrumento que eu tinha e parei de pensar só como parte de uma indústria. Passei a fazer coisas com sentimento, algo que fosse mais genuíno. E minha carreira se transformou. Meus maiores sucessos vieram depois disso.

Esse documentário vai por esse sentido, não?

Sim. Fiz um trabalho de ayahuasca (chá alucinógeno, feito de uma mistura de ervas amazônicas) e tive uma mensagem muito forte que dizia: Alok, não importa se você é o número um, o que importa é que você faça a diferença. Quando tomei de novo, este ano, me perguntei o que seria o futuro e a resposta foi que o futuro é ancestral. Aí caiu a ficha que eu precisava me reconectar novamente com os indígenas. Parei toda a minha vida para isso.

Na semana passada tivemos protestos de indígenas contra o PL490/2007, que dificulta a demarcação de terras indígenas. Acha que a cultura dos índios é valorizada no País?

Não, de forma alguma. Até o que aprendemos na escola é errado do começo ao fim. Toda narrativa é contada pelo olhar do colonizador. Tento ressignificar isso nessa série documental. Me posiciono totalmente contra esse projeto.

Você tem números de streaming expressivos no exterior. A carreira internacional foi algo que você sempre quis? 

Sempre tive um olhar mais internacional. Antes, sentia que no Brasil a música eletrônica não tinha reconhecimento. Temos uma cultura musical muito singular aqui. O nosso top 50 do Spotify destoa totalmente do resto do mundo. Fui morar em Londres justamente por isso. E o fato de eu fazer músicas em inglês e de ser eletrônica me ajuda a ecoar fora do País.

Mas você também tem um alcance grande dentro do Brasil.

É. Ok, eu sou o brasileiro mais ouvido no mundo. É muito legal. Mas eu ser o sexto brasileiro mais ouvido no País é o que me chama a atenção. Para um DJ, sabe? 

Hoje há mais aceitação para a música eletrônica brasileira?

A eletrônica vive o que vive hoje no Brasil porque em certo momento o dólar disparou e os produtores não conseguiam mais trazer gringos para tocar aqui com tanta facilidade. Passamos a ocupar esse lugar. Antes a influência vinha de fora, mas depois passamos a fazer o Brazilian Bass e esse som foi dominando, passou a ser o nosso referencial. Esse estilo se tornou o que, no exterior, chamam de Slap House, e é o que mais toca hoje no mundo. Brinco que os gringos vieram aqui, pegaram o açaí e jogaram um leite condensado por cima (risos). 

Seus pais são DJ’s e seu irmão também. Seguir por esse caminho foi incentivado na sua família?

Por mais que você fale, seus filhos não vão fazer nada do que você fala. Eles vão querer fazer o que você faz. No início, meus pais falaram para eu não ser DJ, queriam que eu focasse nos estudos, que eu me formasse, mas eu insisti. Teve uma época em que eu fiquei em dúvida porque estava difícil a carreira, eu tive alguns prejuízos organizando festas, mas aí meu pai me disse: ‘Olha, se eu tivesse o talento que você tem, eu já estaria voando, viajando!’.

No ano passado você criou o Instituto Alok, com uma doação inicial de R$ 27 milhões, além de ter doado cilindros de oxigênio para hospitais. Qual o papel da filantropia na sua vida? 

Hoje é uma das razões da minha vida. Não faria sentido viver o que eu estou vivendo e não poder fazer essas transformações. Tive três filhos em 2020: o Ravi nasceu em janeiro e a Raika e o instituto, em dezembro. O Instituto me ajuda a fazer o que eu já vinha fazendo de uma forma mais organizada. Trouxe meu tio, Bhaskar, para tocar o projeto. É legal porque o principal ativo do instituto não são os R$ 27 milhões, mas a presença das pessoas.

Você acha que a cultura da doação ainda é escassa no Brasil?

Tenho duas percepções. Há um tempo eu quase joguei a toalha, sabe? Nessa época, em 2015, eu estava levantando o projeto da escola na África e pedia ajuda para amigos e conhecidos, mas as coisas não vinham. Só que depois eu comecei a me conectar com as pessoas certas e isso me deu esperança. Mas está longe de ser o suficiente. Às vezes as pessoas falam: vou dar dinheiro para as crianças, mas para os pais, não. E quem cuida das crianças? 

 Você acha que a pandemia mudou a cabeça das pessoas com relação a isso?

Em um primeiro momento, sim. Fiquei feliz de ver as pessoas fazendo lives para arrecadar fundos. Mas hoje não temos mais tantas. O País está numa condição pior de desemprego, então isso teria que estar maior.  

 Recentemente você virou o rosto de uma plataforma de investimentos. Como você escolhe o tipo de publicidade que faz?

Não faço mais campanhas publicitárias que não tenham um sentido maior pra mim. Quero parcerias para criar junto. No caso da TC, eu fiz por uma vontade de levar conhecimento financeiro para as pessoas. Depois que eu comecei a aprender sobre isso, eu vi como o leque se abriu. Não é só uma questão de investir na bolsa, mas de educação, de gerenciamento do próprio dinheiro.

Li que seu tio Bhaskar mantém um retiro de meditação na Chapada dos Veadeiros. 

Há muito tempo meu tio largou tudo para ir atrás dessa espiritualidade. Ele foi discípulo do Osho, até aparece na série Wild Wild Country. Aí, no meio da pandemia, eu ligo pra ele e pergunto: tudo bem aí no retiro? Porque agora você vai ter que colocar sua meditação em prática (risos). Ele é a melhor pessoa para tocar o instituto.

Você citou experiências com Ayahuasca e sua família tem uma conexão com meditação. A busca espiritual é algo importante para você? 

Sim. Eu tenho uma dificuldade enorme de silêncio, o meu silêncio. É muito louco. Mas toda vez que eu medito com alguém, meditação guiada, é muito lindo pra mim. Com relação à Ayahuasca, eu acho que a Ayahuasca é pra todos, mas nem todos são para o Ayahuasca, sabe? Em muitos lugares não é utilizado da forma correta, quem usa medicação tarja preta não pode tomar. Eu tomei para intensificar a conexão comigo. Mas sendo bem sincero, acho que não precisamos buscar nada externo para nos conectarmos com o divino, com a espiritualidade. Está tudo dentro da gente.

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By valeon

37 thoughts on “Alok, filma documentário com indígenas”
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