Presidente já adiantou que vai indicar o advogado-geral da União, André Mendonça, para a vaga na Corte
Redação, O Estado de S.Paulo
A aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), foi oficializada nesta sexta-feira, 9. A saída do ministro está publicada no Diário Oficial da União (DOU) de hoje e é assinada pelo presidente Jair Bolsonaro. O ministro, que está no posto há 31 anos, deixará o cargo na próxima segunda, quando completará 75 anos.
Para a vaga, o chefe do Executivo já declarou que irá indicar o advogado-geral da União (AGU), André Mendonça. Para ser nomeado, ele ainda precisará passar por sabatina e aprovação no Senado.
Há dois dias, Bolsonaro, que já havia prometido a indicação de um nome “terrivelmente evangélico para o cargo”, disse em entrevista à Rádio Guaíba que “uma pitada de religiosidade, de cristianismo, dentro do Supremo, é bem-vinda.”
A saída de Marco Aurélio, que se dá pelo atingimento de idade-limite para a aposentadoria compulsória, já estava programada. O anúncio da data foi feito em maio e, em meados de junho, o decano enviou ofício à presidência da Corte confirmando a data de retirada.
Conhecido como o ministro dos votos contraditórios, Marco Aurélio chegou ao STF em 1990, por indicação do ex-presidente Fernando Collor de Mello, de que é primo.
O mais recente dos casos em que o decano foi voto vencido na Corte foi a decisão monocrática de conceder, em outubro passado, liberdade ao traficante André do Rap, ligado à facção criminosa PCC em São Paulo.
André Mendonça
Ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Mendonça acumulou desgastes com o Congresso e o Judiciário ao requisitar à Polícia Federal (PF) a abertura de uma série inquéritos contra adversários de Bolsonaro com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), considerada por parlamentares um “entulho” da ditadura. As ações de Mendonça, feitas por ordem de Bolsonaro, têm sofrido reveses no Ministério Público e em tribunais onde são julgados.
O atual AGU é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, localizada em Brasília. “Além de ser evangélico – ele é evangélico, mas não quer dizer que seja uma virtude; é um direito dele acreditar na Bíblia –, Mendonça tem notável saber jurídico. É uma pessoa humilde”, definiu Bolsonaro na entrevista da última quarta, 7.
Nos últimos meses, Mendonça se encontrou com diversos senadores para diminuir a resistência a seu nome na Casa, conforme relatou o Estadão. O indicado de Bolsonaro precisa de ao menos 41 votos no Senado.
Confiante da aprovação da indicação de Mendonça, Bolsonaro propôs, na entrevista, que, com o ingresso do advogado-geral da União na Corte, as sessões do Supremo deveriam incluir agora ritos religiosos. “É bom que uma vez por semana, nessas sessões que são abertas no STF, (os ministros) começassem com uma oração do André (Mendonça)”, disse.
Wesley Galzo, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Último dos ministros indicados pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), o decano Marco Aurélio Mello aposenta a toga que vestiu nos últimos 31 anos no dia 12 de julho, quando completa 75 anos – idade-limite para a função. Em três décadas, o juiz carioca e primo de Collor foi uma voz dissonante e autor de votos que provocaram reações duras dos pares e da opinião pública.
Desde 1990 no Tribunal, Marco Aurélio teve seu nome ligado à alcunha de “o ministro do voto vencido” e dos habeas corpus impopulares. O mais recente foi a decisão monocrática de conceder, em outubro passado, liberdade ao traficante André do Rap, ligado à facção criminosa PCC em São Paulo.
Na ocasião, o ministro argumentou havia expirado o prazo da prisão preventiva sem que tivesse ocorrido renovação da decisão, ou sentença condenatória definitiva. O traficante foi solto e, agora, encontra-se foragido. O caso foi levado ao plenário, que isolou Marco Aurélio: foram nove votos favoráveis ao retorno de André do Rap à prisão. Foi assim também quando o plenário julgou os habeas corpus concedidos pelo decano ao ex-banqueiro Salvatore Cacciola; ao goleiro Bruno e a Suzane Von Richthofen.
Num caso de decisão individual que resultou em crise entre os poderes, Marco Aurélio concedeu, em 2016, liminar provisória para afastar o senador Renan Calheiros (MDB-AL) do cargo de presidente do Senado. O ministro fez valer a jurisprudência da Corte de que réus não podem ocupar a linha sucessória da Presidência da República. Dois dias depois, porém, o plenário desfez a medida e reconduziu Renan ao posto, com a condição de que não assumisse o controle do País.
Levantamento feito pelo pesquisador Jeferson Mariano, doutor em ciência política pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e estudioso do Judiciário, aponta que Marco Aurélio apresentou votos isolados do restante do colegiado em 13,52% das ações que tratam da constitucionalidade dos atos ou omissões de outros Poderes. O estudo considerou os 3.738 julgamentos colegiados entre 1988 e 2017 – o decano participou de 3.098 votações.
Mariano avalia que Marco Aurélio se dedicou mais a expor para o público aquilo que lhe pareciam as fragilidades das decisões da Corte do que em colaborar com a formação de maiorias. “O ministro acabou se tornando uma espécie de ombudsman no Tribunal”, afirma Mariano. “A marca de sua atuação foi a decisão de falar preferencialmente para fora do Supremo.”
Marco Aurélio foi um dos criadores da TV Justiça e é um dos integrantes da Corte com maior interlocução com a imprensa. A lei que criou o canal foi sancionada simbolicamente por ele, em maio de 2002, no período de sete dias em que ocupou a cadeira de presidente da República.
No STF, Marco Aurélio já teve embates com colegas. Em outubro de 2004, ele chamou o ex-ministro Joaquim Barbosa para resolver uma discussão “na rua”. No ano passado, acusou o atual presidente da Corte, Luiz Fux, de ser “autoritário”, e Alexandre de Moraes de “xerife”.
Mas não só de dissenso e embates viveu o ministro. Em novembro de 2019 o plenário revogou a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Com o resultado de seis votos a cinco, o relator Marco Aurélio capitaneou a formação de maioria pela consolidação da jurisprudência sobre o tema – após idas e vindas da pauta ao longo de mais de duas décadas.
Desde que vestiu a toga pela primeira vez, o ministro defendeu que os réus só fossem presos após esgotarem todos recursos cabíveis. Naquele mês, o movimento de Marco Aurélio levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a deixar a carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, após 580 dias preso.
Na derradeira sessão no Supremo, Marco Aurélio abandonou o estilo que marcou sua atuação na Corte e fez acenos aos “candidatos” mais cotados a ocupar sua vaga, manifestando apoio ao ministro da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, e ao procurador-geral da República, Augusto Aras.