1. Saúde 

Esse é mais um problema que deriva diretamente das decisões equivocadas do governo Bolsonaro. Podem colocar na conta de nosso presidente

Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo

A recusa do governo Bolsonaro em comprar a vacina da Pfizer é responsável pelo atraso no início da vacinação no Brasil e pelo ritmo lento da vacinação até agora. Além disso, está provocando um aumento no risco de morte de pessoas idosas; aquelas com mais de 80 anos.

Sabemos que o risco de casos graves e mortes é muito maior para os idosos. É por esse motivo que os países estão organizando a vacinação por faixa etária, começando pelos mais idosos e caminhando para os mais jovens. Com o boicote do governo Bolsonaro, a vacinação no Brasil só começou quando o governo de São Paulo pressionou pela aprovação da Coronavac, produziu alguns milhões de doses rapidamente, e ameaçou começar de forma independente a vacinar a população de São Paulo. A Anvisa aprovou a Coronavac e a vacinação começou no mesmo dia. Desesperado, o governo federal mandou um avião para buscar vacinas da AstraZeneca na Índia, uma operação desastrada que fracassou. Posteriormente, a vacina da AstraZeneca chegou ao Brasil e finalmente o governo comprou vacinas da Pfizer, as últimas a chegar por aqui.

Essa sequência de eventos fez com que a população sob maior risco de internação e morte (os acima de 80 anos) fossem quase que exclusivamente vacinados com a Coronavac, que era o que dispúnhamos. Em seguida, com a chegada das vacinas da AstraZeneca, pessoas de menor idade passaram a ser imunizadas, e agora os mais jovens estão sendo vacinados com as unidades da Pfizer. Como sabemos pelos estudos de Fase 3, a Coronavac é a vacina com menor eficácia (~50%), seguida pela AstraZeneca (~75%) e pela Pfizer (~95%). Esse fato, associado à ordem de vacinação no Brasil, levou a população de maior risco a ser imunizada com a pior vacina.

Vacinação
Vacinação de idosos Foto: Prefeitura de Betim

Desde que foi iniciada a vacinação, surgiram as novas variedades do coronavírus. Em todos os casos que foram estudados, na presença dessas variedades, a eficácia e a eficiência das vacinas são reduzidas. Por exemplo: enquanto a Pfizer e AstraZeneca mostraram resultados idênticos no Reino Unido contra a cepa original do vírus e contra a variante inglesa, agora está ficando claro que sua eficiência é menor contra a cepa indiana. Muitos desses estudos estão sendo publicados semanalmente, feitos em diversos países, com as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca. Infelizmente nenhum estudo nessa direção foi publicado com a Coronavac. 

Assim, não sabemos como ela se comporta contra as novas variedades. Esses estudos têm levado países a utilizar uma segunda vacina na segunda dose. Na AlemanhaAngela Merkel, após ter tomado a primeira dose de AstraZeneca, recebeu uma dose de Pfizer esta semana. Além disso, muitos países já estão planejando ou iniciaram a aplicação de uma terceira dose de reforço nos idosos.

Agora, para complicar a situação dos idosos, foi publicado um estudo comparando a resposta imune de pessoas de mais de 80 anos com a de pessoas mais jovens, após serem vacinadas com a vacina da Pfizer. Tanto a resposta humoral (anticorpos) quanto a resposta celular (células T) dessas pessoas foram analisadas, após a primeira dose e após a segunda dose. A quantidade de dados é enorme e o resultado é muito claro. A vacina da Pfizer induz uma resposta imune mais fraca em idosos quando comparada com a resposta provocada em pessoas jovens. E ela é ainda mais baixa após a primeira dose. 

De certo modo, esse é um resultado esperado, uma vez que o sistema imune de pessoas idosas tipicamente tem uma resposta pior frente aos imunizantes. Mas o que os autores concluem é que a resposta observada nesse estudo sugere que idosos devem receber uma terceira dose para garantir sua imunidade, principalmente na presença das novas variantes.

Infelizmente não sabemos como o sistema imune das pessoas reage à Coronavac, pois esses estudos não foram feitos – ou, se foram feitos, não foram publicados. Mas se imunizantes poderosos como os das vacinas de mRNA não são suficientes para proteger completamente os idosos das novas variedades, é muito provável que as vacinas de vírus inativado produzam um resultado ainda pior.

Tudo isso indica que os idosos brasileiros terão de receber uma terceira dose, ou uma dose de outro imunizante, para estarem bem protegidos das novas variantes. Esse é mais um problema que deriva diretamente das decisões equivocadas do governo Bolsonaro. Podem colocar na conta de nosso presidente.

MAIS INFORMAÇÕES: AGE-RELATED IMMUNE RESPONSE HETEROGENEITY TO SARS-COV-2 VACCINE BNT162B2. NATURE

*É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASILFOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

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