Por
Flavio Quintela – Gazeta do Povo
Urna eletrônica. Imagem ilustrativa.| Foto: TSE/Divulgação
Durante vários anos, trabalhei como engenheiro de sistemas em uma multinacional do ramo de telecomunicações. Meu serviço consistia na instalação, programação e manutenção de centrais de telefonia celular espalhadas por todo o Brasil.
Centrais de telefonia celular são peças importantíssimas na vida contemporânea – telefones celulares são o modo de conexão de mais de 54% de todo o tráfego de internet mundial, e mais de quatro bilhões de pessoas possuem uma linha ativa tanto para telefonia quanto para dados. Pode-se dizer, portanto, que essas centrais formam uma rede de infraestrutura para um serviço essencial de comunicação. Para operar como algo essencial, precisam ter múltiplos níveis de redundância em seus componentes, para garantir que o serviço não será interrompido pela simples falha de uma CPU, por exemplo.
Um parênteses aqui: a redundância é conceito presente em toda e qualquer criação humana que impacte significativamente a vida neste planeta. Aviões têm pelo menos duas turbinas, e precisam ser capazes de voar com apenas uma delas. Pontes e viadutos são construídos para aguentar duas vezes mais peso que a situação de maior estresse a que possam ser submetidos.
Nas centrais que eu programava, havia redundância em tudo. CPUs e ventiladores do gabinete principal tinham redundância 3N, ou seja, o equipamento funciona com uma unidade mas tem mais duas sempre prontas para assumir caso haja uma falha. Os enlaces de comunicação entre a central e as estações rádio-base são sempre com redundância 2N. Internamente, as placas de processamento costumam ter redundância N+1 ou N+2. Isso significa que um conjunto de placas compartilha uma ou duas placas-reserva, por duas razões: primeiro, porque o sistema não sai do ar por completo no caso de falha de um desses componentes; segundo, porque seria inviável, física e economicamente, dobrar o número de placas para se fazer um 2N.
Se você está se perguntando sobre o que um artigo falando sobre modelos de redundância está fazendo numa coluna de opinião política, esclareço. Precisamos entender que a peça mais importante do jogo democrático – o voto – precisa estar protegida por alguma redundância. Ou seja, sim, estou falando de voto impresso.
Tenho acompanhado a abordagem geral da imprensa brasileira sobre o tema, e o tom é sempre o mesmo: tentar desqualificar a necessidade de mudança no sistema brasileiro de urnas eletrônicas, como se o voto impresso fosse uma invenção louca da cabeça de Bolsonaro e seus defensores. Ora, como já critiquei anteriormente, ser contra algo somente porque Bolsonaro é a favor é das posturas mais idiotas que existem. Ninguém em sã consciência rejeita mais segurança, ainda mais quando a contrapartida não é menos liberdade. Voto impresso é redundância de apuração, é garantia de que um resultado físico estará disponível caso algum imprevisto aconteça.
Sinceramente, não consigo entender os argumentos de quem é contra essa evolução. Alguns dizem, na mais pura ignorância ou má-fé, que o voto impresso tolherá a liberdade do eleitor, que sairá com uma prova de que votou em sicrano ou beltrano. Isso não passa de desinformação. Todos os sistemas de voto eletrônico e impresso existentes no mundo utilizam soluções que podem ser resumidas em dois tipos básicos: ou o eleitor vota em uma cédula de papel e esta é depositada em uma urna que consegue lê-la eletronicamente, ou o eleitor vota em uma urna eletrônica que imprime um voto de confirmação e o deposita automaticamente em local inacessível e inviolável após verificação visual de quem votou. Não existe essa de “levar o voto para casa”.
Além dessa mentira deslavada, o restante das argumentações são simplesmente ilógicas ou decorrentes de grave incapacidade cognitiva, coisas do tipo “Bolsonaro vai dizer que houve fraude com ou sem voto impresso”, “se o Bolsonaro está querendo isso, é certeza de que não é coisa boa”, ou ainda o famoso “para quê voto impresso se o TSE já garantiu que as urnas são auditáveis e que é impossível fraudá-las?”.
A mim, pouco importa se Bolsonaro quer ou não o voto impresso. Eu sei que isso vai aumentar a segurança do meu voto, que vai dar mais confiabilidade ao processo. O TSE pode dizer todos os dias que as urnas não podem ser fraudadas, e isso não mudará o fato de que grandes empresas e importantes órgãos de governo em todo o mundo são alvos constantes de hackers e invasores. Especialistas da área de TI são categóricos: não existe sistema digital 100% seguro. O que existe é um esforço constante de aprimorar a segurança antes que a próxima invasão aconteça, ou seja, melhorar as defesas antes que os criminosos descubram como desmontar o sistema vigente. Por que deveria ser diferente com as urnas eletrônicas? Por que não ter a possibilidade de auditoria, urna por urna, caso discrepâncias de grande significado estatístico sejam encontradas?
Como formadores de opinião, é nossa obrigação esclarecer esse assunto e ajudar as pessoas a pensar fora do discursinho infantil da grande imprensa. Esse pensamento de jardim da infância, onde eu não posso gostar de algo que aquele menino gosta somente porque ele não é meu amiguinho, não deve ter lugar numa imprensa independente e imparcial.
Há registro de alguém que tenha ligado para o banco em que mantém conta corrente e recusado a nova atualização de segurança? Ou de alguém que tenha mandado retirar uma das fechaduras da porta da frente, porque duas são demais? Ou então, de quem deixe o estepe em casa porque a chance de furar um pneu é pequena demais? É claro que não. O ser humano é uma criatura que cria planos B por natureza. E o voto impresso é o plano B das urnas eletrônicas. Sem ele, ficamos à mercê da palavra dos mesmos políticos e burocratas que mentem diuturnamente para nós. Como diz o ditado, é colocar a raposa para cuidar do galinheiro.
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