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Alexandre Knopfholz – Gazeta do Povo
Presidente do STF, Luiz Fux.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF
A recente decisão do presidente do STF – ministro Luiz Fux – sobre a extensão do direito ao silêncio de depoente na chamada “CPI da Pandemia” tem causado acalorados debates. A discussão cinge-se à possibilidade de eventual abuso no uso da prerrogativa, com a invocação à não autoincriminação para todo e qualquer questionamento, ainda que as perguntas (e as respostas) não incriminem diretamente o declarante. No caso específico, a farmacêutica Emanuela Medrades recusou-se a responder toda e qualquer pergunta, inclusive as mais simples, como seu vínculo profissional com determinada empresa.
Sucintamente, a decisão assenta-se em dois pilares: a) o direito subjetivo de não produzir prova contra si é constitucional e pode ser utilizado por qualquer cidadão, cabendo a ele próprio o primeiro juízo de valor sobre o impacto da informação oferecida; b) por outro lado, nenhum direito fundamental é absoluto e pode ser exercido para além de suas finalidades constitucionais.
Penso ter sido correta a orientação do ministro que, aliás, não inovou ao decidir assim. Em primeiro lugar, é primordial a lembrança de que, no Brasil, por determinação constitucional, vige o princípio da impossibilidade de autoincriminação (nemo tenetur se detegere), do qual deriva o direito ao silêncio. A primeira menção a tal primado remonta à Antiguidade, com a previsão, no direito hebreu. Na atualidade, menciona-se importante julgamento americano de 1964 (Malloy vs. Hogan), que estendeu a garantia a outros partícipes processuais além do acusado, como testemunhas e informantes. Tal orientação encontra guarida na jurisprudência brasileira desde 2000, por conta do julgamento do Habeas Corpus 79.812 (Rel. Min. Celso de Mello). A conservação desta garantia individual é essencial, pois é simbiótica a relação entre os direitos fundamentais e a democracia.
Por outro lado, também correta está a decisão analisada quando diz que nenhum direito fundamental é absoluto. Não raro há vários direitos fundamentais em jogo, muitos dos quais conflitantes entre si. Neste sentido, é fundamental uma ponderação à luz do princípio da proporcionalidade. Em um simples exemplo, uma matéria jornalística sobre determinada pessoa pode colocar em conflito os direitos fundamentais à liberdade de informação e o direito à privacidade. Ou, trazendo para o caso concreto, o direito à não autoincriminação não pode ser considerado sacrossanto, uma verdade intangível e superior aos demais direitos constitucionalmente previstos. Basta lembrar a orientação jurisprudencial de que não é permitido ao acusado deixar de fornecer seus dados pessoais em interrogatório.
Assim, o problema não está na decisão do STF. O problema está, sim, na forma que poderá ser utilizada. CPI’s gozam de poderes de investigação das autoridades judiciárias. Assim, está no seu lídimo direito quando analisa se eventual pergunta pode ou não incriminar o depoente. O que não se pode tolerar, à toda evidência, é, sob o manto do “interesse público”, suprimir as liberdades individuais. Em tais casos, teríamos o ressurgimento das malfadadas CGI’s dos regimes autoritários, que nada mais eram do que comissões gerais de investigação que tudo podiam, típicas de uma época que ninguém quer lembrar. Na “civilização do espetáculo” que vivemos (conceito cunhado pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa em obra do mesmo título), as CPI’s carregam consigo objetivos que destoam da simples investigação. Permeiam suas atividades interesses políticos, eleitorais e midiáticos que não deveriam existir. Aí reside o perigo: a colocação das liberdades fundamentais como coadjuvantes em um procedimento que pode ser conduzido por questões não jurídicas.
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A dificuldade, pois, não está na decisão do STF. Não é justo, portanto, responsabilizar o Poder Judiciário por eventuais abusos na CPI. Não se pode crucificar a Suprema Corte por simplesmente garantir o direito fundamental e advertir que não é ele absoluto. São os parlamentares os responsáveis pela observância da garantia à não autoincriminação.
Pensar o contrário é o mesmo que matar o mensageiro e não o criminoso.
Alexandre Knopfholz é advogado, professor de Processo Penal do Unicuritiba e autor da obra “Limites ao âmbito de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito.”
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