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Guido Orgis – Gazeta do Povo
Paulo Guedes, ministro da Economia: oportunidade perdida.| Foto: EDU ANDRADE/Ascom/ME
A combinação de inflação alta, aceleração da atividade econômica e janela para aprovação de alguma reforma ainda neste ano no Congresso deveria conduzir o governo para uma política de retomada do ajuste fiscal e revisão da distribuição da carga tributária. Mas, por causa das eleições de 2022, os políticos provavelmente jogarão essa chance fora.
Esse momento propício para ajuste começou a ser construído por um fator negativo, a alta da inflação. Apesar de seus efeitos negativos sobre as contas domésticas, a inflação maior abre um espaço no teto de gastos, cujo valor é reajustado anualmente pela inflação da metade do ano – em 2021, acima de 8%. O ajuste no teto abrirá um espaço fiscal de mais de R$ 20 bilhões em 2022.
Ao mesmo tempo, a reativação da economia no pós-pandemia parece estar engrenando e alimentando o crescimento da arrecadação de forma surpreendente – o valor arrecadado voltou para o nível pré-recessão de 2014-16. A maior receita, combinada com crescimento econômico e inflação, fez com que a relação dívida-PIB se estabilizasse perto de 87% do PIB. Muito longe dos 100% do PIB que se falava um ano atrás.
É um cenário tão positivo que o governo poderia estar falando em coisas como redução do déficit primário, redução da dívida pública, redução de impostos e redistribuição da carga tributária. Só que não vai ser assim em ano eleitoral.
Tome-se a questão da folga no teto de gastos criada pela inflação. Esse não é um valor que o governo é obrigado a gastar. Como se trata de um teto, o mecanismo serve somente para limitar o gasto. Ele não é um piso. Mas a tendência em ano eleitoral é que a folga seja usada para o menos prioritário dos gastos, um reajuste para o funcionalismo.
O governo vem falando também em repaginar o Bolsa Família como forma de legitimar o gasto da folga no teto, o que não é correto. É possível melhorar o gasto social remanejando coisas que já existem, como o abono salarial – proposta refutada no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro – ou fazendo uma redução em benefícios fiscais.
Outro exemplo da agenda eleitoral é o projeto de reforma do Imposto de Renda. Seu princípio é eleitoral, o cumprimento da promessa de ajuste da tabela feita por Bolsonaro. Aparentemente, a correção foi feita a contragosto pela equipe econômica, já que a compensação da menor arrecadação é feita em parte com um limite para o uso da declaração simplificada de IR. Outro problema do projeto é que ele onera dividendos e investimentos que eram isentos de imposto sem permitir a redução de impostos sobre o consumo.
Parece que a equipe econômica deixou “gordura” suficiente no projeto do IR para que ele seja aprovado mais rapidamente no Congresso. É possível que uma redução na alíquota proposta sobre dividendos e a redução do IR sobre empresas sem escalonamento viabilizem a aprovação do projeto.
Uma alternativa melhor neste momento seria um projeto de IR desvinculado da questão da tabela e focado na tributação de dividendos e investimentos isentos, e atrelado a uma redução dos impostos sobre consumo. Se isso avançasse junto com o projeto de unificação de tributos que tramita no Congresso, a alíquota única poderia ser menor, beneficiando todos os consumidores. A folga pequena fiscal ajudaria nesse processo porque mitigaria o risco arrecadatório na transição do sistema.
A correção da tabela, vista isoladamente, não é melhor do que uma redução dos impostos sobre o consumo, apesar de ser uma promessa de campanha. Talvez por isso mesmo a equipe econômica tenha proposto alterações no desconto simplificado. Aqui, a melhor saída seria uma correção menor da tabela e compensada apenas pelo “imposto inflacionário” – por não haver redução de tributo, não é preciso haver compensação com outras fontes de receita.
Para completar o cenário positivo, a Câmara aprovou na semana passada um projeto de lei que autoriza o Banco Central a receber depósitos voluntários dos bancos. Isso vai melhorar a gestão da dívida pública porque, com o tempo, o BC precisará de menos títulos públicos para gerir a política monetária. Ao mesmo tempo, o governo tem até setembro para apresentar seu plano para a redução à metade dos benefícios fiscais existentes, seguindo o que determina a PEC Emergencial. São dois fatos que jogam a favor do ajuste fiscal.
O cenário atual, portanto, permitiria o encaminhamento de reformas muito mais ousadas do que o governo e o Congresso parecem dispostos a fazer na esfera fiscal. Sem fazer populismo com a tabela do IR, sem aumentar salários funcionalismo e outros gastos, há espaço para manter o ajuste fiscal e fazer uma reforma que simplifique impostos, redirecione a carga tributária do consumo para a renda e até reduza levemente a carga tributária.
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