Laryssa Borges – VEJA
Quando foi instalada, a CPI da Pandemia tinha um objetivo claramente pré-estabelecido: construir um discurso político que demonstrasse as omissões e erros de gestão do governo Jair Bolsonaro no enfrentamento ao novo coronavírus. A reunião de provas em uma espécie de inventário das ações bolsonaristas na crise sanitária, acreditava a comissão, poderia aumentar a pressão social contra o presidente, dar fôlego a futuros processos de responsabilização na justiça e evitar uma suposta impunidade dos agentes públicos que idealizaram as políticas do país no combate à Covid-19.
Nas últimas semanas, porém, a cúpula da comissão decidiu mirar a artilharia para oficiais militares integrantes do governo que supostamente atuaram de maneira pouco republicana na negociação de imunizantes. O foco da vez é o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. A simples tese de que ele, como então chefe da Casa Civil, permitiu que o governo decidisse privilegiar a compra da vacina indiana Covaxin, porém, já levou a um racha dentro da CPI.
Parlamentares como Eduardo Braga (MDB-AM) e Omar Aziz (PSD-AM) receiam que uma eventual convocação de Braga Netto, como deseja o relator Renan Calheiros (MDB-AL), possa esgarçar ainda mais as relações já estremecidas entre o grupo de investigação e a caserna. A despeito de já existirem dois requerimentos de convocação de Braga Netto, a ideia é, antes de eventualmente levar o general a depor, reunir elementos que indiquem que o ex-chefe da Casa Civil, pasta responsável pela burocracia na aquisição das doses, deu ordens para privilegiar o laboratório indiano Bharat Biotech e a intermediária brasileira Precisa Medicamentos.
De posse de dados telefônicos de personagens centrais na pandemia, como o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e agora o ex-diretor de Logística Roberto Ferreira Dias, os senadores começaram a cruzar as informações em busca de reuniões e telefonemas deles com o general Braga Netto. Também apostam que a quebra de sigilo de novos e-mails usados nas transações da Covaxin possa trazer eventuais indícios contra o militar.
Na quarta-feira 7, antes da tumultuada sessão que levou à prisão de Roberto Dias, Aziz vocalizou duras críticas aos militares e disse que “fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”. Na CPI, a menção de Aziz a um “lado pobre” da caserna baseou-se em elementos colhidos na investigação que mostram que coronéis que atuavam no Ministério da Saúde, entre eles Élcio Franco, então secretário-executivo da pasta e hoje assessor especial do governo no Palácio do Planalto, mantinham linha direta com o general na Casa Civil para a compra supostamente direcionada de vacinas.
A reação das Forças Armadas veio por meio de uma nota em que o ministro da Defesa e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica disseram que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”. Depois, nos bastidores, o próprio presidente da CPI tratou de colocar água na fervura e conversou com o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Oliveira.
Independentemente da convocação, o cabo de guerra da CPI contra militares do entorno do presidente já levou setores do governo a desenterrar esqueletos de senadores que compõem o grupo de investigação. Depois de, entre outros episódios, o senador Flávio Bolsonaro ter chamado Calheiros, alvo de oito inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), de “vagabundo” na comissão, em uma conversa com apoiadores o presidente Jair Bolsonaro acusou o senador Omar Aziz de ter “desviado” 260 milhões de reais.
Era uma referência ao depoimento que o deputado estadual do Amazonas Fausto Júnior (MDB) prestou no início do mês à comissão, quando levantou dúvidas sobre a origem do patrimônio da família do parlamentar e disse que Aziz e a família eram acusados de desvio de dinheiro público pela Polícia Federal, que em 2019 prendeu a mulher do senador, Nejmi, e os três irmãos dele.“Sabia que se fosse presidir a CPI ia mexer em interesses e ganhar inimigos”, disse o senador a VEJA.