Editorial
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Gazeta do Povo
O servidor Luís Ricardo Miranda e o deputado Luís Miranda (DEM-DF) em depoimento na CPI da Covid.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Não há como não investigar a fundo as recentes denúncias envolvendo possível corrupção em contratos de aquisição de vacinas contra a Covid-19, feitas tanto na CPI do Senado quanto em entrevistas à imprensa e que listam um sem-número de personagens, entre políticos graúdos, funcionários do Ministério da Saúde, representantes de laboratórios e negociadores intermediários. A guerra de versões já está estabelecida e não são poucos, incluindo membros da CPI, que já tiraram suas conclusões – o que reflete a necessidade de a investigação se dar em um contexto mais técnico que político.
As primeiras denúncias envolveram a compra da vacina indiana Covaxin. Dois irmãos, o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, foram à CPI na sexta-feira. Luís Ricardo afirmou ter sido pressionado para liberar a aquisição do imunizante da Bharat Biotech, que tinha o maior preço entre todas as vacinas importadas pelo Brasil. O deputado, por sua vez, disse ter avisado Jair Bolsonaro sobre o caso, e que o presidente da República havia responsabilizado “um parlamentar” como o mentor do esquema. Só depois de muita pressão dos senadores, Luís Miranda disse tratar-se de Ricardo Barros (PP-PR), o líder do governo no Congresso e ex-ministro da Saúde no governo Michel Temer. O contrato para a importação da Covaxin foi suspenso e o dono da Precisa Medicamentos, parceira brasileira da Bharat e que tem vários outros contratos sob suspeita, ainda será ouvido pela CPI.
Responder a todas as perguntas exige investigação mais profunda e realizada por quem está tecnicamente capacitado para tal, e não por quem já tirou conclusões antecipadas sobre a responsabilidade de cada envolvido
Na terça-feira, foi a vez de um empresário, Luiz Paulo Dominguetti Pereira, acusar o diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, em uma suposta tentativa de negócio envolvendo a vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca. Pereira diz representar uma empresa indiana que poderia obter doses adicionais da vacina da AstraZeneca, além daquelas fabricadas no Brasil pela Fiocruz. O empresário afirmou ter procurado o Ministério da Saúde para negociar a importação de 400 milhões de doses da vacina, e Ferreira Dias teria pedido propina de US$ 1 por dose, o que renderia cerca de R$ 2 bilhões em subornos. O negócio não foi fechado, Ferreira Dias – que também fora mencionado por Luís Ricardo Miranda como um dos responsáveis pela pressão em favor da Covaxin – foi exonerado na quarta-feira e a AstraZeneca afirmou que não trabalha com intermediários. Tanto Dias quanto Dominguetti também deverão ser ouvidos na CPI.
Nesse meio tempo, uma enxurrada de informações ajuda a montar ao menos parte do quebra-cabeça, como as indicações do Centrão para cargos importantes dentro do Ministério da Saúde – algo nada surpreendente, dado o apetite do bloco por pastas com grandes orçamentos e que fecham contratos de alto valor. Uma dessas indicações teria sido justamente a de Ferreira Dias; o deputado Ricardo Barros nega, mas várias fontes o apontam como o “padrinho” da nomeação do diretor agora exonerado. Certamente não ajuda em nada o fato de praticamente todos os personagens terem lá seus esqueletos no armário: Barros, Luís Miranda e peças-chave da CPI, como Renan Calheiros e Omar Aziz, têm contra si várias denúncias e ações judiciais. Não há santos entre investigados e investigadores.
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A principal questão, como não poderia deixar de ser, envolve a participação de Bolsonaro. O deputado Luís Miranda diz ter como comprovar o aviso feito ao presidente, mas que só o faria “na hora certa”. Bolsonaro, por sua vez, apenas confirmou o encontro, mas não o aviso sobre a corrupção na compra da Covaxin. Quem acrescentou confusão à guerra de versões foi o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), quando disse à CPI que Bolsonaro alertou, em 22 de março, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que apurasse possíveis irregularidades; Pazuello caiu no dia seguinte. O que está em jogo é um possível crime de prevaricação – que ocorre, entre outros casos, quando um agente público, ciente de uma irregularidade, não age para coibi-la. Bolsonaro realmente estava ciente do esquema, como alega Miranda? Se estava, alertar Pazuello (como alega Bezerra) seria providência suficiente? Por que não acionar também o Ministério da Justiça e a Polícia Federal para investigar o caso?
Responder a todas essas perguntas – não só aquelas que dizem respeito ao presidente, mas todas as demais – exige investigação mais profunda e realizada por quem está tecnicamente capacitado para tal, e não por quem já tirou conclusões antecipadas sobre a responsabilidade de cada envolvido. Quem acusa também precisa deixar de insinuações e entregar de vez o que sabe. Poucas coisas, no Brasil de hoje, são mais importantes que o esforço para vacinar a população e vencer de vez a Covid-19; quem quer que tenha trabalhado para emperrar esse esforço ou lucrar com ele tem de ser desmascarado e responsabilizado.
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